segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Os portugueses não gostam de árvores

«Poda» numa árvore da margem do rio Vez
(Agosto de 2019)
Nos espaços urbanos, ruas, avenidas, praças, jardins e parques, ou na berma das estradas, podamo-las de forma contundente, de tal forma que, em muitos casos, se deveria falar em mutilação radical.
No Verão, em consequência da falta de ordenamento e de gestão e do mau trato que damos à floresta, são devastadas nos incêndios em que se consomem violentamente flora, fauna, culturas, habitações e até vidas humanas.
Em muitas zonas, devido a interesses vários (construções, prática agrícola, criação animal e outras) as árvores desapareceram e deram lugar a fenómenos curiosos, como a quantidade cada vez maior de ninhos de cegonha nas torres das linhas eléctricas de alta-tensão no baixo-Mondego, por falta de árvores próximas da fonte de alimento, ali mesmo, nos campos de arroz.
Infelizmente, o problema não é só nosso, basta vermos o desmatamento acelerado que a floresta amazónica – o maior «pulmão» do mundo – sofre, sem travão eficaz.
Ninhos de cegonha, no baixo Mondego. Fonte da imagem: aqui.
E contudo, as árvores são imprescindíveis, por vários motivos, entre os quais:
- fornecerem oxigénio, que libertam na fotossíntese, processo em que absorvem dióxido de carbono, na mesma proporção;
- produzirem matéria alimentar para os herbívoros e omnívoros que consomem os seus frutos, folhas, caules, raízes ou sementes;
- atapetarem os solos de manta morta e fixarem os solos nas vertentes com as suas raízes, retendo as águas de escorrência e diminuindo a erosão;
- libertarem vapor de água para a atmosfera, assim morigerando as temperaturas nos dias de canícula, efeito que também resulta da sombra das copas frondosas;
- de muitas delas se terem extraído substâncias químicas usadas como medicamentos, substâncias que, só depois, passaram a ser sintetizadas em laboratório (caso do ácido acetilsalicílico, da vulgar aspirina, que se origina a partir do ácido salicílico presente, por exemplo, na casca de salgueiro (planta do género Salix), que era mascada para se obterem efeitos antipirétidos e analgésicos; caso também do taxol, um químico primeiramente extraído da casca de teixo, com potente acção anticancerígena. O efeito real de algumas «mezinhas» radica em causas similares, sendo que, nalguns casos, por efeito tóxico e elevada dosagem, o desfecho pode ser desfavorável…);
- outras plantas foram, de há muito, usadas para extracção de fibras vegetais com que se produziram tecidos como o linho e o algodão, ou o  sisal usado para produzir cordoaria e tecidos grosseiros;
- servirem de habitat para grande número de animais, de insectos a aves e mamíferos.
- embelezarem a paisagem;
As árvores também nos dão a madeira, para os mais diversos fins, assim como a pasta de celulose, não sem custos ambientais...
Tal é a sua importância que, sem florestas, não podemos sobreviver.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Espírito natalício e natal comercial

Imagem adaptada, a partir daqui.
Há no fundo do coração humano um lastro intrínseco de bondade, que devemos estimular permanentemente e fazer vir ao de cima, tanto quanto possível, ou os esforços para sermos bons são isso mesmo: esforços que precisamos de cultivar (em nós e nos que educamos) para que não nos «canibalizemos» uns aos outros, desde as origens e para (todo) o futuro da espécie, como a História da humanidade parece demonstrar? Por outras palavras, há bondade constitutiva nos seres humanos, pelo menos em parte deles, ou, na realidade, o que predomina é mais um «verniz» que nos permite ir vivendo com a sociabilidade possível?
Sou pela primeira possibilidade, por pensar em tantas pessoas que conheço. O espírito desta ideia, em relação com a quadra, encontrei-o na releitura da história assombrada de «Ebenezer Scrooge» e principalmente dessa outra «...história de duendes sobre uns sinos…», do mesmo autor, a que voltei por estes dias.
Não fossem os mais próximos, entre familiares e amigos (que são outro modo de ser família), em especial os mais pequeninos, particularmente quando inocentes, e o Natal ou seria um acto de fé penitencial ou um artifício variável na escala entre o prazer e o sofrimento. Mas, em família, com os meninos, pelos meninos e para os meninos, o Natal torna-se autêntico, profundo e comovente. E até os adultos podem voltar à infância, de preferência sem infantilidade, e emprestar-lhe a sinceridade que a inocência das crianças justifica. E então o Natal é uma festa, bela, terna e reconfortante.
É porém excessivo o que podem hábitos, cicatrizes e vícios, enquanto marcas do tempo e das vivências. O egoísmo e a ganância medram e expandem-se em todos os tempos, e emergem, com ou sem disfarce, a cada momento. Pelo Natal também. Então, para quem pode, é uma correria à procura do que se precisa e (fundamentalmente) do que não se precisa, para dar vazão a ânsias e instintos de consumir, consumir, consumir: no que se deseja, no que se pede, no que se exige, no que se dá, no que se recebe, no que se exibe e, até, no que se esconde ou não se quer ver. Fabricamos necessidades, mesmo com o argumento de suprir as necessidades de quem as tem verdadeiramente (e que não é, normalmente, quem mais se faz ouvir ou notar). Da Natureza extraímos tudo o que se pode converter em dinheiro. E pelo dinheiro destruímos infindavelmente o equilíbrio da Natureza, a saúde e o relacionamento das pessoas e também, imagine-se!, a economia das sociedades. Em extremo, fabricam-se armas e recorre-se à guerra. De todo o modo, enchemos o planeta de lixos e venenos, em contraposição à esperança que sempre colocamos em dias melhores. E, ao bem-estar de quem pode e manda, normalmente poucos, corresponde a penúria dos desprotegidos, tendencialmente muitos. É certo que a sociedade dita ocidental, que estatuiu os direitos humanos, é, apesar disso, a melhor que conseguimos, fruto de notáveis progressos científicos e culturais. Mas não o é para todos e tem crises de regressão, que exigem que não desistamos de praticar e de perseguir o bem comum.
Pelas crianças, no mínimo.
O Natal é sempre Natal.
Festas Felizes. 

José Batista d’Ascenção

sábado, 14 de dezembro de 2019

Um livro por que (se) aguardava há anos

Ontem, ao fim da tarde, tive o privilégio de receber, das mãos do autor, o livro «NATAL VERDE, 30 anos de postais de Jorge Paiva», que anteontem foi apresentado ao público, em Coimbra, perante numerosa assistência. São cento e quarenta e cinco páginas, em papel e com imagens de qualidade, com os originais postais de Natal que o Professor Jorge Paiva foi enviando a milhares de pessoas ao longo de décadas. Cada um desses postais é uma lição bilingue de um dedicado naturalista botânico sobre a estrita necessidade de os humanos compreenderem e respeitarem o funcionamento da mãe Natureza, com belas e pertinentes imagens fotográficas do autor, obtidas nas mais diversas partes do mundo. Essas imagens e a mensagem que as acompanha são de forte impacto e de grande sensibilidade. Um mimo.
Editaram esta obra o Exploratório Centro de Ciência Viva de Coimbra, a Imprensa da Universidade de Coimbra e a Ordem dos Biólogos. Em boa hora.
Por condição prévia do Professor Jorge Paiva, cada escola básica e secundária receberá gratuitamente um exemplar para a sua biblioteca. Um belo e útil presente de Natal para as escolas de Portugal. E para cada pessoa que o receber, pelo Natal ou em qualquer altura.

