terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Pela ciência. Por quem a defende. Por nós.

«Leio sempre com muito interesse os artigos de David Marçal versando sobre quaisquer assuntos do domínio da ciência, por contraponto com a pseudociência e as notícias falsas, as quais misturam meias-verdades com falsidades, com motivações que vão da economia, à ideologia e à política.

Foram precisos muitos séculos, o brilhantismo ou o génio e, também, a dedicação de muitas pessoas para atingirmos o nível de conhecimentos científicos que nos permite níveis de vida com um grau de qualidade que nunca se tinha alcançado.

Porém, surgem no horizonte perigos vários, particularmente o falhanço da escola e as limitações da comunicação social séria e isenta, que fazem disseminar a ignorância e facilitam a difusão de conteúdos sem rigor nem verdade.

O caminho da escuridão não augura nada de bom, da alimentação à saúde, ao modo de vida, à justiça e ao bem comum.

Precatemo-nos a tempo. A bem de todos.

Muito obrigado a David Marçal e a outros como ele.»

José Batista d’Ascenção

Adenda: Texto publicado hoje, sob a forma de carta, no jornal «Público», com o título «Pela ciência».

sábado, 27 de janeiro de 2024

Raízes do que somos

Deu-me para ler o livro «Entre o Céu e o Inferno», de Marco Oliveira Borges, da editora «Crítica», sobre as condições de vida nas naus da expansão portuguesas, mais concretamente a «Carreira da Índia», entre 1497-1655.

Estava curioso sobre diversos aspectos, como as linhas orientadoras fundamentais da empresa histórica, o relacionamento entre os embarcados, dos mais poderosos aos mais humildes, e certos hábitos diários, desde a prática da higiene diária ao recurso ao canibalismo. Sobre canibalismo, respigo …«algumas pessoas da nau São Bento, em 1554, já em terra, sentiram necessidade de comer cafres para sobreviver. […] todavia, o contrário também acontecia, com os sobreviventes portugueses de naufrágios a temerem pela sua vida na costa oriental africana, ou até mesmo no litoral brasileiro» (p. 134). A fome e a sede obrigavam a «beber água do mar e urina, comer couro cozido, sola de sapato, serradura de madeira, ratos, papel ou até mesmo cartas náuticas», tornando estas práticas «hábitos relativamente frequentes […], não se podendo «esquecer igualmente a carne pútrida dos cadáveres humanos (p. 139). Acrescente-se que «estes aspectos decadentes não eram exclusivos dos navios portugueses» (ibidem).

Sempre me pareceu que a tavessia trans-oceânica com o fito na Índia e possíveis transacções comerciais correspondia a objectivos muito determinados, por obra de gente com muita ambição, suportada em mareantes de grande saber e capacidades. Reforcei essa convicção. Porém, o incumprimento das normas e determinações régias, face aos interesses, cobiça e poder de capitães, pilotos e mestres das naus não surpreendeu. Nem foi surpresa a desorganização no recrutamento da marinhagem e dos soldados, os quais, em muitos casos, nunca tinham andado no mar. Da prisão do Limoeiro saíram, para o efeito, muitos criminosos, cujo cadastro e procedimentos os tornavam temíveis e nada recomendáveis. 

Uma agravante de tomo era a imensa ignorância que atribuía aos pecados de tripulantes e passageiros a violência das tempestades, a acção de monstros marinhos, os ventos contrários e as calmarias, o encontro com navios piratas ou o aparecimento e propagação de doenças (como o escorbuto).

Nas naus, procurava-se curar qualquer doença recorrendo a mezinhas e rezava-se para obtenção dos benefícios de Deus, para esse e para todos os males, na crença de que eram concedidos aos confessados e seguidores das práticas religiosas.

As relações entre todos facilmente descambavam na mais brutal violência, particularmente dos mais fortes sobre os mais fracos, como era o caso dos escravos. Os (considerados) culpados podiam ser enforcados, decepados de algum membro ou lançados ao mar (como também o eram os livros profanos, para não tornarem mais pecadores os poucos que os sabiam ler…). O poder e o abuso do poder assentavam igualmente na violência, fazendo valer estatutos sociais, de nobreza ou de função; os abusos também eram motivados por interesses materiais ou pela satisfação de instintos corporais, desde a fome ou a sede, ao vício do jogo ou aos apetites sexuais (a que não escapavam alguns membros do clero).

