domingo, 25 de dezembro de 2022

«Misericórdia», a obra mais recente de Lídia Jorge

Um livro sobre a condição humana, com extraordinária agudeza de observação e análise. Uma leitura que prende até à dor. «Realidades» tão vívidas e autênticas que se impõem à sensibilidade do leitor. O bem e o mal. A complexidade, as qualidades, os defeitos e as fragilidades do ser humano. A ironia e a esperança. A dignidade da escrita que não envereda pelo sensacionalismo epidérmico. Que nada esconde, mas que não abusa do grotesco e do dramático. Um tema dificílimo de abordar - o da vida das pessoas mais velhas institucionalizadas – tratado literariamente, sem condescendência, mas sem fossar na desgraça, no sofrimento, na miséria e na maldade.

O enredo não incide sobre a vida em lares onde se acumulam pessoas sem ou de fracas posses, onde o horrível não tem nome, mas é ficção realista de algum modo próxima, tratada com arte, e que vai ao essencial de um problema com que as sociedades europeias estão confrontadas. Um drama que se vai acentuar, com a desproporção crescente entre o número de crianças e jovens e o de pessoas fragilizadas pela velhice.

A vida humana medular que é o que é, em páginas que tocam, perturbam e comovem.

Um grande livro que nos ajuda a olhar para nós próprios, para os outros e para o que a todos espera.

A literatura em muitas e boas páginas, que vale a pena ler.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

A doçura do Natal


Apesar da pobreza material de mais de 1/5 dos portugueses e de uma fracção ainda maior de toda a humanidade, das guerras assassinas dos imperialistas medievais do presente (e do – ou com? – futuro), das crianças que não têm pão, nem colo nem educação, dos desgostos que as “bebedeiras” de futebol exacerbam, dos rigores da meteorologia, com incêndios ou inundações, há sempre um fundo de esperança nos adultos, como há sempre os sonhos das crianças.

O Menino Jesus tem uma simbologia profunda e bela (de que arredo a figura do pai-natal, por antipatia). A sua mensagem não é genericamente concretizável, como a realidade histórica (e a natureza das pessoas que intrinsecamente somos) demonstra, mas é um ideal poderoso e nobre, que os humanos de todos os tempos e lugares contrariam ou incumprem vezes sem conta, o que não o desvaloriza, antes o eleva, como meta e desafio.

Rememoro a minha infância na casa pobre dos meus pais, a hipotética prenda no sapato, o apelo à prática do bem e o sentimento de apaziguamento reconfortante da época natalícia que então vivia. A vida repetiu os Natais, acentuando o “psicadelismo” em cada ano e a tendência crescente para o vazio obscenamente consumista da quadra. Mas não destruiu a ideia e a necessidade do Natal no fundo da minha alma céptica e distante.

Agora vêm aí os meus netos e dou por mim a esperar que cheguem. A contar os dias que faltam. Com uma vontade enorme de os abraçar e de os aconchegar no peito e no colo. De os cobrir de beijos. E de derramar sobre eles algo do Natal que sempre permaneceu em mim.

Por estes dias, enquanto aguardo, não caibo na expectativa. Falta pouco. Moderarei a exaltação, na medida do possível, mas não ocultarei o contentamento. Com a necessária sensibilidade, no momento da chegada e depois, não vão os meus netos fartar-se do avô.

Estou de braços abertos, faz muito tempo.

São os Meninos Jesus, por quem espero. Por eles e, claro, pelos meus filhos e pelas mulheres deles.

Eis as minhas prendas.

José Batista d’Ascenção

sábado, 26 de novembro de 2022

Rio Paiva

Hoje, com caudal forte, sonoro, impetuoso e turbulento. Muito bonito. Nas margens ainda há vegetação e alguns animais típicos, pouco visíveis nesta época, também porque há bastantes pessoas em circulação nos passadiços. Ao vivo, uma ou outra lagartixa, nas faces de quartzitos expostas ao sol, uma rapina lá muito ao alto e um esquilo meio dormente, cosido ao tronco de um carvalho, foi quanto vimos. De onde em onde alguns painéis com imagens e texto explicativo dos exemplares mais significativos. Um em particular mereceu a nossa atenção, pela referência à planta liliácea Hyacinthoides paivea, assim designada em «homenagem ao ilustre botânico português Jorge Paiva».

Havia competições de “rafting”, o que terá trazido alguns espectadores.

A paisagem seria globalmente deslumbrante, se, a algumas dezenas de metros de altura relativamente à água, de um e de outro lado, nas margens, até aos cumes, não medrasse um eucaliptal pegado. Na opinião do taxista que nos trouxe de volta de Espiunca a Areinho, onde iniciámos a caminhada (de cerca de 8,5 km), os eucaliptos secam os solos, mas são uma riqueza para os donos. Também são um material propício para os incêndios e desfeiam uniformemente a paisagem, além de não serem favoráveis aos animais que eram típicos da nossa floresta, acrescentei eu. E a conversa morreu assim.

Ao centro, em cima, uma "marmita de gigante", em "laboração"

O trajecto valeu a pena, não tanto pelas atracções que procuram trazer gente que traga dinheiro para a região, como notou o nosso motorista: mais importante é a riqueza que (lá) havia e há, que não se traduz (talvez) em dinheiro vivo, mas que tem elevado valor intrínseco e primordial.

Se o considerássemos como merece.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 22 de novembro de 2022

O pontapé na bola e a negação do estado de direito

Se o assunto fosse para graças, diria que também joguei à bola, que nunca perdi por mais de dez e que era frequentemente um elemento desequilibrador, especialmente em desfavor da minha equipa.

Mas o caso é sério. Afinal o que valem os (chamados) «direitos humanos»? E porque é que o futebol é um mundo à parte na justiça e nos negócios?

Bem sei: as pessoas, na sua maior parte, são apaixonadas pela modalidade, entendem-na facilmente, identificam-se com os seus protagonistas e vivem-na de modo intenso, até para esquecerem as agruras da vida e se evadirem do castigo que é sofrer as medidas governativas dos políticos e a violência da subjugação imposta pelos donos do dinheiro.

Já os poderosos e os políticos tiram os benefícios que podem da alienação futebolística: os primeiros através de negócios muitas vezes opacos e os segundos mediante o adormecimento dos eleitores.

Os jogadores de eleição, esses, em número restrito relativamente à globalidade dos praticantes, auferem quantias estratosféricas, muitas vezes fugindo ao pagamento de impostos.

Que importa que o dinheiro envolvido seja de proveniência duvidosa e que finte as regras das finanças? Pior, qual é o problema de entregar a organização de campeonatos mundiais a países corruptos e sem o menor vestígio de respeito pelo que deviam ser direitos inalienáveis dos cidadãos, especialmente das mulheres e das pessoas desconsideradas por preconceitos sociais? Não importa nada. Não há problema nenhum.

Antes pelo contrário: falam-nos de patriotismo, de apoio aos nossos atletas, da importância de projectar o nome de Portugal no mundo.

É diverso o meu conceito de patriotismo. E gostava que o nome do meu país se tornasse relevante por outros motivos, como seja o da exigência de um módico de ética e de respeito por quaisquer pessoas.

Daí que não entenda nem aceite que vão a correr para o "Catar" (que raio de nome!) o presidente da república, o presidente da assembleia da república e o primeiro-ministro.

