domingo, 31 de março de 2019

Verde que dá gosto ver, o do carvalho-alvarinho

As árvores sobre a direita, na foto, são carvalhos plantados há meia dúzia de anos na escola onde trabalho. Há outro renque na metade noroeste do lado oposto do recinto. É um verde verde, um verde fofo, um verde bonito. Mas são apenas carvalhos-alvarinho (ou uma variedade próxima), árvores que nos deviam ser familiares, quer nas florestas (do norte do país), quer nos espaços rurais, quer nos espaços urbanos.
Os carvalhos são espécies (várias das quais nativas) que dão boa madeira e boa lenha e são amigos da fauna autóctone (aves e outros animais alimentam-se dos seus frutos) e protectores e enriquecedores do solo, com a produção de abundante manta morta. Como são plantas folhosas ardem com muito menos facilidade do que as resinosas e os eucaliptos. Por outro lado, produzem sombras frondosas e agradáveis. São plantas de crescimento lento, mas é uma pena não as usarmos na reflorestação, enquanto via de protecção ambiental. E a paisagem que proporcionam é muito bela e agradável.
Nas cidades, como a imagem documenta, estas árvores também ficam muito bem.
Passei, olhei-as e senti contentamento por pensar que, estando protegidas atrás do gradeamento, não serão alvo de nenhuma poda drástica.
Quem sabe se aquele verde belo não poderá desencadear um efeito de contágio e multiplicação? Quase (me) dá vontade de gritar: ponham ali os olhos, senhores urbanistas!

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 18 de março de 2019

Perdoai, plátanos!

A fotografia mostra as árvores (decepadas) de um espaço que pertence ao ministério da saúde, na cidade de Braga. Há estreita relação: a saúde não tem bom ambiente e o ambiente não tem saúde.
Eu sei, eu sei: as árvores produzem muitas folhas, as folhas caem, no fim do Outono, e dão trabalho a apanhar. E há aves que, no espaço urbano, procuram as poucas árvores disponíveis e fazem chilreios barulhentos (até parece que preferimos o ruído do trânsito…) e produzem muito guano (excrementos) que, caindo em cima dos carros, ataca as pinturas.
Mais umas semanas e as temperaturas sobem de modo inclemente. Nessa altura, ninguém pode andar na rua, nem de dia nem de noite, sobre pedras que escaldam. Mas não aprendemos nada.
Perdoai-nos, plátanos, porque não sabemos o que fazemos nem o bem que nos fazeis.
Um dia, talvez não muito distante, perceberemos o erro. 
Tomara que não seja irremediável.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 15 de março de 2019

As causas do riso - erros de Descartes

Imagem obtida da «google»
O que se sabe e o que se supõe que se sabe, como as explicações que se adiantam para o que, afinal, não se sabe, em cada tempo histórico, apresentam muita variabilidade e discrepância, afectando provavelmente todos os espíritos, mesmo os mais dotados.
Vem isto a propósito de matéria curiosa e divertida que li no livro «História do Riso e do Escárnio, de George Minois (editora Teorema, 2007), em que se lê (na página 432) «uma descrição fisiológica do fenómeno» do riso, da autoria de Descartes, no tratado «Les Passions de l´âme» de 1649, que G. Minois apresenta assim: “o riso era provocado por um jacto de ar expelido dos pulmões por um brusco afluxo de sangue, e este sangue vinha, por sua vez, do baço – que, como todos sabiam, se dilatava sob o efeito de uma agradável surpresa relacionada com a admiração ou com o ódio”. E Minois continua, citando Descartes: «Aqueles cujo baço não está completamente sadio estão sujeitos a ser não somente mais tristes como também mais alegres a espaços, e mais dispostos a rir que os outros, visto que o baço envia para o coração duas espécies de sangue: um, muito espesso e grosseiro, que causa tristeza, e outro, muito fluido e subtil, que causa a alegria. E, depois de ter rido muito, sentimo-nos muitas vezes naturalmente inclinados à tristeza porque, tendo-se esgotado a parte mais fluida do sangue do baço, se lhe segue até ao coração a outra, mais grosseira.» Acrescenta, Minois: “Exteriormente, esse jacto de ar exercia pressão nos músculos da garganta, do diafragma e do peito, que por sua vez (e volta a citar) «fazem mover-se os do rosto que com eles têm alguma conexão; e é a essa acção do rosto, com essa voz inarticulada e explosiva que chamamos riso.»
Era “tudo quanto à mecânica do riso”.
No mínimo, faz sorrir.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 13 de março de 2019

O ordenamento florestal que não temos, o Verão que se aproxima e os incêndios que ameaçam. E no horizonte a desertificação.