Ontem mesmo, no meu contentamento, não me contive que não começasse a minha humilde (mas bem intencionada) «chantagem» junto do Professor Jorge Paiva para que escreva um livro, que não precisa de ser muito extenso, sobre a «História da Silva [floresta] Lusitana», numa linguagem acessível ao leitor comum. Era uma acção de cidadania e de educação ambiental de que a população portuguesa me parece muito carecida, e que contribuiria para nos encaminharmos num sentido que minimizasse a praga dos incêndios e o modo «rapace» de exploração florestal que prosseguimos. Esse livrinho até podia ter uma versão para adultos e uma outra infantil, destinada às crianças pequeninas, com ilustrações a condizer.
Claro que o Professor Jorge Paiva não tem para onde se virar, mas nós, os que o não largamos para que venha às escolas (e se lhe pedimos, ele não consegue dizer que não), bem podíamos prescindir temporariamente da «exigência», para lhe «concedermos» mais tempo para a execução da obra.

Com um grande obrigado. De sempre e para sempre.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Função geral dos fungos na Natureza

Exemplar de «Amanita muscaria», um fungo alucinogénio.
Estabelece micorrizas com pinheiros, abetos e outras árvores.
Os fungos são um curioso (e enorme e diversificado) grupo de seres vivos. Não são plantas (não produzem matéria orgânica – alimento – por exposição à luz), nem são animais. Também não pertencem ao mundo («reino») dos protozoários: seres uni ou pluricelulares, mas, neste caso, com as células pouco diferenciadas umas das outras, nem ao «reino» das bactérias: seres unicelulares ou coloniais (agregados celulares, com morfologias diversas), cujas células não possuem núcleo nem organitos membranares (células procarióticas), apresentando uma estrutura mais simples do que as células nucleadas e providas de organitos com membranas (células eucarióticas) de todos os outros seres vivos: protozoários, fungos, plantas e animais.
Uni ou multicelulares, todos os fungos se alimentam de matéria orgânica que não produzem. Alguns são parasitas, como os que se instalam na nossa pele, provocando «micoses» ou atacam as plantas, como o oídio das videiras. Outros consomem matéria orgânica morta (dizem-se «saprófitas») aproveitando-lhe a energia e reduzindo-a a matéria mineral. Ou seja: são decompositores. Se não houvesse decompositores (entre fungos e algumas bactérias), os cadáveres dos animais e das plantas e os seus detritos ou partes destacadas (revestimentos de animais, ramos partidos, folhas, etc.) permaneceriam indefinidamente na Natureza. Então, as florestas «afogavam-se» na folhagem que delas se desprende todos os anos e os corpos dos animais (e pessoas) sem vida cobririam a Terra. Devido à acção de bactérias e dos fungos saprófitas, os restos orgânicos são mineralizados, após a putrefacção, e a matéria inorgânica (água, dióxido de carbono e sais minerais) é devolvida ao meio de onde pode ser novamente absorvida pelas plantas verdes, que, com ela, fabricam alimento para si próprias e para (todos) os animais, que o obtêm directa ou indirectamente. Por isso dizemos que as plantas verdes são seres autotróficos. Já os animais, como os fungos e todos os seres que não fabricam a matéria orgânica de que se alimentam, chamam-se seres heterotróficos.
Mas o papel dos fungos é mais vasto. Alguns produzem antibióticos com o que impedem o desenvolvimento de bactérias, suas competidoras. Em 1928, o médico e cientista escocês Alexander Fleming descobriu a penicilina, substância produzida pelo fungo  Penicillium notatum. Por alturas da segunda guerra mundial iniciava-se a «era dos antibióticos», que passaram a ser largamente usados, com progressos notáveis na saúde, até ao excesso de utilização, com preocupante perda de eficácia, verificada a partir dos finais do século XX. Outros fungos filamentosos, que também incluem o bolor do pão ou o dos frutos dos citrinos, proliferam na folhagem em decomposição no chão das florestas (manta-morta) e por entre as partículas do solo, onde crescem as raízes das plantas. Muitos destes fungos estendem-se por dezenas e dezenas de metros e «infectam» as raízes, associando-se com elas: das plantas recebem matéria orgânica e, em compensação, absorvem sais minerais e água que disponibilizam às plantas. A tais associações mutuamente benéficas, chama-se «micorrizas». Na produção artificial de plantas, as raízes são muitas vezes contaminadas com fungos para promover o estabelecimento de micorrizas, como garante de crescimento eficaz, sem o que haveria definhamento e morte.
Os cogumelos, comestíveis e não comestíveis, são estruturas de fungos filamentosos que crescem sobre o solo e destinam-se à reprodução e disseminação desses fungos. A apanha intensiva de cogumelos, muito procurados pelas suas qualidades culinárias, pode comprometer a sobrevivência dos fungos e a produtividade natural de cogumelos, o mesmo podendo acontecer com plantas de cultivo e árvores florestais.
A produção artificial de cogumelos requer «apenas» matéria orgânica em decomposição e pode fazer-se no escuro, em espaços fechados, por exemplo em «gavetas», com condições de humidade e temperatura controladas.
Alguns cogumelos produzem substâncias venenosas ou alucinogénias para protecção contra os predadores, incluindo o ser humano. Outros «imitam» a forma e a cor dos que são venenosos para o mesmo efeito. Donde, são precisos conhecimentos e precaução na apanha de cogumelos. Conveniente é também o conhecimento mínimo do seu papel e importância na Natureza.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 19 de novembro de 2019

As «Boas-Festas» por que mais aguardo

[O que atenua em mim o sentimento de perda de um grande músico de Portugal]

Recebi hoje o (habitual) postal de «Boas-Festas» do Prof. Jorge Paiva, em razão da sua necessidade de sair do país proximamente, nas suas viagens pelo mundo natural. É um postal maravilhoso com duas belas fotografias e uma lição em duas línguas sobre o significado da «inversão das biodiversidades urbana e rural» e as suas relações e implicações com a espécie humana.
Em nota à margem, diz o Professor Jorge Paiva:

«Este é o meu 30º cartão. Não sei se continuarei com eles. Já deixei de escrever artigos sobre problemas ambientais, pois os leitores que me interessava que os lessem (governantes, deputados, políticos e juventude) não o fazem. Assim, prefiro ir coligindo todos os dados que os cientistas têm vindo a publicar e publicitar, há já alguns anos, para as, já evidentes, «Alterações Climáticas» e «Poluição Global (sólida, líquida e gasosa)», sem que os governantes e políticos mundiais tomem efetivamente quaisquer medidas. Isto para que as futuras gerações (os meus trinetos, por exemplo) venham a saber quem foram os responsáveis pelos desastres ambientais que os vão atingir, como, por exemplo, piroverões cada vez mais devastadores no nosso país; a submersão do previsto aeroporto do Montijo; secas tremendas; temperaturas insuportáveis para a vivência da espécie humana; fome; novas doenças; etc.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, morrem anualmente 7 milhões de pessoas em consequência da poluição atmosférica. Nas regiões tropicais já ocorre uma nova doença renal provocada pelas severas secas e elevadas temperaturas resultantes do «Aquecimento Global». A comunicação social não noticia isto, nem o ecocídio para que caminha, inexoravelmente, o Planeta Terrestre, que não é mais que uma grande gaiola em que vivemos e uma pequeníssima ilha do Universo.»

Obrigado: Bom Mestre.