Mesmo que Portugal ganhe a competição, o ganho será à custa de valores maiores que esquecemos. E, ganhe quem ganhar, será uma legitimação do país anfitrião em que vigora um regime político execrável, com a colaboração de todos os que participam.

O que retirará dignidade ao vencedor, brilhante e merecedor que seja, quer se queira quer não.

Pertenço ao grupo dos que não rejubilarão, na hipótese de não ser o único.

José Batista d’Ascenção

Adenda: Uma palavra de apreço aos corajosos, futebolistas ou jornalistas, que, no "palco", têm assumido posições de crítica e de defesa dos direitos humanos. Muito merecidamente.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Falha de electricidade durante uma manhã que devia ser de trabalho

Em dia chuvoso, a luz natural é parca e cinza. O interior da casa, mesmo com persianas e estores levantados, fica numa certa penumbra. O computador revela, afinal, fraca autonomia, que não vai além de duas dezenas de minutos. E o que havia a fazer requeria umas imagens a colher na “rede”, que ficou inacessível.

Fica-se sem saber o que fazer. O desconforto é mais acentuado porque a situação se prolonga por horas.

O almoço não pôde ser preparado, o que obrigou a alternativa pouco consoladora. O portão da garagem teve que ser aberto e fechado manualmente, o que se tornou incómodo devido ao hábito adquirido.

Enfim, uma manhã decepcionante, que nem a leitura, como recurso, compensou. É muito difícil abdicar das rotinas de conforto da nossa vida de dependentes consumistas.

E veio-me ao pensamento a vida de pessoas como a das que vivem na Ucrânia (sujeitas a uma operação militar especial de invasão e destruição assassina), mas também a dos pobres, do meu e de todos os países, que não têm pão, nem casa, ou que, tendo-a, só nela abunda a miséria da falta de tudo.

Que sorte eu tenho.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Ódios cordiais

Sempre me interroguei porque havemos nós, pobres humanos, de antipatizar visceralmente com certas pessoas, embirrando com assimetrias da face, o nariz ou o olhar, o tom de voz, o aspecto geral, etc. Por vezes não conhecemos nem nunca falámos com as vítimas da nossa aversão e, no entanto, esse sentimento persiste.

Por mim, censuro-me quando tal me acontece: tenho vergonha do que sinto, sofro em silêncio e procuro reprimir a fealdade e injustiça do meu sentir.

Pior do que isso só a desfaçatez e a hipocrisia de revestir de amabilidade o que intencionalmente se faz ou diz para prejudicar alguém que se detesta. Procedimentos desse tipo são vulgares e muito visíveis nos políticos, razão por que são poucos os que têm o meu apreço.

Vem isto a propósito do modo como, um dia destes, António Costa veio “defender” Marcelo Rebelo de Sousa, que havia produzido declarações infelizes, mas sinceras, pelas quais pediu desculpa 48 horas depois, embora dizendo que não dissera o que disse. A intervenção de Costa pareceu-me um exercício de hipocrisia, executado com elevada mestria política.

Como Marcelo Rebelo de Sousa não deve ter gostado nada da “solidariedade” primo-ministerial esperou mais uns dias e aproveitou para, a despropósito, fazer uns elogios estratosféricos a Passos Coelho, para realçar, eventualmente, a separação do seu campo político do de António Costa. Acontece que Passos Coelho nunca gostou de Marcelo R. de Sousa (em tempos chamou-lhe “cata-vento”), que lhe paga(va) na mesma moeda, embora com suprema subtileza. Marcelo e Passos lidavam mal com outro brilhante protagonista político – Paulo Portas, cujos interesses de progressão pessoal o fizeram colidir com cada um deles, em diferentes momentos do seu percurso político. De resto, Paulo Portas já antes havia usado e trucidado o líder do seu partido, Manuel Monteiro, por idênticas razões de fundo. Monteiro, menos fulgurante, teve ao menos a virtude de ser transparente: não escondeu que Paulo Portas descia no seu critério de apreciação. Grande dignidade e discrição teve António José Seguro, em passo semelhante, quando António Costa o tombou do trono do poder no partido socialista. Em política, a sinceridade não vinga.

Outra personalidade política tida por muito sagaz é o actual presidente da assembleia da república. Calculista, frio e fino, dizem, certa ocasião abdicou da elegância, quebrou o verniz, e afirmou que gostava era de “malhar na direita”. Ele que não percepcionou, em devido tempo, pelo menos nunca reconheceu, as falhas de carácter e os erros de governação do ex-primeiro-ministro José Sócrates, que serviu proximamente. Não foi caso isolado. É a política. Há quem aprecie. Não eu.

Lembro-me que terá sido Jorge Sampaio, muito antes de ser presidente da república, quem, um dia, face ao intriguismo reinante em facções distintas do seu partido, o PS, dizia que formalmente todos se tratavam muito bem, explicitando que «se odiavam cordialmente».

Infelizmente, não é só na política.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Sexualidade, criminosos hipotéticos e crimes sem castigo

A comunicação social multiplica a (e multiplica-se na) denúncia de agressões sexuais sobretudo contra crianças e mulheres. Infelizmente nem tudo são notícias falsas. Longe disso. É caso para dizer que, nos casos justificados, “não lhes doam as mãos”.

Até há pouco tempo não era assim, embora não faltassem indícios conhecidos e, às vezes, largamente comentados (pelo menos à boca pequena), mas ignorados pelos órgãos de informação.

Pelo meio foram surgindo paranóias justiceiras para promoção de protagonistas políticos caseiros, com falta de obra (mais) meritória. Penso concretamente no prazo que se esgota para que eu, enquanto professor, autorize a solicitação de um certificado do registo criminal a obter pela escola onde trabalho. Eu e todos os professores. Eu e os outros funcionários públicos. Este pedido, no caso dos professores, é feito no início de cada ano lectivo. Quem propôs a medida foi a, em tempos, ministra da justiça, Paula Teixeira da Cruz. Lembro-me que, na sequência, chegou a ser obrigatório os docentes que acompanhavam alunos em visitas de estudo levarem consigo aquele documento para mostrarem às autoridades que, porventura, mandassem parar o(s) autocarro(s) durante o percurso. Nesses tempos, eu e mais professores optámos por não propor visitas de estudo nem participar nas que outros organizassem. O certificado, para além de inútil (formalmente válido apenas por três meses após a emissão e somente para aquele fim), era mais um motivo de burocracia e despesa, mas, fundamentalmente, entendíamo-lo como a consagração de uma desconfiança ofensiva.

Nesta matéria, o que é preciso são procedimentos efectivos (preventivos ou punitivos) em situações concretas ou indícios delas e não medidas rasas de princípios duvidosos e eficácia nula.

De resto, e muito bem, relativamente aos casos verificados nas escolas, as denúncias foram atempadas, incisivas e consequentes. Assim acontecesse noutras áreas/organizações/instituições.

E nunca houve (nem se aceitaria que tivesse havido), no sector da educação, presidentes da república a avisar eventuais implicados em actos remetidos à justiça.

