domingo, 15 de novembro de 2020

O estado de necessidade, a organização dos serviços e a saúde das pessoas

 

Fonte da imagem: aqui.
Um dia da semana que findou ouvi a senhora Directora Geral de Saúde, Graça Freitas, anunciar que as vacinas da gripe não vão chegar para todos os que pertencem a grupos de risco, dada a enorme procura: «questão de fazer contas», disse.

Ouvi e não gostei. Depois dos apelos à vacinação, até por parte do senhor Presidente da República, em pose pouco ortodoxa, até à enfermeira que «apoia» a escola onde trabalho, muitas foram os estímulos para que os cidadãos se vacinassem.

Querendo colaborar, logo em Setembro, dirigi “mail” ao Centro de Saúde do Carandá – Braga, a solicitar, pela mesma via, a receita da dita vacina. E a minha médica de família respondeu imediatamente, enviando a respectiva receita (merecidos parabéns à muito competente Dra Ana Sofia Português). Fui então à farmácia, onde simpaticamente me disseram que a lista de espera era extensa. Perguntei: - Muitas dezenas? E a resposta foi: - Centenas! Centenas!

Conformado, fiquei à espera. E à espera continuo. O meu cuidado relaciona-se com a importância que dou às aulas presenciais: não queria que, com o rigor do Inverno, muitos professores no activo tenham que ficar em casa, com ou sem infecção pelo novo coronavírus. O prejuízo para os alunos já é grande e não convém aumentá-lo.

Naturalmente, penso que o fornecimento de vacinas devia destinar-se prioritariamente às pessoas com maiores riscos. E é meu dever prescindir dela em favor de todos os que sejam mais vulneráveis do que eu. É o caso da minha mãe, de idade avançada e precário estado de saúde, que também continua à espera.

Ora, isto era fácil de prever e de comunicar de modo claro. O que devia ter sido feito e não foi. Com pesar o afirmo, eu que nunca ampliei qualquer das muitas críticas (e algumas bem pertinentes) à Direcção Geral de Saúde, porque:

- não era fácil enfrentar esta situação pandémica sem cometer erros;

- as pessoas não cumpriram, em muitos casos, as medidas básicas;

- na maioria dos países, com estratégias muito diversas, não se fez melhor do que em Portugal.

Mas estas atenuantes não se aplicam ao modo como foi (e está a ser) gerido o processo de vacinação contra a gripe comum.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Sistema Nacional de Saúde - um bem que temos. Curtíssimo testemunho pessoal sob a forma de elogio e agradecimento

Porque me tenho sentido muito bem tratado nos serviços de otorrinolaringologia do Hospital de Braga, onde a especialista Cátia Azevedo tratou de consertar cirurgicamente um dos meus ouvidos, nos inícios do passado mês de Julho, hoje, após a consulta e exames auditivos que ali realizei, a meio da tarde, pedi para fazer o seguinte registo:

«À Dra Cátia Azevedo:

Elogio a sensibilidade, a dedicação, o rigor e a competência no desempenho das suas funções de médica e de especialista de otorrino. O meu apreço é extensivo às/aos profissionais de medicina e de enfermagem e das restantes áreas técnicas ou serviços que lhe prestam colaboração.

Por ser verdade e por minha vontade escrevi estas linhas. Com muita gratidão.

Sou: José Batista d'Ascenção

Hospital de Braga, aos 11 de Novembro de 2020»


José Batista d'Ascenção

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Há mais pessoas a gostar de ler em Portugal do que aquelas que se supõe

Colecção Ciência e Conhecimento 01
jornal «Público». Out. Nov. 2020
Que os portugueses lêem pouco é uma ideia consensual. E muitos não lêem qualquer livro em longos períodos ou mesmo durante a vida toda. E, no entanto, há pessoas que não associaríamos à leitura que gostam de ler.

Há dias, entrei no café a que vou certo dia da semana, pela manhã, e, pela segunda vez, levei comigo um livro de que aproveitei para ler umas páginas, depois de tomar café. O estabelecimento é amplo, com boa luz natural, dispõe de jornais que não me atraem e não é muito frequentado. E tem algo de original: À entrada, no canto do lado esquerdo, há como que um altar com uma santa em tamanho razoável, de vários decímetros, à volta da qual pairam umas quantas pombas brancas, à escala natural, significando harmonia e paz angelical, tanto quanto suponho. Eu sento-me nalguma mesa mais afastada, em conformidade com a minha condição de pecador sem remissão.