PS: Prevê-se que, em Dezembro, seja publicado um livro com os postais de Natal dos últimos 30 anos do Professor Jorge Paiva. O que é motivo de grande contentamento e justifica redobrado agradecimento.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Chuva para lá dos vidros

Quando eu era menino, em dias cinzentos de chuva persistente, ficava, às vezes, sozinho, colado aos vidros, a olhar a queda dos pingos, de ordinário em descida oblíqua, do lado do mar para oriente.
E assim permanecia minutos largos, com o pensamento longe. Que espécie de conforto aquilo me trazia, nunca o soube definir. O hábito perdeu-se, mas hoje, estas reminiscências acodem-me à memória quando, dentro do carro, em dias chuvosos, aguardo solitariamente por alguém, a quem vou levar ou buscar. E então, se não leio ou presto atenção a algo com interesse na rádio, foge-me o pensamento para o indefinido da bruma no exterior, a despeito do embate das gotas ao cair e do som que produzem quando se despedaçam contra os vidros e a chapa. De comum, não fico alegre nem triste, mas já me aconteceu sentir-me como que num casulo de insignificância e interrogar-me sobre o funcionamento da Natureza e sobre a razão última da existência dos seres vivos e dos seres humanos em particular. Pergunta que também já me ocorreu, nas mesmas circunstâncias, é sobre o «significado» ou «utilidade» do sofrimento, particularmente o daqueles que nada fizeram para o merecer. A matéria organizada que sente e pensa e ama a beleza e pratica a bondade, como cúmulo (actual) da evolução, são para mim exemplos de realidades cheias de mistério. Aqui chegado, perco (desconsoladamente) a capacidade de considerar outros mistérios que (me) justifiquem aqueles. E, sem sobressalto, olho a minha condição de indivíduo que sabe que não pode passar além da sua pequenez e irrelevância.
Mas isto é agora. Quando era menino pensava que ainda não tinha crescido o suficiente para entender o que não compreendia nem sabia perguntar. Depois do tempo que passou por mim ou da minha passagem pelo tempo, apenas posso confessar isto: do que vi e vivi nunca consegui qualquer resposta satisfatória ou conclusão animadora para questões e abstracções como aquelas que associo tendencialmente à solidão dos dias de chuva, as quais não teriam tido lugar se eu não estivesse abrigado da humidade e da frieza das gotas, empurradas pelo vento, do outro lado dos vidros.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Sem floresta não sobrevive(re)mos

Lírio-do-Gerês. Imagem obtida aqui.
As plantas dão alimento aos outros seres vivos, por isso se dizem «produtoras», libertam oxigénio na fotossíntese, amenizam a temperatura, ao libertarem vapor de água e produzirem sombra, protegem os solos da erosão e previnem a ocorrência de cheias. De modo global, as plantas são a base dos ecossistemas, não apenas em termos nutricionais, e dão beleza à paisagem.
Mas cada planta evoluiu adaptada a um determinado meio. E a acção humana tem disseminado as plantas pelos mais diversos lugares, o que leva a fenómenos de proliferação e de invasão causadores de problemas de vária ordem, designadamente ambientais. De modo geral, as plantas podem considerar-se como:
Plantas nativas ou autóctones – são as plantas que evoluíram numa determinada região e em certas condições climáticas, ao longo de muitos anos, estando bem adaptadas ao seu meio. Estas plantas contribuem, por vezes de modo fundamental, para dar suporte às cadeias e redes alimentares características dos locais em que existem e que delas dependem. Do nosso país, são plantas nativas o lírio-do-Gerês (Iris boissieri Henriq.), o sobreiro (Quercus suber L.) - a árvore consagrada como «Árvore Nacional de Portugal», o carvalho alvarinho (Quercus robur L.), o medronheiro (Arbutus unedo L.), o azevinho (Ilex aquifolium L.), o castanheiro (Castanea sativa Mill.), entre muitas outras;
Plantas exóticas ou alóctones – são plantas que foram introduzidas pelo ser humano em lugares onde não fizeram o seu percurso evolutivo. Estas plantas podem dar-se com dificuldade ou manter-se em competição com as existentes, suportando a acção dos consumidores e resistindo a eventuais agentes patogénicos, como fungos ou bactérias. Em Portugal, plantas como a Gingkgo biloba L. e o castanheiro-da-India (Aesculus hippocastanum L.), muito usadas na arborização de espaços urbanos, são plantas introduzidas. Em certos casos, as plantas exóticas, ou porque têm grande capacidade para extrair os elementos de que necessitam dos solos, mesmo dos que são mais pobres, ou porque crescem e se reproduzem muito rapidamente, relativamente a outras, ou, ainda porque resistem bem aos agentes de doença ou «stress» podem multiplicar-se descontroladamente, constituindo pragas. São as plantas invasoras;
Mimosa Acacia delabata. Imagem da Wikipédia
Plantas invasoras – são plantas que, introduzidas num meio diferente do seu ambiente natural, encontraram condições de proliferação tais que tendem a tornar-se dominantes. Em Portugal há vários exemplos, desde plantas herbáceas e arbustivas a árvores de grande porte: como nos casos do chorão-das-praias (Carpobrotus edulis L.), da erva-das-Pampas (Cortaderia selloana Schult.), das acácias ou austrálias (como a Acacia dealbata Link), dos eucaliptos (Eucalyptus globulus Labill.) ou das háqueas (Hakea sericea Schrad.). Estas plantas desequilibram os ecossistemas, não constituem primeiros níveis tróficos adequados à fauna dos locais em que passaram a proliferar e podem, a prazo, diminuir a biodiversidade. No caso dos eucaliptos, a sua capacidade de absorção de água é tal que foram usados para secar pântanos: fazem diminuir a disponibilidade de água nos solos e constituem um risco em matéria de incêndios, devido à abundância de essências inflamáveis. Para além dos prejuízos ambientais, as plantas invasoras podem também provocar problemas de saúde pública, por exemplo alergias, e causar perturbações da actividade económica.
Há muitos motivos para cuidarmos das plantas e, especialmente, das florestas, sem as quais os seres humanos não podem (sobre)viver. Cuidar das plantas é também não disseminar determinadas espécies por certos locais, porquanto é muito difícil e muito dispendioso, depois, travar a sua expansão. Mais vale prevenir(mo-nos): conhecendo-as, em primeiro lugar, e não as transportando para fora das zonas de que são nativas. E participando nas acções de controlo das espécies invasoras.
Porque «As Plantas São Nossas Amigas» - um lema bonito! – convém que sejamos «Amigos das Plantas».

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Um Dia-de-Todos-os-Santos, chuvoso, no coração do Alto Minho

Fonte da imagem: aqui.
A  meio da manhã, subida de Ponte de Lima, pela nacional 306, estrada sinuosa, mas de bom piso, no meio de floresta, onde ainda se notam, nalguns pontos, os carvalhos de outrora, agora ameaçados pela invasão dos eucaliptos e com alguns pinheiros residuais. Lá mais para o alto, os socalcos de outros tempos também não resistem à «eucaliptização» e as casas da encosta exposta a Sul, como as de Pereiro, talvez não tardem a ficar engolidas pelo mato e por aquelas invasoras trazidas pela mão humana, que antes se aplicava esforçadamente no amanho das nesgas de terra, quais escadarias cavadas no flanco da montanha. Imersas no nevoeiro, indiferentes à cacimba, as vacas pascem nas bermas e valetas, e os garranos, descidos do «Corno de Bico», fazem outro tanto. Nem umas nem os outros precisam de guardador, porque estão bem adaptados à passagem do tempo naquele ambiente, seja de dia seja de noite. Atingido o ponto mais alto da estrada e passada a Travanca, desce-se para Norte, para Paredes de Coura, a vila que, embora diferente da de há poucas décadas, sobretudo na abertura e desenho de novos arruamentos e na proliferação de edificações, permanece muito igual no modo de ser e de sentir dos seus habitantes, especialmente os da meia-idade e mais velhos. [O facto de no Verão ocorrer um fenómeno cultural que arrasta multidões (sobretudo de jovens), como o festival de «rock», um acontecimento (muito) profissional, nas antípodas organizacionais do famoso «Woodstock à portuguesa» de Vilar de Mouros, em 1971, não altera substancialmente as coordenadas sócio-culturais que marcam a personalidade dos courenses].
Num dia assim, o cemitério estaria mais que bem cuidado, se tal fosse possível, e cada campa resplandece de flores, em arranjos que as pessoas dispõem meticulosamente, como se acarinhassem presencialmente aqueles que partiram e esses agradecessem sentidamente cada visita. A seguir ao almoço, convergem para a igreja imensas pessoas que hão-de participar nas cerimónias religiosas (terço, missa e responsos) presididas pelo pároco, e deslocar-se-iam em procissão ao cemitério, onde a missa teria lugar, se o tempo o permitisse. A devoção profunda e o respeito pela memória dos que permanecem no coração dos vivos fez com que vários dos que vieram de (mais) longe, e que não estavam a par da decisão de fazer todas as rezas na igreja, por causa da chuva, se tivessem dirigido para o espaço de repouso definitivo dos seus falecidos, onde aguardavam compenetrados, de chapéus-de-chuva abertos, resistindo às bátegas («treixas», no dizer da Terra), na espera da eucaristia campal.
É assim no concelho de Paredes de Coura. Esta devoção, que poucos dos locais não partilham, tem nos naturais do Minho um efeito de congratulação e de apaziguamento.
A recolha a casa, este ano sob um céu plúmbeo e molhado, fez-se com o habitual e sereno comprazimento da alma. Seguramente, abriu os apetites para o lanche, compartilhado e saboreado à volta de mesa farta, no aconchego dos lares familiares. A que se terão seguido conversas e convívio, de viva voz, no pensamento e nas atitudes, em colectivos de amizade. Dia feito, o prazer das companhias terá culminado no jantar, saciando apetites e retemperando ânimos.
Donde as pessoas sentirem-se mais prontas e mais forte para os embates normais dos dias seguintes.
Na acolhedora vila de Paredes de Coura é assim e este ano foi como ficou dito. Noutros lugares é diferente, e tal diversidade é, em si mesma, boa e interessante.