José Batista d’Ascenção

domingo, 9 de outubro de 2022

O encanto das crianças

Na aldeia em que nasci e cresci até ao início da adolescência, diziam os mais velhos que «tudo o que é pequenino é bonito». O dito, que tem a sua lógica, aplicava-se indistintamente a seres vivos e a objectos, utilitários ou não. Já em criança, as miniaturas que eram dadas como brinquedos a meninas e meninos, fossem carrinhos, sapatos ou cadeiras, me pareciam, então como hoje, peças invariavelmente bonitas. Lembro-me de um camião que herdei de alguém, todo ele feito de cortiça, excepto os eixos das rodas, que era tão minuciosamente perfeito e robusto – com seis ou sete anos, podia sentar-me sobre ele – que merecia a minha devoção.

Bonitos são também os bebés animais, selvagens ou domésticos. A graça de pintainhos ou patos, de borregos ou cabritos, de cães ou de gatos só tem paralelo na ternura e cuidado que as mães lhes dedicam. E não é preciso a sensibilidade de um Trindade Coelho («Os meus Amores») ou de um Aquilino Ribeiro («O Romance da Raposa») para lhe dar destaque. Basta a qualquer mortal poder ver. Porém, tal possibilidade está afastada de muitas crianças dos nossos dias, porque o estilo de vida as faz crescer sem essas vivências. O que será uma perda relevante no seu crescimento, particularmente se pensarmos nos jogos digitais gratuitamente violentos ou nos vídeos frenéticos a que ficam sujeitas durante muitas horas do dia, desde a primeira infância.

Da vida das crianças desapareceu ou reduziu-se drasticamente o contacto com a natureza, passando o seu ambiente próximo a ser dominado pelas correrias e pelo “stress” dos pais e pela dependência do mundo virtual digital. Como consequência, não é só a motricidade fina, a coordenação motora e a massa corporal que são afectadas, também a afectividade relacional ficará comprometida.

Não obstante, as crianças continuam a ser crianças, com a sua inocência e curiosidade. Ora, as crianças necessitam da atenção, da paciência e do tempo de adultos próximos, concretamente familiares. E então, podendo ser crianças, são inevitavelmente bonitas, porque não é por serem fisicamente belas (ou andarem bem arranjadas) que as crianças são agradáveis.

As crianças são bonitas por serem crianças.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Os princípios e a vidinha

A luta pela vida é uma constante na Natureza. Luta sem tréguas. Implacável. Permanente. O que não impede manifestações assombrosas e comoventes de graça, de ternura e de beleza. Finitas e mutáveis, sempre. Frequentemente cíclicas, como o surgimento da Primavera após cada Inverno.

Nas sociedades humanas, as coisas são ainda mais complexas. O bicho humano, filho da Natureza, subverte-a, como se fosse possível escapar-lhe. E subjuga-se à vontade (própria e alheia) de domínio sobre os semelhantes. Religiões, filosofias, sistemas políticos e económicos e organizações bélicas definem princípios - os seus - e criam mecanismos de poder. Necessariamente, surgiram espíritos que iluminaram o conhecimento e muitos contribuíram lúcida e generosamente para melhorar a condição humana. Parte deles foram ouvidos e seguidos. E muitas sociedades progrediram. Mas sempre em benefício de alguns, relativamente minoritários, reconheça-se. O lastro biológico não permite a bondade universal nos grupos humanos. Nunca se sabe quando os demónios se soltam, em cada indivíduo e, pior ainda, nas multidões. Como a História documenta, recorrentemente.

A mesquinhez intrínseca da vidinha, rude ou ladina, tem uma força incomensurável e, por isso, a deriva da evolução psicossocial dos humanos é cheia de regressos e desilusões, que os “salvadores” de todos os tempos e lugares espreitam. E aproveitam.

Para além da sorte e do acaso, que também contam, salva-se quem pode e é capaz, independentemente dos métodos.

Ainda que ilusoriamente.

José Batista d’Ascenção

sábado, 17 de setembro de 2022

O Dr Paiva, o Botânico de Coimbra e nós, que por lá andámos

Dezassete de Setembro de 2022. De volta ao Jardim Botânico, tantos dos que o frequentaram ao longo das décadas de 50 a 80 do século passado.

Nos rostos as marcas da passagem do tempo, também documentada, nos homens, pela ausência ou embranquecimento dos cabelos, mas com bem poucas proeminências abdominais, diga-se, em respeito pelos factos.

Receoso destes encontros no que respeita aos motivos das ausências, particularmente quando são surpresa revelada na hora, que se quer de alegria, confesso que decidi de imediato ir ao Botânico pela figura de referência que é para mim aquele professor que me ficou por dentro e por perto, qualquer que fosse a distância física. Refiro-me ao Dr Paiva (era assim que lhe chamávamos). Outros houve, claro, de que gostei, mas situava-os no olimpo das cátedras, no miolo das sebentas e no recato dos gabinetes.

O Dr Paiva era diferente: vibrante, intenso, apaixonado pelas matérias e pela missão de ensinar. Com ele não havia “abébias”, ou se sabia ou não, mas estava lá para quaisquer dúvidas, rigoroso, mas próximo, exigente mas compreensivo, espartano, mas pleno de disponibilidade. Isso sentia-se nas suas aulas. Nas saídas de campo e nas visitas de estudo era um espectáculo. Para além disso, houve sempre o cidadão materialmente descomprometido e o ambientalista atento e escrupuloso, de atitude cívica exemplar. As suas firmes opiniões nunca cederam a pressões nem seriam compráveis, porque o autor foi e é uma pessoa de dádiva. Para nós: um príncipe de generosidade, de sensibilidade, de presença e de estímulo.

O mais interessante do bonito reencontro de hoje é que ao impulso maior que motivou a minha ida logo se somaram várias outras razões traduzidas em abraços de amizade sentida e expansivamente partilhada com muitos colegas e amigos, parte dos quais não via há muito. Foi um prazer estar e conviver. A Lurdes, minha mulher, que não foi estudante em Coimbra, mas foi tratada como se o tivesse sido, sentiu-se muito bem e é testemunha.

Coimbra tem mais encanto na hora dos reencontros. Para mais no dia do aniversário do meu professor mais querido, que celebrámos a plenos pulmões.

Um enorme obrigado, a ele, sempre, e aos organizadores de tão merecida e reconfortante confraternização, com destaque para o Director do Departamento de Ciências da Vida.

José Batista d’Ascenção

domingo, 11 de setembro de 2022

O mundo animal como era há cerca de 50 anos e deixou de ser para sempre

Entre 1980-85 fiz o curso de Biologia, do ramo educacional, na Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra. No último desses anos ofereci a mim mesmo a obra «A FAUNA», uma excelente colecção de 11 volumes, com 300 páginas A4 cada, abarcando a vida animal do planeta, ilustrada com boas fotografias, para a época, sóbria mas belamente encadernada. Paguei-a a prestações. Estes livros seguiram-me ao longo dos anos e fui-os consultando uma ou outra vez, como fizera antes, na biblioteca da universidade.

No final do ano lectivo passado peguei no 1º volume e comecei a lê-lo seguidinho, como leitura de férias. Pese um ou outro erro sistemático de gramática, a escrita é muito clara e de leitura agradável. Para além das fotos, algumas de página inteira e até de dupla página, num caso ou noutro, há desenhos muito precisos e elucidativos de certas atitudes e comportamentos dos animais. Do 1º volume passei ao 2º e assim sucessivamente: estou no 7º, sem perder o entusiasmo.