Pois naquele dia em que retomava a leitura de a “Origem das Espécies” de Charles Darwin, na primeira tradução portuguesa, e mergulhava no rigor e genialidade do autor, atenta a data em que a obra original foi publicada (1859, em Londres), ao trazer-me o café, a senhora que me aviou, uma mãe ainda jovem, permaneceu junto à mesa e perguntou:

- Desculpe, importa-se que lhe faça uma pergunta?

- Queira fazer o favor, talvez eu saiba responder… - foi o que me saiu.

- Esse livro é bom? Eu gosto muito de ler, e de aprender – era a pergunta e o acrescento justificativo.

- É muito bom – disse eu – mas é mais um livro de estudo, e já antigo, com mais de 160 anos. Não é propriamente um livro para nos distrairmos. Fala sobre a evolução dos seres vivos.

- Reparei no título e vou tentar ler esse livro – concluiu a minha interlocutora, e voltou para as suas ocupações, ao balcão, onde alguém a esperava.

Lidas umas páginas, paguei, agradeci, despedi-me e saí. Momentaneamente, ocorreu-me que aquele curto diálogo podia ter-se devido a uma atitude de mera simpatia para com um cliente silencioso e discreto, mas o pensamento transpôs-se-me para outra situação algo semelhante, vivida há meia dúzia de anos.

Aconteceu naquele dia em que fui com o meu velho carro à revisão, revisão que, pela vetustez do veículo, se tornara obrigatória a cada ano. Como havia mais automóveis como o meu, fiquei em fila e, então, deitei mão ao livro «O falcão de Bonaparte: as aventuras de um tenente francês durante a II invasão de Napoleão a Portugal», de Mariana Morais Pinheiro, uma jovem autora de Braga.

Quando chegou a minha vez, o técnico mandou-me avançar para o primeiro teste, não sem antes espreitar para o livro que eu poisara no assento do lado. Logo de seguida, entre uma e outra instrução, perguntou-me se o livro era bom. Disse-lhe que sim e que se relacionava com Braga e que tinha sido escrito por uma menina que morava numa rua ali bem perto.

Novo exercício de testagem, comigo ao volante, e o homem, discretamente, volvia:

- Então é um romance, e sobre Braga? Já leu muito? Eu gosto de ler.

Assenti e felicitei-o.

Quando cheguei à zona do «túnel», mais longe dos circunstantes e técnicos que por ali cirandavam, logo que saiu de debaixo do carro, nova insistência no assunto:

- E esse livro é caro? Vende-se onde?

Disse-lhe de pronto: - Custa dez euros e, se quiser, amanhã passo por aqui e deixo-lhe o livro.

Visivelmente contente, o meu interlocutor tornou:

- Fazia-me isso? Não lhe dava muito trabalho? Tinha que vir de propósito…

Sosseguei-o: - Está combinado, calha-me em caminho, e pode ser à hora de hoje.

Como a mãe da autora é minha colega, no dia seguinte, contei-lhe o sucedido e logo ela me dispensou um exemplar. Além disso, impressionada, disse-me que, perante tanto interesse, a Mariana até poderia ir lá assinar-lhe o livro.

Pouco depois passei pelo posto de inspecção. Aquele leitor interessado parecia estar à minha espera. Veio rapidamente, deu-me a nota que trazia na mão, pegou no livro e acariciou-o. Apressado nos agradecimentos, ainda tive tempo de lhe dizer que a Mariana Pinheiro podia vir ali fazer-lhe uma dedicatória, se ele quisesse.

Pareceu admirado. Olhou-me e olhou em redor.

- Aqui não... Agradeça-lhe só – pediu-me. E voltou pressurosamente para o trabalho, com o livro aconchegado.

Não lhe perguntei o nome, e como aquele centro de inspecções foi desactivado nunca mais vi o homem. Naquele momento, porém, senti-me como em garoto, quando me faziam sentir que tinha feito alguma coisa boa.

Regressado ao presente, reconfortou-me a ideia de que não é impossível que continue a encontrar leitores improváveis.

José Batista d’Ascenção