José Batista d’Ascenção

domingo, 27 de outubro de 2019

Mimos do Outono

Fonte da imagem: aqui.
Passa Outubro e os dias ficam curtos, sombrios e frios. A mudança para a hora de Inverno come o fim da tarde e introduz a noite demasiado cedo. Há vantagens em ser assim, mas custa.
Porém, nem tudo é mau no Outono, e há mesmo coisas muito gostosas. A placidez das tardes soalheiras do fim de Setembro e de Outubro é(-me) muito agradável. A variedade de cores da folhagem das árvores caducifólias pode ser imensamente bela, particularmente o amarelo vivo das Ginkgo biloba, os amarelos e vermelhos variegados dos liquidâmbares ou o vermelho de alguns carvalhos. E, em tempos, apreciava bastante o cheiro a terra molhada, aquando das primeiras chuvas sobre a terra ressequida. Quando o frio chega, umas castanhas assadas, à tarde ou ao serão, à volta da mesa, no quentinho da cozinha, sabem maravilhosamente, sobretudo na companhia de amigos com quem é agradável falar, sem necessidade de fazê-lo artificialmente.
É também um tempo propício à reflexão é à recordação de outros tempos, vivências e amizades. Talvez um tempo de pensar e de escrever. Ou de ler. Ou de tudo isso, como, afinal, são todos os tempos.
Além do mais, se não houvesse Outono e Inverno, não apreciaríamos tão bem a Primavera e o Verão.
Contentemo-nos.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Gastos estratosféricos relacionados com o «pontapé na bola»!

Imagem da Wikipédia
Hoje, alguns meios de comunicação, como é o caso do jornal «Correio do Minho», noticiam «contas» relativas aos custos do estádio de Braga.
Afinal, esses custos são, pelos valores agora trazidos a lume, mais de três vezes superiores. Concretamente, as despesas com juros foram, em 2018, de cerca de 25 milhões de euros. Ora, isso dá, por mês, uma cifra superior a dois milhões de euros, o mesmo é dizer que são pagos mais de sessenta e oito mil euros diários, ou que se pagam mais de 2.800 euros por hora!
No Correio do Minho, refere-se que «o presidente da Câmara aponta que o estádio custou mais do que o Hospital Central» (página 5); e foi feito anos depois, pode-se acrescentar.
Aparentemente, estes factos não escandalizam a maioria dos bracarenses.
Não é o meu caso.
Solitariamente, mas com determinação, associo-me à voz do vereador da CDU: Quem assume a responsabilidade ou é responsabilizado por tamanho descontrolo?

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Em setenta anos, como a língua evoluiu, «conho»!

Fonte da imagem - aqui.
Porque me dá para revisitações do tempo dos meus pais e avós, já longínquos (e na maioria ausentes) da memória dos (mais) jovens, li o livro «A Noite e a Madrugada», de Fernando Namora, recentemente posto à venda com o jornal «Público», em edição fac-símile do original de 1950.
Embora com a acção restrita à raia fronteiriça das Beiras, onde o vocabulário da zona, por força do isolamento (físico, geográfico, social e cultural) fez seus certos termos e expressões, fiquei impressionado com a quantidade de palavras que se despediram do léxico, por falta de uso, excepto pelos anciãos ainda lá residentes, esquecidos do mundo, e pela desertificação (humana) do território.
O contrabando era a fuga perigosa (já que os guardas não hesitavam em dar uso à «matrafusca») ao amanho da terra, «surribada» e «alqueivada» como necessário, à actividade (que podia ser «prantar arbes») nas «courelas» e à pastorícia (em que pastores e gado se recolhiam nas «malhadas»), cada qual no fito de «adregar» conseguir alívio da fome e da miséria. Alívio que não era suficiente, mesmo quando havia «poia» do forno e «fanega» de semeadura, se não se restringisse a ervas e frutos silvestres, como a «marouva». A violência era permanente e (por isso) banal, nas famílias e no convívio, no trabalho, nas ruas ou nas «bodegas», pontenciada pelas «canadas de vinho». E o crime também, não só o dos deserdados da fortuna, como, e mais doloso ainda, o dos poderosos sobre eles… Nalgumas cabanas, as portas fechavam à «tramela» e as condições não seriam muito diferentes das das «furdas» dos «cevados».
A caracterização física e psicológica das personagens retrata bem a condição humana e o ambiente social e político da altura, naquele meio específico (não tão diferente assim do do resto do país), pelo que a obra, além do valor literário, e do conteúdo ficcional, tem também interesse documental de um tempo, de um lugar e de uma linguagem.
O remate final faz-se com o velório do cadáver de um campónio, já velho e limitado (“que às vezes segurava a «quebradura» inchada do esforço”), mas de temperamento feroz («endemonhado») que, «espichado» no catre, vestido e calçado como nunca em vida (desde o dia do casamento), é alvo de hábeis artimanhas de um dos filhos, que o odeia (porque o pai o maltratou desde «rapazelho»), para lhe roubar as botas lustrosas de «calfe», antes de o colocarem no «esquife». O que consegue, iludindo os presentes com mestria, evitando que tão bom par de calçado fosse apodrecer com o corpo, de mais a mais andando ele descalço.
Com muitas outras palavras e expressões habituais naquele tempo e hoje sem uso, nem sequer «de ralo em ralo», a leitura do livro não é prejudicada por esse facto. E vale a pena. 

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Concerto(s) Nova Arcada Braga Blues

(brevíssima nota)

Sobre o de ontem à noite: Em palco uma combinação feliz e prodigiosa: o génio (de criação, improvisação e execução) de Mário Laginha; o virtuosismo, a sensibilidade, a voz e o poder de interacção com o público, de Budda Guedes; a versatilidade primorosa e fantástica de Frankie Chavez; o rigor do baixista Vasco Moura; e a precisão, ora suave, ora intensa e forte, do baterista Nico Guedes. Em todo o espectáculo, a harmonia, a beleza e a arte do conjunto ou dos solos e diálogos entre grandes talentos.
A assistência, arrebatada, teve, em acréscimo, o prémio da chamada ao palco da colossal Diunna Greenleaf, cantora (de blues) americana que emocionara os (muitos) que a ouviram no (extraordinário) concerto da noite anterior, no mesmo espaço. E ela, cantando, puxou do fundo do peito (sobre o lado esquerdo, seguramente), da sua voz melódica e ritmada, profunda e enérgica e grave e doce, as palavras «I don’t forget you. Never. Never. Never. Never.», rematadas, no todo da canção, por um «Obrigado, Braga».
Quem ouviu foi às nuvens e agradeceu.
Com estrondoso aplauso. 