Porém, assombra-me frequentemente o desgosto de constatar como muitos dos bichos, alguns muito belos, caso de certos felinos, gazelas ou algumas aves, viram o seu número drasticamente reduzido a poucos exemplares, alguns mantidos em zoológicos ou em áreas de reserva, ou se extinguiram, pura e simplesmente. A diferença entre a época da minha meninice e os tempos de hoje traduz-se em tal perda de biodiversidade que não podemos chamar-lhe outra coisa que não uma “extinção em massa”. As causas poderiam ter-se devido a fenómenos naturais, mas, na realidade, em grande parte dos casos, o agente destruidor das espécies é a nossa própria espécie (Homo sapiens). Fazemo-lo na condição de predadores, por necessidade (de alimentação ou profissional, em qualquer dos casos mal gerida…) ou por prazer (mediante a caça desportiva excessiva e pouco inteligente) ou por destruição dos habitats ou ainda pelas alterações que provocamos neles devido sobretudo à poluição.

A população humana cresceu exponencialmente nos últimos 150 anos, potenciando em escala crescente as agressões ao ambiente. As medidas de prevenção e remediação são em ordem de grandeza muito inferior, o que nos coloca em risco enquanto espécie biológica, dependentes em absoluto das condições do meio: disponibilidade de oxigénio, de água limpa e de alimento, temperatura compatível, espaço natural favorável, etc.

A admirável beleza, complexidade e particularidades do mundo vivo que A FAUNA descreve e ilustra só muito parcialmente poderão ser testemunhadas pelos meus netos e seus descendentes. O que o planeta será então, e o que será feito dos humanos ou o que eles farão, não o consigo imaginar.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Pessoas que não contam

Nascido no interior da “zona do pinhal”, na Beira Baixa, as minhas idiossincrasias têm âncoras na vida dura daquelas serras e vales, desde menino, na década de 60 do século passado, até hoje. Certo que, pré-adolescente, saí de lá, mas foi ali que sempre tive o coração, mesmo quando admiti que a ligação podia estar algo atenuada. Esse vínculo parece fortalecer-se agora, ante o peso da idade e a nostalgia das memórias que o tempo não apagou, particularmente quando, retornado às origens, dou largas ao impulso irreprimível e correspondido de abraçar sentidamente os da minha idade ou mais velhos com quem convivi.

Naquelas terras, leis e governos, em geral, não são tidos como factores ou agentes de protecção de quem muito trabalha e sofre e tem de seu apenas o magro fruto de labor porfiado em anos sucessivos, incluídos os que emigraram e tiveram (algum) sucesso ou nem tanto.

O pasmo ante e após o inferno das chamas seca lágrimas e protestos e interioriza um sofrimento indizível de quem sabe que está só, à mercê de um Deus nunca renegado, mas que parece indiferente às suas preces.

Pessoas curvadas ao peso da vida, isoladas, com os descendentes longe, presas às casas e às terras em que progridem silvas e mato, que só o fogo ceifa, lutando até ao limite das capacidades no amanho de porções de terra cada vez mais diminutas e próximas da porta, resistem a partir para os lares onde sabem que vão esperar a morte breve. Enquanto se mantêm nas suas casas, muitas com carências de toda a espécie, continuam a poupar tanto quanto podem, porque sempre procederam assim, na ideia de fazer face a alguma despesa inesperada no futuro. As rugas sulcaram-lhes a face e o corpo, perderam os dentes, têm pretas as margens das unhas e vestem trapos humildes, mas há nelas (nelas, realce-se, porque são na maioria viúvas de idade avançada) a dignidade de não reclamarem contra a vida que vive(ra)m.

Poucas e silenciosas, o seu voto não tem qualquer peso, pelo que as políticas são ausentes ou negligentes, e a solidariedade entre umas e outras não lhes apaga as dores da alma. 

Impotente, como as gentes da minha terra, dedico-lhes estas linhas, em jeito de pequenina homenagem.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Um país para queimar

A floresta do nosso país parece não ter futuro. Há dias, na rádio, ouvi alguém dizer que as nossas reflorestações são plantações de paus de fósforo. Assim parece, há décadas, com o advento da democracia (que não temos dignificado) e o êxodo do “interior” para o litoral. O nosso interior é um conceito curioso, porque fica, todo ele, a menos de 200 km em linha recta do mar. Multiplicaram-se estradas que haviam de ajudar a fixar pessoas no bucolismo rural e o efeito foi um acréscimo de abandono de courelas, rebanhos e hortas. Ao mesmo tempo fechavam-se centros de saúde, postos de correios e agências do banco público. Matérias-primas e produtos que chegam a essas zonas são pagos a preços acrescidos das despesas para os fazer chegar lá. Ou seja, não só deixou de haver condições como se paga mais para viver nos montes, sejam os mais agrestes do Centro e Norte ou as aplanações do Alentejo.

Os nossos deputados, governantes e líderes partidários, na imensa maioria, não estiveram nem estão à altura. Muito dificilmente se pode aceitar que sejam os melhores de nós.

Recentemente li que os aviões que combatem os incêndios cobram 35 mil euros à hora. Seja o número mais ou menos exacto, dá a ideia de que nem todos perdem com a tragédia ígnea de todos os Verões.

Os nossos cumes topográficos vão-se tornando nus e rochosos, despidos de quaisquer árvores. E isso significa menos consumo de dióxido de carbono (CO2), menos produção de oxigénio (O2), menor biodiversidade, menor libertação de vapor de água para a atmosfera, mais elevação das temperaturas médias e… mais incêndios. Em lugar da floresta restará o "verde-eucalipto", empobrecedor de solos e pessoas e enriquecedor das empresas de celulose.

E se em vez de empréstimos de fundos fôssemos pelo estrangeiro pedir que nos governassem?

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Géneros masculino e feminino e o que não cabe num nem noutro

Pescoço "alado", característica de
pessoas com síndrome de Turner

Os meus avós maternos tinham uma horta primorosa, onde também havia uma capoeira com algumas galinhas. Lembro-me de, criança, me deter frente à rede a reparar num exemplar que não era fêmea nem macho. A ave cresceu com as outras, mas ficou sempre diferente: nem pôs ovos nem cantou de galo. Os meus avós chamavam-lhe “galela”. Vim a saber que o termo não era deles. A “galela” foi uma curiosidade que acabou numa caçarola, dado que, para esse fim, tanto fazia. Mais tarde fiquei a saber que fenómenos dessa natureza também afectavam ovelhas e cabras, e que, para as pessoas rurais, isso não era uma realidade estranha.

Aquilo ficou-me. Entre 1980-85, na Universidade de Coimbra (UC), o meu professor de genética clássica, Montezuma de Carvalho, havia de elucidar nas suas aulas várias anomalias cromossómicas do par sexual nos humanos, comummente XX nas mulheres e XY nos homens: a monossomia X (X0), causadora da síndrome de Turner; a trissomia XXY, que origina a síndrome de Klinefelter; a trissomia XXX; a trissomia YYX; etc.

Aquele professor, que era uma personagem curiosa, acabou por nunca mostrar no meu núcleo de estágio pedagógico a carta com a cunha para Oliveira Salazar ser admitido na UC, que um dia (nos) “prometera”. Em compensação, certa vez, trouxe-nos um gato bebé só com um olho no centro da testa – um ciclope – que, havia décadas, conservava em formol.

