quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Deseducação


Imagem obtida aqui.
Numa escola (básica), aquela professora desloca-se para a sala onde vai dar aula. No corredor, um aluno diverte-se em correrias com um extintor de incêndios que retirou do suporte. Colegas dele participam na brincadeira ou assistem divertidos. A professora, assertiva, repreende o aluno, que a encara e lhe diz que a não respeita, porque não é sua professora e não lhe deve dar ordens. A docente não se acanha e pede-lhe o nome e a indicação da turma a que pertence. Obtém resposta pronta parcial: o menino perturbador não se identifica, mas diz pertencer a certa turma, turma que, por acaso, tem como directora a própria professora e que (ela sabe que) não inclui o infractor. Indignada, a professora repete as perguntas. E, em coro, ouve vários alunos afirmar que o colega inquirido é daquela mesma turma que, em conluio descontraído, voltam a especificar. A professora não se intimida nem desiste. Mas o aluno em causa e os seus companheiros não se perturbam nem se incomodam.
Entretanto chega a professora que, à mesma hora, vai ter aula com aqueles alunos. A primeira expõe-lhe o que aconteceu. Arrogante e descarado, o aluno repete à sua professora que não há qualquer problema porque (afinal) o extintor já está no sítio.
Dentro da aula, e depois de nova admoestação aos alunos envolvidos, adianta-se o mesmo menino para afirmar que não tem que ter respeito por uma professora que não lhe dá aulas e que, por isso, não lhe deve fazer reparos. Os restantes não acham estranho. Nova repreensão e silêncio, sem qualquer sinal de reconhecimento ou humildade dos meninos.
As duas professoras decidem fazer uma participação por escrito. Ambas entristeceram com a situação, ambas sentiram desconforto ao elaborar a participação e ambas sofreram especialmente com a inutilidade pressentida em todas as suas diligências: um esforço desgastante e inglório.
Qualquer semelhança do descrito anteriormente com a realidade é coincidência banal. As consequências punitivas dos actos reprováveis dos alunos são nenhumas.
Até um dia alguém dizer «chega!»
Será o dia em que, mais crescidos e cada vez menos educados, os adultos que agora são crianças o gritem (de várias formas…) aos que não souberam ou não puderam ou não quiseram educá-los.
Ou esse dia já terá chegado (há muito), e ainda o não quisemos admitir?

José Batista d’Ascenção

sábado, 12 de janeiro de 2019

Desistência da decência ou como vai a política

Ou vejo mal ou sou demasiado velho ou tenho uma educação obsoleta ou todas ou algumas destas hipóteses (ou outros factores que não identifico) ou há razões para estar pessimista em relação à política. A nível internacional e dentro de portas, neste nosso pobre Portugal (pobre para quase todos os portugueses, mormente os que vivem abaixo do limiar de pobreza). A América de Trump tornou-se «democratofóbica» e dá fraco exemplo e estímulo ao mundo. A Europa não se entende, nem a tradicionalmente sensata (e interesseira) Inglaterra (prefiro não englobar toda a Grã-Bretanha) parece saber orientar-se. Putin faz regressar a imensa e antiga e orgulhosa nação russa aos «instintos» que são seus e que nunca abandonou. Os países que se libertaram do comunismo e que quiseram aderir à União Europeia, fazem agora gato-sapato das regras a que deviam estar obrigados e ninguém lhes põe o dedo no nariz. A Itália faz opções políticas como de costume e descamba para fora da esfera do humanismo A China parece querer engolir comercialmente o mundo, pelo menos o «mundo europeu», e a Portugal já o «meteu no bolso», com particular satisfação dos políticos caseiros, que fazem vénias, arrecadam o que lhes for possível e agradecem. De patifes políticos ou meros criminosos, eleitos com ou sem batota ou nem isso, como Duterte, Kim Jong-un, Bolsonaro ou Maduro não se pode esperar nada de bom.
E contudo, o mundo nunca teve tantas possibilidades nem, provavelmente, tantas pessoas a viver durante tanto tempo nem com tanta qualidade de vida como actualmente. Isto, que devia ser e é exaltante, não atenua as preocupações dos muitos que sabem que essas possibilidades lhes estão vedadas ou, gozando delas, podem vir a perdê-las.
Em Portugal, o governo em funções parece estar a agradar a uma fatia razoável de pessoas, mas os órgãos de poder e as instituições públicas: a Justiça, a Educação, a Saúde, a Segurança Social, a Protecção Civil, a rede de transportes e outras, não cumprem como deviam, e não são poucos os excluídos e os descontentes.
E os partidos políticos, embora necessários à democracia, estão longe de serem fontes de virtude e exemplo, desde logo nas suas organizações de juventude. A luta feroz no maior partido da oposição, tendo em vista os lugares de deputado no parlamento europeu e na assembleia da república, aí está a demonstrá-lo, de forma obviamente não exclusiva, longe disso.
E aos cidadãos não resta paciência e sobra desinteresse. Depois, se a democracia não resolve, que venham os autoritarismos. Portugal resistirá à «epidemia»?
Em tempos, que não podemos mitificar, tinha-se a ideia de que as famílias, a escola, as instituições, os órgãos de informação e a sociedade praticavam e incutiam desde cedo certas normas de educação, honestidade e honradez. Ao contrário, hoje há quem faça gala do oposto e, sem pudor, se afirme ostensivamente de «consciência tranquila». 
Como se houvesse dúvidas.