José Batista d’Ascenção

domingo, 6 de outubro de 2019

O privilégio e o gosto de poder votar

Imagem obtida via «Google»
Esta manhã, pelas nove e meia, fui votar. No acto, lembrei-me dos meus pais, que passaram metade das suas vidas sem o poderem fazer, e dos meus avós, que só o puderam fazer em idade avançada. Nos tempos da ditadura, até Abril de 1974, ou não havia eleições ou, quando havia, os elementos da oposição que estavam nas mesas de voto tinham que sair na altura da contagem dos sufrágios. Por isso, com alegria, cumprimentei com aperto de mão todos os elementos da mesa onde depositei o boletim.
E desejei que eles tenham percebido que lhes estou grato pela generosidade de estarem ali. 

José Batista d’Ascenção

sábado, 28 de setembro de 2019

Competição e cooperação

Fonte da imagem: aqui.
A palavra competitividade tornou-se habitual, e não apenas nas áreas da economia e dos negócios ou do desporto. Competem as escolas. Competem as universidades. Competem os empresários. Competem os trabalhadores. Competem os políticos. E competem os cidadãos, não necessariamente pelo bom desempenho da cidadania. Vencer não é para todos, mas parece que cada um deve lutar para se sobrepor aos demais, pelo menos em alguma coisa…
A História da humanidade terá sido sempre assim. Resta saber se a condição é inexorável ou se podia ser de outro modo.
Não há dúvida de que ter alguém ou algo para emular é ou pode ser factor de progresso pessoal ou de grupo. E confrontarmo-nos com o trabalho dos pares é referência e estímulo para que possamos melhorar as nossas «performances», como agora se diz.
Na Natureza selvagem, a competição é comummente muito dura. O darwinismo explica-a cabalmente.
Mas há, por outro lado, a cooperação, a colaboração e, entre os humanos, a cultura da humildade, da discrição e da solidariedade.
O ser humano é o que é pelos genes que herda e pela educação que recebe. Mas ainda ninguém determinou o peso específico de cada uma daquelas componentes… Acresce que, pela diversidade genética e pelos factores educacionais, nenhuma pessoa é exactamente igual a outra (nem mesmo no caso dos gémeos verdadeiros) e é bom que cada um se possa sentir original e irrepetível, como de facto é. Obviamente, passa-se o mesmo com as capacidades individuais. São factos que devemos considerar e respeitar. Donde, rasoirar as diferenças pessoais é ilegítimo e contraproducente.
Em conformidade, as condições para que cada um expresse as suas capacidades devem, tanto quanto possível, constituir direitos das pessoas. Já o produto do trabalho deve ser creditado a quem o realizou, por ser de justiça elementar.
Por isso, talvez seja possível e desejável encarar o mutualismo e a cooperação como vias preferíveis à competição sem regras justas, em obediência a valores firmes e bem definidos. Num qualquer grupo ou equipa, a soma das qualidades de todos é seguramente maior que a totalidade das qualidades de qualquer um. Ora, se for possível compatibilizar e exponenciar as potencialidades do conjunto e colmatar ou minimizar (por complementaridade) as insuficiências individuais, o produto das acções resultará melhor e/ou mais fácil.
A pergunta que pode colocar-se é: se isto é possível porque é que não acontece normalmente?
E se fosse porque ainda não nos esforçámos o suficiente para o conseguir?

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Heróis sem capa. Jory: Um avô especial [Jorge Paiva], pelos olhos da neta [Mafalda(*)]


Heróis! É verão, finalmente! 
Estamos em agosto, o que significa que um novo herói se juntou à nossa equipa. Está na altura de conhecerem o Jory, um protetor da Natureza que ama todos os seres vivos e que é inspirado numa pessoa muito importante para mim: o botânico português (que, só por acaso, é meu avô) Jorge Paiva. 
A flor que o Jory tem na mão é da Polygala myrtifolia, que tenho num vaso em casa.
As Polygala (cerca de 750 espécies) são as plantas que o meu Avô mais estudou.
Quando era pequena, olhar para o meu avô era ver alguém que dava tudo o que tinha e algo mais por um bem maior, por um planeta melhor, por uma floresta melhor. Crescer com ele na minha vida mostrou-me que o trabalho árduo traz consigo muitas frustrações, principalmente aquelas que fogem do nosso controlo. No entanto, aprendi também que as recompensas associadas a esse trabalho árduo trazem mais força para combater as frustrações. Ouvi-lo falar sobre o seu trabalho enche-me o peito de orgulho. Vê-lo dar palestras sobre o que realmente o apaixona inspira-me e motiva-me a seguir os meus sonhos. Tudo o que eu sei sobre a flora foi ele que me ensinou. Todo o interesse que eu tenho em preservar a floresta (e o planeta) foi ele que mo passou. Todas as frustrações que sinto quando o nosso país arde (o que, infelizmente, acontece todos os anos), existem porque ele me ensinou a importar-me com o assunto. 
Vi o meu avô, durante toda a minha vida, a lutar por aquilo em que acredita e a defender a Natureza como ninguém. Vi-o dar aulas, conferências, escrever livros e artigos, aparecer na televisão (sempre foi muito entusiasmante) e em revistas e a ir para expedições perigosas. Vi-o preparar eventos, receber um prémio e inúmeras homenagens e construir uma carreira de sonho. Vi-o dar nome a novas espécies de plantas e a ter quem desse o nome dele a plantas de espécies novas. Vejo-o inspirar todas as pessoas que têm a sorte de o conhecer e hoje ainda estou a aprender sobre ele.
Crescer ajudou-me a conhecer bem o meu avô. Ajudou-me a perceber que não é só para mim que ele é um herói. Todo o trabalho silencioso que ele faz por tanta gente, sem nunca pedir reconhecimento (aliás, às vezes exigindo que não lho dêem) e toda a ajuda que ele disponibiliza fazem dele uma pessoa ainda melhor e acima do crédito que o mundo lhe dá. Cada vez que o verão chega, penso no meu avô mais do que o normal. Isto porque sei que ele muito provavelmente vai ficar mal e zangado, mais tarde ou mais cedo, com o estado dos incêndios em Portugal. É todos os anos a mesma tragédia, e eu só gostava que lhe prestassem mais atenção, que levassem o que tem a dizer sobre o tema mais a sério. Não só por ele, mas pelo país inteiro. Esse é um dos motivos pelos quais o apresento hoje.
Vou deixar em baixo uma série de links para conhecerem melhor o meu avô e o seu trabalho. 
Com todo o amor do mundo me despeço, heróis. Boas férias e até já!
Jorge Américo Rodrigues de Paiva - Ciência Viva
http://www.cienciaviva.pt/premioscvmontepio2014/GPCV/
Botânico Jorge Paiva distinguido pela SPECO 
http://noticias.uc.pt/universo-uc/botanico-jorge-paiva-distinguido-pela-speco/
"Os incêndios e a desertificação do Portugal", por Jorge Paiva (2006)
https://www.publico.pt/2006/01/23/jornal/os-incendios-e-a-desertificacao-do-portugal-florestal-59818

(*) A Mafalda tem vinte e três anos, é “designer” pelas Belas Artes de Lisboa e mestranda pela Universidade de Barcelona. Publica livros para crianças, escritos e ilustrados por si. Tem um “website” e um “blog” em que escreve sobre “heróissemcapa”, com um “boneco” desenhado por ela. Esses “heróis” são escolha sua, tendo sido o primeiro o Embaixador Aristides de Sousa Mendes, que lhe serviu de tema para o primeiro livro que publicou e lançou em Viseu, de onde era natural o Embaixador. Mensalmente, escolhe um “herói”, que divulga na “newsletter” “heróissemcapa”, com um texto justificativo e um “boneco” da sua autoria, a que atribui um nome.  No mês de Agosto, pediu ao avô para ver o herói desse mês, o que o surpreendeu, por ser ele mesmo.

