sábado, 17 de setembro de 2022

O Dr Paiva, o Botânico de Coimbra e nós, que por lá andámos

Dezassete de Setembro de 2022. De volta ao Jardim Botânico, tantos dos que o frequentaram ao longo das décadas de 50 a 80 do século passado.

Nos rostos as marcas da passagem do tempo, também documentada, nos homens, pela ausência ou embranquecimento dos cabelos, mas com bem poucas proeminências abdominais, diga-se, em respeito pelos factos.

Receoso destes encontros no que respeita aos motivos das ausências, particularmente quando são surpresa revelada na hora, que se quer de alegria, confesso que decidi de imediato ir ao Botânico pela figura de referência que é para mim aquele professor que me ficou por dentro e por perto, qualquer que fosse a distância física. Refiro-me ao Dr Paiva (era assim que lhe chamávamos). Outros houve, claro, de que gostei, mas situava-os no olimpo das cátedras, no miolo das sebentas e no recato dos gabinetes.

O Dr Paiva era diferente: vibrante, intenso, apaixonado pelas matérias e pela missão de ensinar. Com ele não havia “abébias”, ou se sabia ou não, mas estava lá para quaisquer dúvidas, rigoroso, mas próximo, exigente mas compreensivo, espartano, mas pleno de disponibilidade. Isso sentia-se nas suas aulas. Nas saídas de campo e nas visitas de estudo era um espectáculo. Para além disso, houve sempre o cidadão materialmente descomprometido e o ambientalista atento e escrupuloso, de atitude cívica exemplar. As suas firmes opiniões nunca cederam a pressões nem seriam compráveis, porque o autor foi e é uma pessoa de dádiva. Para nós: um príncipe de generosidade, de sensibilidade, de presença e de estímulo.

O mais interessante do bonito reencontro de hoje é que ao impulso maior que motivou a minha ida logo se somaram várias outras razões traduzidas em abraços de amizade sentida e expansivamente partilhada com muitos colegas e amigos, parte dos quais não via há muito. Foi um prazer estar e conviver. A Lurdes, minha mulher, que não foi estudante em Coimbra, mas foi tratada como se o tivesse sido, sentiu-se muito bem e é testemunha.

Coimbra tem mais encanto na hora dos reencontros. Para mais no dia do aniversário do meu professor mais querido, que celebrámos a plenos pulmões.

Um enorme obrigado, a ele, sempre, e aos organizadores de tão merecida e reconfortante confraternização, com destaque para o Director do Departamento de Ciências da Vida.

José Batista d’Ascenção

domingo, 11 de setembro de 2022

O mundo animal como era há cerca de 50 anos e deixou de ser para sempre

Entre 1980-85 fiz o curso de Biologia, do ramo educacional, na Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra. No último desses anos ofereci a mim mesmo a obra «A FAUNA», uma excelente colecção de 11 volumes, com 300 páginas A4 cada, abarcando a vida animal do planeta, ilustrada com boas fotografias, para a época, sóbria mas belamente encadernada. Paguei-a a prestações. Estes livros seguiram-me ao longo dos anos e fui-os consultando uma ou outra vez, como fizera antes, na biblioteca da universidade.

No final do ano lectivo passado peguei no 1º volume e comecei a lê-lo seguidinho, como leitura de férias. Pese um ou outro erro sistemático de gramática, a escrita é muito clara e de leitura agradável. Para além das fotos, algumas de página inteira e até de dupla página, num caso ou noutro, há desenhos muito precisos e elucidativos de certas atitudes e comportamentos dos animais. Do 1º volume passei ao 2º e assim sucessivamente: estou no 7º, sem perder o entusiasmo.

Porém, assombra-me frequentemente o desgosto de constatar como muitos dos bichos, alguns muito belos, caso de certos felinos, gazelas ou algumas aves, viram o seu número drasticamente reduzido a poucos exemplares, alguns mantidos em zoológicos ou em áreas de reserva, ou se extinguiram, pura e simplesmente. A diferença entre a época da minha meninice e os tempos de hoje traduz-se em tal perda de biodiversidade que não podemos chamar-lhe outra coisa que não uma “extinção em massa”. As causas poderiam ter-se devido a fenómenos naturais, mas, na realidade, em grande parte dos casos, o agente destruidor das espécies é a nossa própria espécie (Homo sapiens). Fazemo-lo na condição de predadores, por necessidade (de alimentação ou profissional, em qualquer dos casos mal gerida…) ou por prazer (mediante a caça desportiva excessiva e pouco inteligente) ou por destruição dos habitats ou ainda pelas alterações que provocamos neles devido sobretudo à poluição.

A população humana cresceu exponencialmente nos últimos 150 anos, potenciando em escala crescente as agressões ao ambiente. As medidas de prevenção e remediação são em ordem de grandeza muito inferior, o que nos coloca em risco enquanto espécie biológica, dependentes em absoluto das condições do meio: disponibilidade de oxigénio, de água limpa e de alimento, temperatura compatível, espaço natural favorável, etc.

A admirável beleza, complexidade e particularidades do mundo vivo que A FAUNA descreve e ilustra só muito parcialmente poderão ser testemunhadas pelos meus netos e seus descendentes. O que o planeta será então, e o que será feito dos humanos ou o que eles farão, não o consigo imaginar.

José Batista d’Ascenção