Nesses anos, por mais do que uma vez me referiram que determinada pessoa, também estudante, a que chamavam «Paulinha», não era o que parecia em matéria de sexo. Nunca troquei com ela qualquer palavra nem lhe percebi qualquer gesto ou atitude que denunciasse algo fora de comum. Duvidei até, admitindo que fosse boato, e nunca teci comentário algum com ninguém, apenas me interroguei sobre a concretização da matéria das aulas do Prof. Montezuma.

No campo desportivo, o caso da atleta sul-africana, Caster Semenya, recordista de velocidade, não me deixou surpreso, vi-o como confirmação da complexidade da Natureza e da ignorância humana.

Enquanto professor (do ensino secundário), ao longo de quase quatro décadas, tive conhecimento de dois casos de alunos(as) intrinsecamente desconfortáveis com a sua identidade sexual, e num deles, fosse como fosse, era recorrente a fuga das aulas de educação física, particularmente dos balneários. Nunca soube se, no que sentia, pesaria mais a insatisfação pessoal ou o medo da reacção dos colegas.

Nas aulas de biologia, sempre que a matéria fazia parte dos programas, fiz esclarecimento de casos típicos, discuti-os seriamente com os alunos e nunca foi difícil mostrar-lhes que a lotaria hereditária poderia ter conferido, com maior ou menor probabilidade, a qualquer um deles ou aos seus familiares, havidos ou a haver, amigos ou conhecidos alguma das situações analisadas. O objectivo foi sempre o de focar a importância de reconhecer que o património genético de cada qual não foi escolhido pelo próprio, donde é preciso sensibilidade e um profundo respeito por todas as situações, mormente as que, de há muito, estão tipificadas. Respeito, repito, que é mais fácil quando a escola ensina, como devia.

Já as tentativas de forçar gramáticas que contemplem a panóplia imensa de casos, traduzida em siglas e palavras supostamente inclusivas, deviam ceder prioridade ao estudo, ao conhecimento e à ponderação, tornando claros e comuns os conceitos da ciência, como factores de prevenção de eventuais catalogações espúrias, segregacionismo e intolerância.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Jovens de espírito

Oiço a expressão com alguma frequência. Julgo perceber o sentir de quem a afirma, mas o seu significado, adequação e pertinência deixam-me dúvidas.

Há os que compreendem, tanto quanto é possível, o mundo físico e biológico e as sociedades passadas e presentes, na sua imensa diversidade. E que se questionam e pesquisam com senso e lucidez primorosos, da matemática à filosofia. E os que nos dão a arte e a poesia. Felizes deles e de nós. Infelizmente, o seu número é restrito.

E há a imensa mole dos que se esforçam por se sentir jovens imergindo no “ar do tempo”, comportando-se como ditam as modas e fazendo com gosto o que a publicidade determina, discreta ou agressivamente. Não poucos imitam os jovens (na indumentária, na linguagem, nas atitudes…), que, por sua vez, se imitam uns aos outros, satisfazendo os objectivos de negócios poderosos, que dirigem a psicologia de crianças, jovens e adultos no sentido do hiperconsumismo.

De resto, nunca se viu jovem algum reclamar para si próprio um espírito jovem. Devemos reconhecer que só quem sente o peso de décadas invoca a energia da juventude. Desses, muitos procuram convencer-se, com ou sem razão, da sua frescura física e psicológica. De algum modo fazem uma confissão involuntária de preocupação com o fluir do tempo que se escapa. Não devem ser apontados a dedo, porquanto é geral o desejo secreto de conseguir o impossível e indesejável “elixir da juventude”.

Em contraste, aceitemos que há saberes que só são possíveis com a idade e também com experiências nem sempre gratificantes; e que as mazelas do corpo e do espírito se acumulam com o tempo, mas podem ser muito úteis a quem as respeite e aprenda com elas.

Esse é o bem que fica e que devemos agradecer aos que já foram jovens. 

José Batista d’Ascenção

domingo, 17 de julho de 2022

Música galega numa noite de Verão

Numa dúzia de anos tornou-se tradição, o festival «Castro Galaico», em Braga, no monte da N. Srª da Consolação. Este ano, por causa do calor e de outras contingências, limitei-me à última noite e apenas às (duas) bandas que actuaram no palco principal.

Começaram os «Voces de Arrieiro» (1), com músicas muito vivas, inspiradas em recolhas em «tabernas» e nas marcas da emigração do povo galego, muito bem cantadas entre nós pelo saudoso Adriano Correia de Oliveira. As influências são variadas e colhidas, para além da Galiza, no lado português, no «mesmo povo» que o «rio Minho une». E não apenas, que a “Senhora do Almortão», da raia albicastrense, elevada pela voz ímpar de Zeca Afonso, e o «cante alentejano» também fazem parte do repertório, com pronúncia e tonalidades galegas. Mas este grupo extravasa a península e colhe influências em países da América Latina, por causa da emigração, claro está, como Cuba, Brasil e Argentina. Tocaram, cantaram e interagiram com o público. E encantaram.

Na segunda parte tocaram os «Milladoiro», um grupo instrumental, com executantes de elevada craveira, polivalentes, vários deles, e todos de um rigor sem falhas. As gaitas de foles não são instrumentos da minha preferência, excepto quando tocadas e integradas assim. Ritmo elevado, a onda crescia em intensidade, a merecer ouvido atento e imersão na sonoridade. Mas há ouvir e mexer e as duas coisas a um tempo, consoante a sensibilidade de cada um. Para maior interacção o grupo ofereceu ao público uma ou outra música cantada com estribilhos que a maioria das gargantas não tinha facilidade em acompanhar. Com o culminar da festa, latejava em muitos um ferver do sangue a puxar para a dança. Captaram-no bem os irrepreensíveis músicos que passaram aos ritmos dançáveis dos minhotos, para explosão dos dançarinos. Os mais velhos em agitação nas bancadas, os jovens de “meia-idade”, principalmente mulheres, em rodopios e pulos voadores. Um ou outro adolescente também. Houve até aquelas que tiraram os sapatos para melhor sentirem o suave contacto dos pés na poeira.

As crianças, despertas do sono, bebiam o exemplo. 

(1) Arrieiro = almocreve = condutor de bestas.

Nota adicional: a má qualidade das imagens é da inteira e exclusiva responsabilidade do autor.

José Batista d’Ascenção

sábado, 16 de julho de 2022

Boa música que desconhecemos – The Soaked Lamb

Numa semana que me trouxe do bom e do menos bom, ontem à noite, sexta-feira, depois de uma tarde funéria, fui com a mulher espairecer até à “feira do livro” de Braga. Percorridas todas as “lojas”, folheados uns tantos alfarrábios, sentámo-nos na última fila do auditório de rua para descansar e degustar umas páginas, no meu caso, de Camilo. Projectadas em frente umas palavras que nada me diziam – The Soaked Lamb – e que, na verdade, só li largos minutos depois. 

A banda musical com aquele nome tivera problemas na estrada, atrasara-se, e eu só dei agradavelmente pelos membros quando começaram a ensaiar o som.