Publicado por:
José Batista d'Ascenção

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

«Zahra» – o primeiro livro de ficção de Tomás Bandeira

Jovens escritores que merecem estímulo

O jovem escritor Tomás Bandeira é médico de formação, viajante por impulso e por opção e é daquelas pessoas desejosas de servir comunidades e populações desprotegidas e/ou esquecidas, sentimento que nutre desde tenra idade. Mesmo que se descontem o idealismo e a utopia dos verdes anos, cabe-nos incentivar e aproveitar a força e a disponibilidade dos jovens que (mais) fogem à conformação acrítica e inactiva aos ditames da sociedade predadora em que «imergimos» as crianças pela educação, pelas práticas e pelo exemplo. Além disso, em Tomás Bandeira notou-se, ainda menino, o gosto de elaborar e submeter textos aos concursos da biblioteca da escola secundária que frequentou – a Escola Secundária Carlos Amarante. Já vem desse tempo a sua inclinação para o registo escrito.
Zahra é a personagem principal do livro. Trata-se de uma bela jovem saharaui de um campo de refugiados em Tindouf, no sudoeste da Argélia.
Em termos históricos, a ocupação do Sahara Ocidental, a partir de 1975, desencadeada por Marrocos e protagonizada também pela Mauritânia, empurrou, entalou e confinou, na geografia e na indiferença do mundo, a população nómada saharaui. A localização e o contexto geográfico estão esquematizados de modo preciso e elucidativo num mapa das páginas 175-176.
Zahra tem uma personalidade forte e firme, é determinada e não se conforma com as limitações do «encarceramento» a que a sua família e o seu povo estão sujeitos. Mulher casada, por amor, grávida no fim do tempo, vê chegada a hora do parto, numa altura em que o jovem marido havia partido para (ou a pretexto político de?) uma curta visita aos familiares nos territórios libertados. Porém, o nascimento ocorre, o marido tarda e o coração de Zahra atormenta-se com a possibilidade de que tenha sido morto nas zonas militarizadas.
Zahra pensa introspectiva e refractariamente no seio da sua família, e sofre duramente com isso e por isso. Ensimesmada e triste, cortante e decidida, não se «distrai», nem se adapta, nem se resigna, nem aceita as condições do campo de refugiados, nem o infortúnio de perder o marido, nem que o seu (estremecido) filho, em quem deposita esperanças para o futuro do seu povo, não conheça o pai.
Um dia parte com o menino, depois de organizada a fuga, em segredo, um modo de dar curso à revolta e disposta a fazer tudo para encontrar o seu homem. Viaja para os territórios libertados, onde vive a família dos sogros, que a ajuda a procurá-lo por todos os meios. Debalde. Decide então atravessar a faixa minada e cruzar o muro para o território ocupado. Resoluta, pede ajuda a uma antropóloga estrangeira (de Olivença!) a trabalhar com o povo saharaui, que não consegue recusar-lha. Dissimulada, deixa o filho entregue à família do pai. É levada de carro até à proximidade do muro, em direcção ao qual caminha, intrépida e vertical, imensa na sua coragem e loucura e fragilidade, deixando atónitos os soldados marroquinos que berram para que páre. Mas o destino de Zahra traçara-o ela. Não vacilou. Fê-lo pela sua causa. Pelo seu povo. Pelo seu filho, semente sua e desse povo, de que ambos são símbolo e pertença.
A história está bem arquitectada. T. Bandeira teve o arrojo de meter-se dentro do corpo e da alma de uma jovem rapariga, esposa e mãe de uma cultura particular, cuja personagem construiu com êxito e soube fazer com que não lhe «morresse» ao longo da narrativa. Prometedora vitória.
Em matéria de escrita, alguns pormenores de linguagem, como «enxaguados em lágrimas» (p. 29) ou «dar a face fraca» (p. 51) e a redundância de algumas frases [«cheirar com o próprio nariz» (p. 19), «lágrimas pelo rosto abaixo» (p. 39), «os primeiros passos do caminhar» (p. 97); etc.] talvez não sejam (ainda) as expressões mais conseguidas para criar um estilo literário original, ao alcance do autor. Mas a nobreza de sentimentos e a força poética moram na narrativa.
Justifica-se que se aguardem novos livros, sem «exigência» nem «pressão», que isto de conceber livros deve ser talvez como gerar filhos que se desejam muito mais do que se planeiam.
Felicidades, merecidas.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Depois de férias

Reconfigurar o «disco» para «modo de trabalho», voltar às rotinas custosas (particularmente no início), mas facilitadoras, com energia renovada para enfrentar mais um ano de trabalho (lectivo, no nosso caso, enquanto avós), é privilégio dos que (desejavelmente) têm profissão, estão em idade e (ainda) gozam (minimamente) de saúde.
Pela nossa parte é assim, com um motivo acrescido de alento: o do elemento mais novinho da família, que foi um enlevo especial durante curtos dias do mês de Agosto findo. Ficam saudades, que as imagens não mitigam, e o desejo de novos encontros para lidarmos com a barreira da distância fisicamente separadora.
Para compensar, (já) pensamos nos abraços que nos esperam, em próximas oportunidades. E que abraços!
Obrigado, rapaz querido.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Rotundidades rodoviárias

Imagem obtida via Google
Quem viaja por Portugal de carro, de Norte a Sul, de Oriente a Ocidente, não pode deixar de notar (ou de impressionar-se com, como é o meu caso) a elevada frequência de rotundas, com dimensões entre o minúsculo e o exagerado (para mim, megalómano, nalguns casos).
Não sendo eu muito viajado, não deixo, no entanto, de constatar que o fenómeno é particularmente nosso. Enquanto condutor que não ultrapassa dezena e meia de milhares de quilómetros por ano, se tanto (o que, em minha opinião, já é muito), e contando-me entre aqueles que não têm prazer em conduzir, não vejo vantagens de tantos redondos na fluidez do trânsito nem na agradabilidade da condução. E parece-me que, se não fosse assim, outros haviam de reproduzir e multiplicar o nosso «modelo», o que não acontece. De resto, ideal seria reduzir substancialmente o número de automóveis nas estradas, o que só seria possível se tivéssemos uma rede mais funcional de transportes públicos, com destaque para os caminhos de ferro, que deixámos degradar criminosamente: no serviço prestado às pessoas, na economia, na conservação do património material e histórico (ainda temos azulejaria de grande beleza, e não apenas em casos notáveis, como a estação de S. Bento, no Porto, ou a estação de Aveiro) e no respeito pelo ambiente.
Afigura-se-me que as rotundas servem como espaços relvados preservados do pisoteio (entre nós, a relva é mais para ver, e não tanto para usufruir) e também como espaços exteriores de exibição de peças escultóricas diversas, várias das quais, alguns como eu preferiam que não tivessem sido expostas no espaço público, por não revelarem qualidade, chegando mesmo a ferir os olhos e a sensibilidade. Naturalmente, temos que respeitar quem gosta, ainda que os apreciadores se limitem a quem executou e ou ganhou de algum modo com tais obras.
Há, porém, que considerar a sinistralidade. Se tivéssemos menos rotundas havia mais acidentes? Não sei responder. Mas sei que os portugueses conduzem irresponsavelmente, em termos gerais, e têm tendência para se enfurecer ao volante, o que deve ter significado a merecer esclarecimento.
Pela parte que me toca, preferia mais educação (rodoviária), mais prudência, automóveis em boas condições de circulação, polícia de trânsito que ajude (e que inspire confiança, em vez de se dedicar à «caça à multa»), estradas sem buracos, boa sinalização (sendo que a que temos me parece bastante satisfatória) e… menos rotundas.
Mas quem pode convencer os urbanistas, os desenhadores de estradas e os autarcas?