O interior florestal do centro e norte do país ou é basicamente monocultura extensiva de eucalipto ou restos de pinhal bravo ou matos e silvedos que crescem caoticamente em espera inexorável pela ceifeira amarela, vermelha e negra das labaredas. Em muitas zonas despovoadas, os velhos que restam, presos à terra onde nasceram, pasmam na solidão e na descrença, cumprindo na dor e em silêncio o que sabem ser a última etapa das suas vidas. Os mais novos fugiram há muito, empurrados pela necessidade, e não se vislumbram condições efectivas que possam inverter a tendência. Esses ainda transportam no peito a memória das origens, mas os seus filhos já não são dali nem sentem ligação às raízes que não viveram e que grande parte desconhece completamente.
Há dias recebi uma notificação da autoridade tributária com o panfleto da imagem em anexo. Não é inteiramente lógico nem exequível o que se pretende, pelas razões expostas, a que acrescem outros motivos. Desde logo, em muitos municípios não há cadastro actualizado de grande parte dos terrenos de floresta. As câmaras municipais, ainda que quisessem, dificilmente poderiam contactar os proprietários ou os seus herdeiros. A Guarda Nacional Republicana, idem. Muitos dos descendentes dos donos, vivos alguns e outros falecidos, não sabem a localização nem os limites e confrontações das suas fracções, o que não invalida o forte sentido de posse que manifestariam face à perspectiva de serem desapossados do que não podem e/ou não sabem ou não querem cuidar. E uma tal confusão pode até ser benquista pelas autarquias que, com esse argumento, facilmente fundamentam a impossibilidade de cumprir a lei, antes ainda de terem que invocar a crónica falta de meios. O mesmo para as autoridades e a «protecção civil» a quem incumbe a segurança dos cidadãos. Já o governo, a quem não se pede que dirija os bombeiros, elaborada meia dúzia de disposições e definidas diligências teóricas quanto baste, pode lavar as mãos. Quanto aos bombeiros, os seus dirigentes parece estarem mais interessadas em fomentar lutas de protagonismo e de interesses do que em proporem acções concretas de prevenção a efectivar nos meses mais frios e chuvosos. Quase podíamos dizer que todos os Verões vivemos no inferno ou na eminência de nele mergulhar, e que levamos o resto do tempo, durante todos os anos, a preparar esse inferno com irresponsável negligência.
E tanto insistimos em causar danos na Natureza, por incultura, impreparação, irracionalidade e desleixo, que esta reagirá acentuando os factores desfavoráveis do clima, como sejam os acréscimos da temperatura, com os inevitáveis incêndios, em alternância com a violência imprevisível de chuvas torrenciais. Resultarão então desertos de penedias em cumes e vertentes desnudados pela erosão e talvez progridam acácias nos baixios.
Mas que se há-de fazer, se não gostamos de árvores nem queremos arborizar e florestar adequada e atempadamente o nosso território?

José Batista d’Ascenção

PS: Hoje, sensivelmente às 13.20 horas, ouvi na rádio «Antena 1» uma voz feminina anunciar que se prepara a plantação de 35 000 árvores no Buçaco, entre Março [que vai a meio] e Outubro. Não ouvi mais que isto, mas interroguei-me: Plantadas nos meses em que o tempo vai aquecer e tornar-se cada vez mais seco, quantas dessas árvores vão resistir?

terça-feira, 5 de março de 2019

Pintar a manta

Caretos de Mizarela. Foto de Js Rocha, colhida no «Facebook».
Não fosse a «máscara» que afivelamos todos os dias e o mundo era diferente. Se fôssemos sempre iguais a nós próprios e reagíssemos por impulso desagradaríamos vezes em excesso e as relações sociais eram menos corteses e mais desagradáveis. Faz parte da educação o polimento de atitudes e comportamentos perante os outros. Educamo-nos desde sempre, com mais ou menos eficácia e proveito. É uma necessidade, provavelmente uma condição biológica de uma espécie que pensa.
Mas as regras funcionam melhor se admitirem excepções, pelo menos em certas alturas. Se fossem rígidas e invariáveis, as normas tornavam a vida fria, pré-determinada, rotineira, pouco autêntica e insuportável. Era um risco. O ser humano precisa de imprevisto, de emoção, de indeterminado, de surpresa, de aventura e de transgressão. As festas, mesmo minuciosamente programadas, cumprem em parte essa função, enquanto manifestações de alegria, de partilha, de convívio, de contacto, de proximidade e de intimidade.
O «Entrudo», como lhe chamávamos, ou «Carnaval», como o passámos a designar, é um tempo concedido pelas sociedades humanas ao excesso, à folia, à possibilidade de cada um poder tirar o «disfarce» do dia-a-dia, ainda que sob uma máscara carnavalesca, para se expandir e dar largas à sua fantasia ou «loucura», vertentes contidas ou reprimidas da autenticidade de cada pessoa. O Cristianismo teve grande influência na definição do calendário e, por isso, se delimitou um período propício à licenciosidade, até no interior do clero, para depois se impor disciplina formal mais forte durante a quaresma. Na política, desde sempre se percebeu que é preciso dar ao povo «pão e circo».
Pelo Carnaval ninguém leva a mal, dizia-se. E a todos e cada um se foi permitindo o que, de outro modo, teria que ficar no domínio do privado ou no foro íntimo.
O bicho Homem/Mulher é como é e temos de (saber) lidar connosco, enquanto indivíduos e enquanto grupos. Até agora, temos aprendido mal. Mas as coisas nunca foram mais fáceis no passado do que nos tempos que correm.
Hoje é dia de mudar de máscara ou de nos libertarmos dela.
Amanhã é quarta-feira de cinzas, mas ainda temos várias horas.

José Batista d’Ascenção