Senhores, começada a actuação saltei com gosto da leitura para a audição atenta e foi com alguma contrariedade que, depois de duas músicas, comecei a ouvir o apresentador a intercalar a história do grupo, não obstante a pertinência da informação e a fluência e o humor do discurso.

Regressados à música, que havia de ser interrompida mais vezes para o mesmo efeito, dei comigo entusiasmado e envolvido. Muito afinados, muito certinhos, bem ritmados e melodiosos. A vocalista muito clara, simples e expressiva, bem casada com os instrumentistas, e todos eles entre si.

De repente acabou.

Há muito tempo que, na rua, não desfrutava de um descanso tão saboroso e animador.

Parabéns aos “ensopado de borrego” (a “tradução” é um atrevimento meu), que merecem bom futuro, e aos organizadores que os convidaram. 

José Batista d’Ascenção

domingo, 10 de julho de 2022

Gerês (Sul)

Na paisagem, o verde, abaixo dos topos descarnados, (já) não é o que era dantes.

As acácias invadem luxuriosamente todos os sítios. E os eucaliptos começam a progressão. Duas árvores extraordinárias que não faziam falta no nosso (único) parque natural, que comemorou há pouco 50 anos.

Contudo, o Gerês atrai como nunca.

O turismo também é invasor.

Dele faço parte hoje, com a minha mulher, embora tenhamos andado a pé, só com uma mochila cada.

Já a idade pesa, mas fizemos com calma: Vilar da Veiga – Vila do Gerês – Vidoeiro – Pedra Bela – Cascata do Arado – Ermida e fecho do circuito. Uns bons 25 km, a cálculo. Aguentámos, o percurso e o calor. Também o ruído das motos e o pó, na parte de terra batida. Claro que não se vê bicho algum. De simpático e agradável: a paisagem, as sombras, as fontes de água fria (muitas) e os estímulos e cumprimentos dos viajantes em transporte motorizado. O descanso mais prolongado foi numa sombra a meio do leito de pedregosos matacões do rio Arado. Uma torreira, no dia de hoje, no que há mais de 10.000 anos era um vale glaciário, que ali deixou todos aqueles calhaus. Como será (já) nas próximas centúrias?

Como será toda a zona no tempo dos nossos netos?

Fica o testemunho deste dia, calcorreado lentamente por mim e pelo meu par.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 7 de julho de 2022

O dióxido de carbono e o futuro da humanidade

Acabei de ler o livro «Uma breve história da Terra», de Andrew H. Knoll. Da mensagem que encerra detenho-me apenas sobre algumas relações entre a abundância de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, as variações dramáticas do clima e as extinções em massa de seres vivos.

As rochas são (como que) as páginas de um livro em que a Terra escreve (com uma mão e apaga com a outra) a sua história (que é fragmentária, pelo que exige meticulosa reconstituição), desde tempos muitíssimo anteriores à vida humana. «E uma das lições mais persistentes da geologia é o reconhecimento de quão fugaz, frágil e precioso é o momento presente» (p. 15). «As notícias da área da biologia não são melhores: um declínio de 30% das populações norte-americanas de pássaros desde a década de 70 do século passado; populações de insetos reduzidas a metade; elevada mortalidade de corais (…), rápido declínio de elefantes e rinocerontes (…); áreas de pesca comercial ameaçadas em todo o mundo» (idem).

A razão por que tantas pessoas continuam indiferentes às mudanças planetárias resume-se a que, «no fim de contas, só vamos preservar aquilo que amarmos, só vamos amar o que compreendermos e só vamos compreender o que nos ensinarem» (p. 16).

«As amostras mais antigas conhecidas de atmosfera antiga são bolhas de ar retidas no gelo da Antártida há cerca de dois milhões de anos, pelo que as inferências sobre o ar e os oceanos mais antigos têm de ser feitas com base em registos químicos nas rochas» (p.85), pois «podemos formar uma ideia da atmosfera primitiva da Terra baseando-nos em rochas e minerais cujas composições refletem contacto com ar e água à época em que se formaram» (idem).

Os gases com efeito de estufa, «a maldição do aquecimento global do século XXI» são também «o fator que durante muito tempo garantiu à Terra um clima habitável» (p. 78).

O estudo dos fósseis, da sua diversidade e abundância, em rochas que sabemos datar, mostra que a biodiversidade terrestre sofreu cinco extinções em massa nos últimos 500 milhões de anos (Ma). Só a extinção ocorrida há 66 Ma «pode ser associada com segurança ao impacto de um meteorito» (p.150). «A maior extinção em massa ocorreu há «252 Ma (…) quando mais de 90% das espécies de animais marinhos desapareceram» (idem).

Rochas como o basalto resultam de erupções vulcânicas. A actividade vulcânica liberta CO2 para os oceanos e a atmosfera. Pelo volume e extensão das massas basálticas, que sabemos datar, podemos extrapolar a grandeza relativa e a duração dos eventos de vulcanismo e correlacioná-los com as enormes quantidades de CO2 injectadas na atmosfera. O aumento de CO2 na atmosfera provoca o aumento da temperatura (por efeito de estufa). O aumento de temperatura diminui a quantidade de oxigénio (O2) que se pode misturar na água (os mares empobrecem em oxigénio). Por outro lado, ao dissolver-se na água do mar, o CO2 acidifica-a. Cada um destes factores agrava os efeitos dos outros – um «trio fatal» (p. 155). A isto há ainda que somar os efeitos fisiológicos directos do CO2 na respiração (hipercapnia) e sobre os animais que produzem esqueletos de carbono de grande dimensão, como os corais (idem). Com o intenso vulcanismo de finais do Período Pérmico, há 252 Ma, «a biologia tinha o destino traçado nos oceanos» (ibidem). Não obstante, deve salientar-se que o vulcanismo pode também ser responsável pelo arrefecimento do clima, quando a abundância de cinzas se opõe à passagem da radiação solar, como aconteceu com a erupção do vulcão Tambora, na Indonésia, em 1815, que provocou um «ano sem verão» em lugares tão distantes como a Nova Inglaterra.

As espécies que são mais vulneráveis são as adaptadas a condições específicas drasticamente alteradas. Uma vez extintas, quaisquer espécies são passado na história da vida, mas, após cada extinção em massa, a diversidade biológica refaz-se, por evolução e expansão de novos seres a partir dos que sobreviveram, originando-se diferentes grupos de seres vivos, que vão contribuir para uma ecologia distinta.

Uma outra consequência do aumento do CO2 atmosférico e da subida de temperatura que provoca é o degelo das massas glaciárias, o que aumenta o nível do mar. Eis um fenómeno actual que nos atormenta.

Há poucas dezenas de milhões de anos, o soerguimento das Montanhas Rochosas, dos Alpes e dos Himalaias, aumentou a meteorização das rochas com consumo de CO2 atmosférico (p. 165). O clima arrefeceu. «Há cerca de 35 Ma, os glaciares começaram a espalhar-se pela Antártida (p. 166); (…) há 6-7 Ma a Terra precipitava-se para uma nova idade do gelo» (idem).