José Batista d’Ascenção

Rotundidades corporais

Fonte da imagem: aqui.
Conto entre os familiares, os amigos mais queridos e outras pessoas que muito estimo alguns gordinhos que não imagino de outra forma, sob pena de perderem a identidade, a graça e o o encanto. São assim desde sempre e parece-me que não podiam ser de outra forma. E não, essas não são pessoas doentes. Há-as, com grande sofrimento, mas não essas.
É notório que as barrigas dos portugueses, especialmente os das classes (mais) baixas estão a pecar por excesso de rotundidade, por vezes até ao grotesco, em consequência de desequilíbrios alimentares, resultado sobretudo de ignorância, mas também de limitação económica que impede o consumo de alimentos de melhor qualidade e… mais caros.
Claro quer a obesidade não é um problema específico dos portugueses, longe disso. Hoje, no mundo, o número de pessoas com excesso de peso suplanta já o de pessoas com fome quantitativa extrema. Sabemos que a obesidade é caminho para outras perturbações de saúde, como as doenças cardiovasculares (hipertensão, aterosclerose, avecês, enfartes…) e a diabetes de tipo II. Em pessoas de quaisquer idades, mas sobretudo em jovens, a gordura patológica implica ainda forte perturbação da auto-estima, dificuldades de locomoção e problemas de coluna.
Uma ida à praia ou a passagem por salas de espera de centros de saúde bastam, talvez, para se ter uma ideia mais aguda da falta de saúde alimentar no nosso país.
Esta matéria deve merecer a atenção e a aplicação de várias entidades, enquanto problema muito sério a ir… mitigando. Informação não falta, mas é preciso fazê-la chegar ao entendimento (para alterar os comportamentos) das pessoas comuns. Instituições de apoio e segurança social, sistema de saúde, escolas e comunicação social, mormente a pública, têm muito a fazer. No caso das escolas, quanto a mim, a alimentação racional devia ter maior relevo na disciplina de ciências naturais, desde o sétimo ao nono ano de escolaridade. A não ser assim, faremos (estamos a fazer…) das nossas crianças adultos doentes, e manteremos as nossas terceira e quarta idades dependentes da «farmácia» e dos meios auxiliares de locomoção, tornando o último quarto da vida da generalidade dos portugueses um calvário de dores e um rosário de lamentações, já não falando na despesa.
Cabe-nos fazer diferente e melhor. E não se percebe que não nos apliquemos mais efectivamente nessa imprescindível e inadiável tarefa.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

«Ussu de Bissau» - o segundo livro de Amadú Dafé

Aos jovens escritores de língua portuguesa, o apoio que merecem.


Há dois meses e pouco, numa altura em que estava imerso na «correcção» de exames da primeira fase, uma jovem amiga, docente com passagem por vários países de África, que admiro e conheço desde a infância, mostrou interesse franco em que fosse ao Porto assistir ao lançamento da obra em epígrafe. Acabei por não (poder) ir, mas fiquei curioso. O livrinho (de cem páginas) entrou para a minha lista de leituras. Quando chegou a vez li-o num rápido. Não apenas porque é pequeno, mas porque, iniciado, já não parei até concluir.
O autor é um jovem guineense que veio para Portugal há meia dúzia de anos, onde trabalhou para fazer formação superior, tendo-se licenciado pela Faculdade de Direito de Lisboa e encontrando-se a fazer um mestrado na área da contabilidade pela Universidade de Aveiro. Com parca bibliografia, que tem a vida toda para aumentar, como se deseja (o outro livro chama-se «Magarias», foi publicado em 2017 e não está disponível no mercado), foi primeiro classificado em dois prémios literários pelo Centro Cultural Brasil - Guiné Bissau, na categoria de conto (em 2015 e em 2017) e em 20112 venceu o «Prémio Literário Internacional, Conto Infantil – Matilde Rosa Araújo, organizado pela Câmara Municipal da Trofa».
Amadú Dafé tem uma dedicação notória à língua portuguesa, que trata bem e de que a lusofonia sai enriquecida. Para palavras e expressões crioulas, o livro apresenta um glossário na abertura, antes do prefácio, algumas delas muito curiosas e belas, como por exemplo «fuska-fuska» (que eu transporto para a nossa esquecida forma «lusco-fusco»), mas que não contempla todas as que são usadas no livro (como «sessos», «boré»…), parte das vezes por não ser necessário. Expressões construídas com “português corrente” também muito expressivas são, por exemplo, «passarinha chorina» aplicada aos prantos da mãe de Ussu ou «eu nunca escangalhei nada de ninguém», referindo-se à ausência de maldade do protagonista ou «toda a minha família sustou» ou «raios trovejadores […] com seus faíscos» ou «antes do sol romper a selha», ou ainda: «assumir os timões da minha vida», «palavras mélicas», «roupas bandarilhadas nos corpos magros», «aventura pernã», etc.. A poesia, a candura e a ternura estão presentes em períodos como «corria […] em perseguição à lua e, na minha fantasia, ela vinha atrás de mim no regresso. Parava quando eu parava, caminhava devagar quando eu assim caminhava.» E o sofrimento e o medo expressos em boa literatura:  ...«o silêncio caiu outra vez  encorpando o espaço.» Há também a palavra pensada, reflectida e condensada: «As causas de determinados efeitos são sempre efeitos de outras causas.» E as lições de boa memória: «ao cobarde ninguém pergunta se acordou bem, muito menos se está melhor». Por fim, o conhecimento da sociedade humana: «A pressão social prefere a farsa a sinceridade. […] Desde sempre e provavelmente para sempre». Antes disso, a consciência da vantagem em aproveitar os aspectos positivos da desgraça e a firme determinação de seguir em frente: o «Senegal ensinou-me a ver o futuro, a desejá-lo, a organizar tudo para que seja possível […] e nunca desisti dos meus sonhos.»
O percurso de «Ussu de Bissau» desenrola-se por dezanove capítulos curtos, titulados por uma palavra simples, de significado claro e forte, em que o sofrimento atroz de uma criança, sem direito aos mais elementares direitos, e sujeita a interesses ignóbeis, à maldade e intenções baixas dos que estão próximo ou dos que estão longe, de pele negra ou branca, usando ou não a religião, não mata nessa criança – «Ussu de Bissau» - a vontade de viver.
O livro é um apelo à reflexão «sobre as mentalidades que toleram a existência de crianças talibés e outros maus tratos a menores». Talibés são rapazes entre os 3 e os 15 anos confiados a um mestre corânico sob pretexto de educação religiosa islâmica, forçados à mendicidade e submetidos a privação, exploração e tortura, violando as disposições do próprio Alcorão. A narrativa tem como como pano de fundo o que se passa «na África Ocidental, em particular entre o Senegal, Gâmbia, Guiné-Conacri, Guiné-Bissau e Mali».
O mundo precisa destes contributos.
E de boa literatura.
Parabéns ao autor.

