terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Vazios da maré de propaganda eleitoral

Fecham-se a breve trecho 50 anos de democracia em Portugal. O país é hoje muito diferente e melhor do que era antes do 25 Abril libertador. Não há comparação possível: nas cidades, nas aldeias, no litoral, no interior, nas vias de circulação rodoviária (em prejuízo criminoso e estúpido da ferrovia), nos indicadores de saúde (sim!, na mortalidade infantil, na esperança média de vida, nas grandes estruturas hospitalares…), na generalização das pensões (ainda que pequenas), nas habitações, nas redes de energia, de água e de esgotos, na pavimentação das ruas, etc.

Onde falhámos, então, e muito? Falhámos, por exemplo:

- na “justiça”, que não é célere nem justa (também por isso mesmo);

- e na “educação”, que é um cancro sem terapia adequada, principalmente porque a escola pública serve ideologias e interesses instalados, de modo errado e uniformemente acelerado, sem possibilidade de os professores ensinarem os alunos e de os cidadãos escolherem para os seus filhos escolas com metodologias diferenciadas (aquela coisa dos «projectos educativos» que temos é, basicamente, uma treta). E precisam-se exames sobre conteúdos programáticos bem definidos e respeitadores do esforço honesto dos alunos e do trabalho dos professores.

Ora, sem justiça e sem educação a democracia não é uma democracia plena.

Vamos, por isso, comemorar as oportunidades perdidas, por incompetência própria.

Os que nos deram a liberdade merecem (a minha eterna) gratidão, mas não os que libertinamente degrada(ra)m as possibilidades de usufruirmos dela.

Agora, a campanha eleitoral é preocupantemente vazia sobre estas (e outras) matérias.

José Batista d’Ascenção.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

A política (portuguesa) em comentários de comentários

Mea culpa. Vou procrastinando. Os motivos são a aversão (que sinto) pela generalidade dos políticos que temos. Obviamente, não posso colocar-me nalgum nível de «assepsia» donde me pronuncie sobre os agentes «feios, sujos e maus» que só procuram o poder e a fama. O defeito também tem que ser meu. Assumo-o. Portanto, preciso (forçar-me a) dedicar-lhes (mais) atenção. E até nem será difícil, porque os tempos de debate nas televisões são curtos. Curtos e pobres (pelos excertos que vi de alguns…), não só por culpa dos políticos, que as perguntas fazem-nas os moderadores, jornalistas que se querem bem preparados e incisivos, como, de modo geral, são, mas é preciso tempo para que se façam todas as questões pertinentes e se exija as devidas respostas.

O que é menos suportável (e, para mim, algo escandaloso) é o muito tempo que se dá, depois dos debates, a supostos especialistas da análise política. Como se eles tivessem alguma capacidade especial e nós, o público, fôssemos lerdos. O tempo, a desnecessidade, a subjectividade e a ideologia destes comentaristas afastam-me das suas ladainhas que, às vezes, tendem para uma espécie de «luta de galos». Preferia-os em versão escrita, seguramente mais ponderada. Em qualquer caso, pouco lhes ligo.

Ainda menos agradável é ter políticos profissionais com interesse manifesto nos mais altos cargos de poder (Marques Mendes, Paulo Portas, à cabeça) a fazer prédicas semanais nos canais de televisão. Fazem a sua propaganda mais ou menos disfarçadamente, ao mesmo tempo que menorizam os jornalistas que lhes servem de «ajudantes de palco». Pensarão, aqueles dois, que conseguem imitar o comentarista (intriguista-mor, que em tempos foi) Marcelo Rebelo de Sousa? Por mim, não creio.

Ou seja: pairando sobre a qualidade sofrível dos políticos comuns, que nos saem em sorte, temos outros uns furos acima, a disfarçarem-se de analistas isentos e desinteressados.