A espécie humana, que apareceu muito recentemente na história da Terra [os fósseis mais antigos de Homo sapiens são de rochas com 300 000 anos, em Marrocos. (p170)] desenvolveu-se extraordinariamente, sobretudo a partir do século XX, interferindo seriamente no ciclo do carbono. A queima de combustíveis fósseis, armazéns de carbono retirado da atmosfera há muitos milhões de anos pelas plantas, devolve-o à atmosfera, sob a forma de CO2, em quantidades enormes a um ritmo vertiginoso. As consequências fazem-se sentir. Para já não afectarão todos por igual; «haverá vencedores e vencidos» (p. 182). «Alguns canadianos poderão apreciar uma vida com menos neve» (…), mas, «no final de contas todos pagaremos» (idem). «Prevê-se um decréscimo da precipitação nos estados do Sul dos EUA, em áreas populosas do Médio Oriente, no sudoeste de África, na Península Ibérica» … (ibidem)

Ou seja: «o trio assassino (…) [de há 252 Ma] regressará em força durante o século XXI. É um processo que já começou» (p. 184).

A vida na Terra não acaba se a espécie humana se extinguir. Passaríamos ao registo fóssil e na Natureza surgiriam outras formas de vida.

Para nós, o tempo urge, para o planeta será mais um ciclo biológico.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 10 de junho de 2022

A generosidade dos simples

 

Por várias vezes ali passo, à hora de almoço. Outras tantas fico uns minutos a olhar aquela humilde vitrina, imediatamente ao lado esquerdo do nº 101 da rua de S. Vítor (Braga). A essa hora, aquela porta, de uma limitada loja de sapateiro, está fechada. Então digo de mim para comigo que devia ir lá de propósito, um dia, para enaltecer a ideia e encorajar a prática de uma generosidade que não apouca ninguém e poderá resolver problemas a muitos. Eventualmente cada vez mais, já que os preços não param de subir, ao que dizem por causa da guerra de invasão da Ucrânia, o que parece explicação curta para os aumentos semanais desproporcionados dos combustíveis e o noticiado aumento chocante dos lucros das petrolíferas.

Ora, num país em que um quinto da população é pobre, e em que os governos, sejam quais forem, não conseguem alterar essa estatística vergonhosa (não sei se por incapacidade se por falta de vontade, que - diz-se - com a pobreza do povo podem os governantes bem), poder comprar calçado por 3, 5 ou 10 euros, é capaz de evitar que algumas pessoas andem descalças ou com sapatos esgaçados ou rotos.

Suponho que aquele sapateiro procede assim: recebe calçado que mereça arranjo, de quem o queira oferecer, compõe sandálias, sapatos ou botas e coloca-os à venda por um preço acessível a pessoas de fracas posses e que lhe permite a ele não trabalhar de graça.

Sou tão aproveitador dos meus velhos sapatos, que seria vergonha levar-lhos para os compor condignamente para alguém. Mas nada me impede de chegar à fala com senhor, só para lhe dizer do meu apreço e da minha gratidão. Eu, que ainda posso comprar sapatos.

 José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Maiorias esmagadoras

Há em mim o fascínio das palavras. Das suas raízes, da sua grafia, da sua sonoridade e das relações com outras palavras. Há-as que se me afiguram elegantes, bem casadas com o seu significado “objectivo” ou sugerido ou hipotético. A essas, sinto-as em si mesmas como palavras felizes, mesmo que refiram ou traduzam sentimentos dramáticos. Outras há que não me parecem do mesmo modo. Umas e outras, porém, cumprem a sua função e eu chego a pensar que um escritor ou falante perfeito, para além da boa gramática, nunca usaria ao acaso qualquer sinónimo, porquanto cada palavra tem no discurso uma pertinência que não caberia com a mesma adequação em qualquer outra que a substituísse.

Vem isto a propósito de uma expressão muito usada em política, e não apenas, que sempre me causou reticências – a de “maioria esmagadora”. Ou, como também se diz e escreve: “esmagadora maioria”. Para mim é uma qualificação negativa em discursos que se têm por democráticos. Maioria é maioria. Tão só, o que vale por si. Bem gostaria eu que qualquer maioria política, partidária ou outra, dotada e cumpridora de princípios sãos, fosse respeitadora, disponível, acolhedora, serena, magnânima e generosa, o que a tornaria uma maioria ideal.

Agora “esmagadora”! De quê ou de quem e porquê?

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 3 de maio de 2022

Que força impele os humanos, sempre, em algum lugar, a matarem-se uns aos outros?

A história procura, sem que o consiga, explicar por que os humanos, mais ou menos organizados, tentam dominar e subjugar outros humanos.

Somos animais. E como animais procedemos, por vezes na maior irracionalidade. Se as condições materiais são insatisfatórias, as lutas e a crueldade são justificadas nessa base. Mas há períodos de progresso, de suficiência e de abundância que desembocam em novas guerras e assombrosas carnificinas.

A evolução social, por mais favorável que seja e que aparente, não esclarece nem resolve a violência íntima das pessoas, nem o contágio que a faz alastrar a outras. Frequentemente, nem é capaz de prever quando nem como as atrocidades vão eclodir.

A psicologia e a psiquiatria podem antecipar comportamentos individuais e fornecem meios para a sua prevenção. Mas a sociologia e a etologia falham na antevisão das acções funestas dos grandes grupos.

Há aspectos intrínsecos em que não moldamos o sentir e a mente humana. O que vamos fazendo é agarrarmo-nos a convicções que expressamos ou escondemos, tomando-as como verdades tão definitivas quanto infundadas ou ilusórias. Muitos destes mecanismos funcionam sob roupagens capazes de ocultar ou disfarçar o sentimento e a vontade, se e enquanto a conveniência o exige. Efeitos deste tipo notam-se muito em áreas tão díspares como a política ou o desporto, e, ironia das ironias, na pedagogia e no funcionamento dos chamados “sistemas educativos”. A realidade é aqui “envernizada” ou “pintada” e, por vezes, “doirada”, para sossego das (ou de algumas) consciências. De ciência que valha o nome sobra muito pouco. E as crianças percebem-no e agem em conformidade, não levando em conta os adultos, sejam os pais ou os professores. O descrédito é inevitável. E a deseducação também.

Donde, em matéria de contenção da indisciplina e da violência estamos como sempre estivemos: tudo é velho e tudo é novo, quando está a acontecer.

Só que a evolução tecnológica e o poder bélico cresceram extraordinariamente. Fica(-me) a dúvida: a sociedade humana vai aniquilar-se ou, pelo menos parte dela, vai encontrar a redenção? 

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 25 de abril de 2022

25 de Abril de 1974 - a data da nossa História que mais me toca

Por ignorância minha? – Não só nem sobretudo. Por proximidade temporal? – Seguramente. É subjectividade? – Com certeza. É sentimento? – É, absolutamente.

Saí da concha para escrever isto. Em boa verdade, nada tenho a dizer ao mundo. Nem o mundo tem interesse no que eu digo. Nem eu me zango com o mundo por causa disso.

Só não fico calado nesta data por reconhecimento aos que fizeram o 25 de Abril. O ímpeto de liberdade que os moveu também a mim me anima. Assim como a sede de justiça justa. E o desejo de uma democracia estimada e valorizada. E também a vontade de alicerçar presente e futuro no conhecimento geral que a escola – a mal-amada escola - devia proporcionar.

Os homens do 25 de Abril permitiram-nos o sonho da liberdade à luz do dia e em voz audível.