José Batista d’Ascenção

domingo, 11 de agosto de 2019

Migrações e emigração – um fado dos portugueses

Notas breves, tendo como referência o interior da Beira Baixa na segunda metade do século XX.
«A emigração é decerto um mal.
Porque aqueles que [emigram] mostram ser, por essa resolução, os mais enérgicos e os mais rigidamente decididos; e […] é um prejuízo perder […] vontades firmes e […] braços viris.
Porque a emigração entre nós […] não é […] a transbordação de uma população que sobra, é a fuga de uma população que sofre;
Porque […] é a miséria de um país esterilizado que expulsa, sacode e instiga a emigrar, a procurar longe o pão.» (1)

Muitas páginas de excelentes obras de escritores notáveis aborda(ra)m o tema das migrações sobre todas as perspectivas com interesse. Mas o assunto continua dramaticamente actual e nem são portugueses, no tempo presente, as vítimas mais chocantes - com o devido respeito pelos que recentemente fugiram da Venezuela… Para tantos, em tantas zonas do mundo, a fuga desesperada à miséria, à fome e aos horrores da guerra, a morte colhe-os implacavelmente antes de «chocarem» com muros que não podem atravessar ou de alcançarem os portos de onde são repelidos. Tal é o horror do que se passa, que o Mediterrâneo se tornou hoje um cemitério de pessoas em fuga, a quem é apagada a existência pela acção ou pela negligência dos poderes do mundo, explorando o medo, que instigam, das populações dos países de destino. Não é sobre eles este texto, que se limita a um breve apontamento sobre migrações e emigração de portugueses, sobretudo da que se chamou zona do pinhal da Beira Baixa, durante a segunda metade do século XX, tal como a conheci.
No interior do país, embotado e asfixiado pela ditadura salazarista, as condições de vida dos populares eram tão miseráveis e a fome tão presente que os que tinham saúde, força física e ânimo fugiam em busca de pão, quase sempre com o fito de amealhar para voltar à terra onde nasceram. Das Beiras para Lisboa, para além de homens válidos, à procura de «empregos» de baixa condição, compatíveis com a sua falta de habilitações e de experiência fora das tarefas rurais, na agricultura e na floresta, também eram levadas raparigas que iam «servir» em casas de gente de maiores posses. O movimento para a cidade foi-se acentuando e viria a contribuir para a proliferação dos bairros de lata na capital. Outros movimentos com expressão, sobretudo da Beira Baixa para o Alentejo, eram os das ceifas, restringidos a homens que iam cortar o trigo do «celeiro de Portugal», como Salazar imaginou a planura alentejana. Um erro de governante, insuficiente para matar a fome dos portugueses, desde logo dos alentejanos, sem atenuar a miséria destes e dos «ratinhos» beirões (nome depreciativo atribuído pelos alentejanos aos ceifeiros provenientes das Beiras), trazidos em «carreiras» para o trabalho sazonal da ceifa e levados de volta às suas origens finda a época, sob a canícula e aridez do raso a perder de vista. Homens e mulheres, rapazes e raparigas, partiam ainda da pobreza do interior das Beiras para as mondas, para o amanho das vinhas e para as vindimas, no Ribatejo, ou para a apanha da azeitona, mais a nordeste daquela província e nas proximidades de Castelo Branco. Eram sempre trabalhos de curta duração (entre três semanas a mês e meio) e de magro provento, a que os pobres se obrigavam, por necessidade.
Outros houve que se aventuraram para fora do país, em jornadas temerárias, «a salto», sob a mão ávida de «passadores». Às motivações de necessidade, na década de sessenta, juntava-se a perspectiva de os jovens rapazes fugirem à guerra colonial, mesmo ficando depois impedidos de regressar ao país. Nessa década, a França foi destino comum para muitos portugueses, de todas as regiões do país. A Venezuela, na América do Sul, foi outro destino, por exemplo a partir da Beira Litoral, mas não para os naturais da zona do pinhal da Beira Interior. Desta zona os fluxos dirigiam-se para a Europa, com a França à cabeça, mas também para outros países, como o Luxemburgo, a Alemanha, a Suíça ou a Inglaterra. Houve quem tivesse emigrado para as então colónias portuguesas em África, principalmente para Angola e Moçambique. Dos Açores e da Madeira, muitos ilhéus tentavam escapar à miséria emigrando para os Estados Unidos, um destino não preferencial dos beirões. A emigração para o estrangeiro começou pelos homens, muitos dos quais vieram buscar as mulheres e, por vezes, os filhos.
De comum, os emigrantes portugueses partiam fixos no regresso às origens. Muitos porém, viram o destino trocar-lhes as voltas, porque os descendentes se adaptaram aos locais onde passaram a meninice e a juventude ou onde nasceram. E foram permanecendo. Mas gostavam de fazer casas em Portugal, mesmo que só para passarem as férias, e assim renovaram o parque habitacional do país, ainda que sujeitos à crítica não sem alguma inveja de alguma intelligentsia indígena porque eram casas do tipo maison ou à americana, com bandeiras de Portugal e dos EUA expostas alegremente. Outro contributo que deram ao país, durante os alvores da democracia, em que os gastos suplantavam a produção, foi suporte financeiro, a retardar o caminho ameaçador na direcção da bancarrota.
Hoje, em muitas regiões do país, monumentos escultóricos testemunham a determinação heróica dos emigrantes portugueses. O homem a pé, de mala na mão, é um ícone comum a muitos deles.
O país deve-lhes muito. Estas linhas são uma pequenina homenagem.

José Batista d’Ascenção

(1) Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão (1871). «As Farpas». Coordenação de Maria Filomena Mónica. Princípia Editora, Lda. Cascais. 4ª edição – Abril de 2013. Pg. 312.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

A «gestão» da floresta em Portugal, negócios lucrativos à parte: deixar crescer, deixar arder, deixar morrer.

Uma vez, no rio Vez, um eucalipto cresceu, cresceu...
Principalmente a norte do Tejo, plantações monoespecíficas de eucaliptos (floresta é outra coisa…) alastram, quer pela superfície dos terrenos incultos, até às habitações, quer nas florestas de montanha, permeando e fazendo encolher a que antes fora a maior mancha contínua de pinhal bravo (espécie Pinus pinaster) da Europa. Felizmente, temos (ainda) alguns trechos de matas naturais com o estatuto de áreas protegidas, mas carecidas (tanto quanto merecedoras) de atenção e cuidado. Nas zonas despovoadas do interior vinga um triste desordenamento, resultado nem sequer de desleixo, mas de completo abandono.
Sem mão humana que faça alguma gestão, as ervas e o mato crescem, invasoras como as acácias proliferam sem controlo, as árvores ficam «imersas» em vegetação parcialmente seca e a biomassa vegetal vai-se acumulando até ao deflagrar de qualquer chispa de lume (acidental ou criminosa). Para os poucos habitantes que ainda restam nessas áreas, quase sempre frágeis na sua velhice e doenças, assim como para a vida animal, é o inferno real, muito capaz de lhes ceifar a vida, em qualquer dia aziago. Com sorte escapam à morte: os humanos despojados dos magros recursos e víveres que não desistiram de arrancar à terra que os viu nascer e a que pertencem, e os bichos desidratados e extenuados, enfrentando a seguir, uns e outros, as mais severas dificuldades - a continuação do inferno.
E ultrapassou largamente os vetustos carvalhos...
As tecnologias possibilitam feitos extraordinários, mas os espaços florestais e rurais, para serem úteis aos humanos, carecem tanto de instrumentos e de técnicas como da firme vontade das pessoas em compreender e respeitar a Natureza e, dentro dela, as florestas. Estes factores não se cumprem em Portugal: as ferramentas são caras, consomem muito em combustível e manutenção, o que é terrível quando se é pobre, e operam dificilmente nas vertentes inclinadas do interior centro e norte do país; e aos portugueses falta-lhes (penso eu) aquele amor pelas árvores que se torna mais profundo e mais sólido quando conhecemos os benefícios imprescindíveis que as plantas nos proporcionam, para além da exploração utilitária e económica, e de que somos inteiramente dependentes: consumo de dióxido de carbono (CO2), libertação de oxigénio (O2), moderação do clima, embelezamento da paisagem, base das cadeias alimentares e condição da biodiversidade, etc.
É tudo isto que queimamos Verão após Verão, que é uma forma de queimarmos o futuro. O nosso. O dos nossos filhos. O do nosso país.
Mas nunca o do planeta, ainda que absurdamente o quiséssemos. Nem o da Vida na Terra, que sempre encontrará formas de continuar (a evoluir), com ou sem a presença da espécie humana.
Os nossos netos mereciam melhor.

José Batista d’Ascenção