José Batista d’Ascenção

domingo, 6 de janeiro de 2019

Marcelo Rebelo de Sousa – o «Presidente-Povo», com algumas falhas

Fonte da imagem
Raramente terei ouvido uma comunicação de um político que me agradasse tanto como a que o Presidente da República dirigiu aos portugueses no dia um deste mês de Janeiro. Uma mensagem curta, clara, incisiva e dirigida a todos e a todos contemplando, num exercício de sabedoria, proximidade, envolvência e autenticidade como tanto precisamos.
Inteligência fulgurante e profunda identificação com o povo que representa fazem do Presidente de Portugal uma figura extraordinariamente querida dos cidadãos nacionais. Essa circunstância tinha boas condições para se impor por contraste com a secura fria, calculista, fechada e preconceituosa do anterior inquilino de Belém que, em boa hora, terminou a função.
Marcelo Rebelo de Sousa, se não alterar muito o modo como desempenha o cargo, deixará profundas saudades quando for a sua vez de sair. Se não se modificar muito, e tiver vida e saúde, como todos lhe desejam, não (me) parece crível que não se candidate e cumpra um segundo mandato. Ele será o que tem menos dúvidas disso. E merece, porque, para lá das qualidades pessoais, tem sabido exercer a função com o devido respeito pela constituição e pelas leis e pelos outros órgãos de soberania e, principalmente, pelos portugueses e por Portugal, que engrandece e com que, humana e politicamente, sai engrandecido.
Mas não há bela sem senão. O Presidente emite opiniões sobre tudo, a todo o tempo, o que revela a sua capacidade de atenção mas também uma omnipresença que nem sempre ilumina ou resolve. Assim mesmo, prefiro-a a uma qualquer clausura de «auto-importância» com que se «protegesse». Antes um Presidente nosso e connosco do que um presidente de si e consigo. A transparência democrática, lídima de franqueza, lisura, honestidade e acutilância é um bem inestimável.
Mas há também ambivalência em Marcelo R. de Sousa. Se a sua autenticidade não oferece dúvidas, ela mesma encerra um artificialismo que eu creio que resulta das múltiplas perspectivas que, com incrível rapidez, divisa em cada situação. Sabedor do que quer, toca os cordelinhos da acção política com agilidade assombrosa. É um emotivo racional com cálculo e um impulsivo distribuidor de afectos, tanto como noutros tempos não resistia ao divertimento de entalar políticos que o temiam, mais que o respeitavam, quando lhes expunha ou sobre eles revelava fraquezas ou falhas com cinismo fleumático demolidor. Isso foi sobretudo nos longos anos como comentador das televisões, exercício em que já antes fora exímio como articulista de jornal. Enquanto estrela televisiva, o seu objectivo terá sido desde longe a presidência da república. Por um lado, tinha consciência de que a sua inteligência não cativava simpatias num partido como o seu, que canibaliza líderes discretos ou mina os que tentem limitar as redes de interesses instalados. Por isso correu em pista alternativa, tornou-se conhecido de toda a gente e lidou bem com o facto de ter tempo de suceder ao segundo mandato de Cavaco Silva que, paciente e de olho no objectivo, esperara também ele pelo término da segunda presidência de Jorge Sampaio. Pelo meio não se comprometeu com causas e lutas sociais profundas: repare-se no elogio que, depois de presidente, dirigiu aos professores, chamando-lhes «os melhores do mundo», por comparação com a atitude do tipo bóia perante as incompetências arrojadas de uma ministra da educação de José Sócrates, muito apreciada por Cavaco Silva. O ensino não melhorou (em minha opinião) e as cicatrizes nas escolas ainda se mantêm, desde esse tempo.
Outra falha que lhe atribuo, face a uma inteligência como a sua, é não ter tomado a iniciativa de dar um pontapé no chamado «acordo ortográfico» que a contemporização do bondoso Jorge Sampaio tornou possível. Para lá da confusão interna, com as coisas como estão, aumentaram as diferenças na ortografia entre os países de língua portuguesa.
Mas, a meus olhos, o pormenor mais elucidativo deste «lado B» do hiperactivo Marcelo R. de Sousa, revelou-o o próprio quando afirmou, já depois da última eleição do Secretário-Geral das Nações Unidas, que Guterres é «o melhor de nós todos» e que, por isso, não se teria candidatado à presidência da república se ele o tivesse feito. Lembro-me de, nesse momento, o pensamento se me ter tornado audível por articulação involuntária da palavra «pantomineiro!»
Atenção, porém, como não há pessoas perfeitas - e se houvesse eu teria medo delas -, reafirmo que aprecio o actual Presidente da República e lhe desejo longa vida.