Tendencialmente, personifico a comemoração desta data na figura do saudoso capitão Salgueiro Maia, um Homem que nada pediu nem exigiu para si. Outros protagonistas da altura partilha(ra)m o mesmo espírito. Suponho que esses, pela sua generosidade, não condena(ria)m o meu reducionismo, pois que nele homenageio todos.

Pela liberdade. Obrigado.

Viva o 25 de Abril!

José Batista d’Ascenção

domingo, 20 de março de 2022

Fragilidades da(s) democracia(s)

Depois dos sustos da pandemia vírica (ainda não extinta), as populações de muitos países almejavam por tempos de expansão e liberdade, como se isso fosse tão necessário como o ar que se respira. Nas democracias da Europa ocidental não se imaginava a situação de guerra que deflagrou no coração do seu espaço geográfico (e seu mal protegido “celeiro”…). Mas devia, porque a natureza humana é como é. Os (maus) instintos podem soltar-se em (todos os) momentos propícios, coisa que já devíamos ter aprendido há muito, se estudássemos História como a História merece ser estudada.

O “bicho homem” continua a ser um animal da natureza, por debaixo do verniz social que é a educação. E a educação é um conjunto de convicções e acções, muito mais do que alguma disciplina científica. Mesmo que deste modo a consideremos, em teoria, haverá sempre a crueza dos factos a acentuar a desconformidade entre desejos autênticos ou convencionais e a realidade. Realidade que, não obstante, não permite nem sugere que abdiquemos da educação, antes pelo contrário.

Vem-me isto a propósito do líder Putin, para mim um criminoso e um assassino, até agora impune. Ele e os que colaboram estreitamente com ele. O facto de serem muitos só acentua o carácter chocante e cruel do mundo concreto. As ditaduras são, em si mesmas, criminosas, mas criminosos há também, e numerosos, nas democracias, gozando de liberdade…

Educação, democracia e liberdade são flores frágeis de um mesmo jardim, que exigem atenção e cuidados permanentes – muitos cuidados.

José Batista d’Ascenção.

sábado, 12 de março de 2022

A escrita que devia ser bem escrita


Cada vez mais, nas televisões, nos jornais e nos mais diversos meios e suportes, vejo pessoas com particular responsabilidade cometerem erros de português que (me) fazem impressão.

Creio que a escola tem aqui uma enorme responsabilidade. Pego nos manuais de ensino que uso e espanto-me com páginas repletas de mapas conceptuais (caixas com termos unidas por linhas, cuja utilidade, a meu ver, se restringe a esquemas razoavelmente pequenos e claros); os exames e testes quase só com perguntas de opção (de letras ou cruzinhas), que tenho de imitar; a profusão de jogos “pedagógicos” que não exigem escrita; etc. Não admira que sejam poucos os alunos que gostam de escrever. E não são muitos os que o fazem escorreitamente, na nossa bela língua. Para mim são perdas de consequências mal medidas.

Depois há as confusões trazidas pelo chamado “acordo ortográfico” (de quem com quem e em nome de quem?), que muitos usam numas palavras e noutras não no mesmo texto (como também me acontece, por estar obrigado ao seu cumprimento, enquanto professor). E há ainda novas posições sobre a “igualdade de género”, que, tomada à letra, aumenta inutilmente o número de palavras num texto, sem lhe acrescentar clareza ou elegância.

O mal maior é que (me) parece que quase ninguém se importa (muito) com isto.

A nossa pátria não é a língua portuguesa bem escrita.

José Batista d’Ascenção.

PS: Putin é um criminoso frio, inumano e muito perigoso. A Europa tem (há muito) lideranças murchas. E não faltam nos meios de informação opinadores que contemporizam com ou justificam a invasão russa da Ucrânia - atribuindo a culpa aos ocidentais, vejam só! 

quinta-feira, 3 de março de 2022

A minha segunda cirurgia de otorrino, pela mão de excelentes jovens médicos num excelente hospital público

Dia 02 deste mês, cedinho, segui com confiança e a calma que pude, na companhia da Lurdes, para o Hospital de Braga.

Feitos os preparativos, na marquesa do bloco recebi os bons dias amistosos e o olhar incentivador da Dra Cátia Azevedo e passei de imediato a colaborar com a simpática anestesista. Os demais especialistas, envolvidos nas suas batas, não os distingui, no momento.

Às catorze horas, mais ou menos, acordava bem disposto no recobro. Transferido para o quarto, recebi a simpatia das funcionárias e da enfermeira, atenciosa e eficaz. O meu companheiro do lado oposto, o Sr José, que não ouve nem fala, nem por isso deixou de mostrar solicitude.

Passei bem a tarde. Antes e depois de jantar já respondi a mensagens de algumas pessoas.

Não quis a TV ligada nem à tarde nem à noite. Além da publicidade, o futebol deixou há anos de me interessar. E ambos me aborrecem. Por isso mergulhei na leitura de um clássico de aventuras que me faltava: “Miguel Strogoff” de Júlio Verne. Saboreei boa escrita e constatei, ainda que ficcionado, o sofrimento do povo russo siberiano às mãos dos tártaros, em guerra tão injusta como a que o líder actual da Rússia pratica sobre a Ucrânia, sofrimento que suponho igual em todas as guerras, de todos os tempos. Não parei a leitura até acabar. Para meu gosto, apesar da relação forçada entre a fisionomia e o carácter das pessoas, do desajuste da noção de raças humanas, da crença em presságios concretizados e de certo paternalismo machista, tudo marcas de um tempo. E em homenagem à Ucrânia, referida uma vez na obra, assim como a cidade de Kiev (pg. 355).

No dia 03, acordei cedo e igualmente bem disposto. Após o pequeno almoço tive a visita do Dr Nuno Costa, meu brilhante ex-aluno (no ensino secundário), que também participou na cirurgia e me esclareceu resumidamente do que foi feito.

Ao Hospital de Braga, aos seus funcionários e equipas de enfermeiros e de médicos, deixo registo do meu agradecimento.

José Batista d’Ascenção.

sábado, 1 de janeiro de 2022

Ano Novo, sonhos de sempre

Dobradas as 00.00 horas do primeiro dia do ano, celebrado o momento pelos que puderam fazê-lo com mais ou menos conforto, foram muitos os que pensaram em desejos para o futuro.

Importa muito essa esperança, ainda que ilusória, perante a vida que se repete, os velhos problemas que persistem, as “reais” perspectivas de saúde, de trabalho, de projectos, de anseios e de receios, numa luta frequentemente muito difícil, que é preciso enfrentar.

Preparemo-nos.

Pelo tempo vamos. Ou é o tempo que passa por nós, firmando as suas marcas – as marcas da nossa individualidade.

Repetindo-nos, começámos hoje. Começaremos amanhã, e depois… Cada um de nós. Cada um dos outros. Entre os que morrem e os que nascem. E há também os que renascem.

Renasçamos, pois, quanto nos for possível, no caminho e para o caminho, nosso e de todos, porque isolados e sem solidariedade somos nada. Fragilmente humanos, dependemos ainda, e inteiramente, de toda a comunidade de vida, nos ambientes que a permitem, e que não temos o direito de delapidar.

Que o futuro a haver inclui necessariamente o contributo de cada um.

Bom Ano.

José Batista d’Ascenção