Mas não são imparciais, nem eles nem as televisões que os promovem.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Nós como instrumento e produto das redes sociais

Leitura perturbadora, a do livro «Dez argumentos para apagar já as contas nas redes sociais», de Jaron Lanier («Ideias de Ler»). Escrita crua, directa, frontal. Argumentos de quem conhece o âmago das redes digitais, porque esteve na sua origem, pertence ao meio e acompanha o seu desenvolvimento e os seus resultados (produtos).

As plataformas digitais destinadas a dar lucros (colossais), não obstante o seu carácter (aparentemente) gratuito, assentam em algoritmos que recolhem, ao segundo, os dados, as preferências, os gostos ou as aversões de cada utilizador. E o que mostram a cada um de nós (o «feed») é seleccionado, direccionado e ajustado a partir dessa informação (monumental) estatisticamente dirigida. Ninguém vê nem sabe (exactamente) o que cada um dos outros vê. Os algoritmos trabalham permanentemente com infinita «paciência», zero cansaço e extraordinária eficácia.

Como os instintos e impulsos negativos vêm à tona muito facilmente, esses algoritmos usam-nos, mais do que às qualidades, para manipular e tornar legiões de utilizadores (reais ou virtuais) sujeitos activos (muito diligentes) dessa manipulação. Ou seja, os dispositivos subjacentes às redes sociais puxam globalmente os seres humanos para baixo. A sociedade, em geral, perde. As influências negativas afectam todos os aspectos das relações humanas, da intimidade à política (como terá acontecido nas votações que elegeram Trump, Bolsonaro e outros).

E, diz o autor, as pessoas dependentes das redes sociais tornam-se, ironicamente, mais solitárias e menos felizes.

Crente nas possibilidades da tecnologia para melhorar as condições de dignidade e liberdade humana, Jaron Lanier defende que, para já, a melhor medida contra o aprisionamento pelas plataformas digitais deste tipo é cada um de nós abandoná-las (a este propósito, refira-se que muitos dos filhos dos «gurus» de «Silicon Valley frequentam escolas Waldorf, as quais, de uma forma geral, proíbem equipamentos electrónicos». (p. 22).

O livro desconcerta, mas alerta.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Discrição, realização pessoal e liberdade

O ser humano não pode viver só. Mesmo os amantes da solidão não dispensam a sua teia de relações psico-afectivas que, no isolamento, ainda vivem com maior intensidade.

Sem (os) outros não somos. Precisamos de ver e de ser vistos. E suspeito que precisamos também de apreciar e elevar uns e de desconsiderar e rebaixar outros, implícita ou explicitamente. Não é bonito, mas é geral e intemporal. Poderíamos viver sem “ódios de estimação”? Seria desejável, mas não vejo como torná-lo possível. Confirmam-no as religiões, a história, a política, o desporto, as relações sociais, as interacções familiares e o percurso de vida de cada um. Esconder estes factos não (nos) adianta muito. Saber como minimizá-los e aos seus efeitos seria conveniente, embora difícil, muito difícil.

As redes sociais potencia(ra)m a mais drástica exposição de dados pessoais, dos instintos e das tendências pessoais (generosas, bem intencionadas, egoístas, exibicionistas, consumistas, políticas, religiosas ou outras). Surgem depois tentativas (compensadoras?) de retrocesso sem sentido, como as de ocultar as faltas dos alunos às aulas ou mesmo a publicação das suas “notas”, a pretexto de uma reserva da privacidade que pode abrir caminho a práticas pouco honestas. Contradições que não alteram o sentido do fluxo e da pobreza relacional em marcha.

As grandes bases de dados “sabem” muito mais de cada um de nós do que nós mesmos: seja a da autoridade tributária, sejam as (dos proprietários) das plataformas de interacção digital.

Nunca vivemos melhor (globalmente), longe disso, mas somos cada vez menos donos da nossa vida. Mandam em nós os algoritmos informáticos, em proveito (das fortunas) dos poderosos que servem.

E somo nós que, diligentemente, colaboramos expondo e fornecendo os elementos da nossa vida e da nossa intimidade.

Até onde iremos? E com que prejuízos e vantagens?

Voltarei ao tema.  

José Batista d’Ascenção