José Batista d’Ascenção

sábado, 5 de janeiro de 2019

O excesso nos sons, nas imagens e nos comportamentos, ou a algazarra, a berraria e o espalhafato

Fonte da imagem: aqui.
Na noite de fim de ano calhou de olhar os canais de tv portugueses. Jovens locutores («loucotodos»?) esforçavam-se teatral e sonoramente por transmitir um entusiasmo transbordante, espevitando os circunstantes, nacionais ou estrangeiros.
Num programa festivo havido pelo Natal, que vi dias antes através da televisão, porque realizado na cidade onde moro, ainda que agradável e moderado, não era ausente a mesma tendência.
Os concursos, que só vejo involuntariamente e de raspão, parece-me que usam formas (fórmulas) do mesmo teor.
Desconheço porque há um ar tão artificial e espampanante nas transmissões que se pretendem alegres. Será a antítese compensatória da especulação, ficticiamente noticiosa do dia-a-dia, sobre dramas e desastres, desventuras do pontapé na bola ou da provocação e do choque perante fenómenos de faca e alguidar, acontecidos ou em perspectiva de acontecer e exibidos até à náusea?
As televisões estão de tal ordem que programas como a transmissão do concerto de Ano Novo pela Filarmónica de Viena se revestem de uma quase irrealidade excepcional. Vá lá.
Fora do espaço televisivo, por exemplo nas escolas ou em acontecimentos sociais, o caos sonoro e visual está também muito presente. Deve ser um sinal dos tempos.
No entanto, tenho dos cidadãos no norte da Europa a ideia de que são habitualmente mais contidos. A (sua) frieza não faz o meu agrado, mas a serenidade e a discrição sim. Quando viajei de comboio na Holanda apreciei sobremaneira as carruagens de silêncio onde se pode ler ou trabalhar ou, simplesmente, ouvir… o silêncio. Nas outras carruagens, o barulho das pessoas também não era elevado, excepto quando havia grupos de espanhóis ou de italianos. Os portugueses, como eu, seriam raros e tímidos.
Há apenas algumas décadas, em Portugal, um povo pouco letrado e de fadário sofrido explodia em folclore popular nas festas e romarias dos domingos de Verão, com muito estrondar de foguetes, em que rivalizavam e competiam aldeias e vilas do interior. Mais recentemente, os jovens, mais e menos urbanos, aderiram aos grandes festivais de Verão porque passaram a ser outras as preferências musicais, mas sempre com elevados volumes de som. Compreensivelmente.
O meu país não é melhor nem pior do que outros. Aqui nasci e aqui vivo e, para mim, o meu povo é o mais querido e sofrido, porque nele sinto (e sou) as suas e as minhas idiossincrasias. E pertencendo genuinamente a ambos, contribuo infinitesimalmente para o que Portugal é para o povo que somos.
Prefiro, porém, o entusiasmo de realizações maduramente pensadas à alegria espaventosa de milagres ilusórios.

José Batista d’Ascenção