Valeu a pena, a leitura.  

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Saudades de amanhã

A Primavera não demora e, antes de chegar, dias bonitos, luminosos e tépidos a farão desejar ainda mais. O calendário está (a ficar) do nosso lado, como acontece ciclicamente. A disposição de espírito, dependendo de muitos factores, particularmente do estado de saúde, não é alheia à luz e à paisagem, como se sabe.

Do modo como sinto, não tenho lugar para as saudades de primaveras passadas (cronológicas ou outras) e esforço-me por atenuar as lembranças dos invernos da vida pretéritos, dos mais recentes aos mais antigos.

O que (me/nos) aconteceu de bom já foi, mas, recordá-lo, reconforta e fortalece a convicção de que mais – e melhor, quem sabe? – pode acontecer, particularmente no que depende de nós. Suponho que um motivo fundamental da “sorte” reside aí. E é preciso construir a “sorte”, o que dá muito trabalho, e pode não ser suficiente. Por falar em trabalho, é uma sorte tê-lo (outra vez a sorte) e poder realizá-lo com gosto. Claro que há sempre as condicionantes da vida pessoal, desde as qualidades e defeitos, nossas e dos outros, à cidadania, à política e ao governo do país. E tudo isso exige esforços hoje e amanhã, sem endeusamento (e correlativa adulteração) das imagens de tempos idos, pela memória do que desejamos que tivessem sido.

De resto, o país é melhor, muito melhor, do que há cinquenta anos. Que nos sintamos mais ou menos felizes do que supomos que aconteceria então, isso depende da psicologia de cada um.

A educação em casa, primeiro, e na escola, depois, devia ser eficaz nesta matéria.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

A passagem do tempo e a vivência interior da amizade (no meu caso)

Desde menino trago na mente e no peito uma quantidade de pessoas, parte das quais não vejo, nem com elas falo, desde há décadas. Isto é assim e pesa-me. Tanto mais que toda essa gente é muito importante para mim, o que aumenta o meu sentimento de culpa.

São os que sempre estimei e admirei, por terem as qualidades e as capacidades que gostava de ter e não tenho. Os que procediam e procedem rectamente, em obediência a princípios que partilho. Os que são de uma bondade e generosidade como eu gostava de ser e que naturalmente persistem na prática da compaixão e do bem comum.

Estas características só dispersamente as encontrei em familiares consanguíneos, com excepção do meu avô materno, que guardo como figura inspiradora. Os meus filhos são outra conversa, mas aí devo ser muito parcial, pelo que não me pronuncio.

Penso, aliás, que as famílias são como as pessoas: têm do bom e do menos bom, pelo que tomo cada indivíduo pelo balanço do que é e do que faz. Não endeuso ninguém, nem tenho ídolos, mas há aqueles que admiro e estimo profundamente, sendo que alguns deles nem sequer o sabem.

Este grupo engloba os que me dirigem mensagens de carinho, de conforto e de esperança, sem que algumas dessas pessoas me conheçam pessoalmente, nem eu a elas.

Esta bondade das pessoas boas é o bálsamo que encontro para as minhas decepções com o mundo, em que fracamente confio.

A elas estou grato, porque nelas e no seu exemplo, por vezes muito discreto, reside a minha esperança.

A elas envolvo num abraço amigo, solitariamente vivido.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Em quem (vou) votar? (III)

Sobre os pequenos partidos, do 5º ao 9º, segundo a sondagem referida na figura ao lado.

A IL, do que percebi dos seus líderes (politicamente melhor o anterior do que o actual) e do candidato que apresentou à presidência da república, para além de visibilidade e poder, não sei bem o que pretendem. E também não sei se eles sabem.

O partido PAN é o palco da sua líder, uma máquina de falar que parece tratar bem da vida (dela), enquanto a organização que dirige se envolve em causas como a de reclamar a justificação de faltas ao trabalho devido a luto por animais de estimação, possibilidade que, deixando de fora prioridades orçamentais, dificilmente teria aplicação universal justa, porque há muitas pessoas, particularmente as mais pobres, que, tendo animais (dos mais diversos…), não fazem registo deles. Mas, que (lhes) interessa isso?

O PCP tem um líder abnegado, que sucedeu a Jerónimo de Sousa, homem firme, simples e simpático. Para além da ideologia, que não resultou bem em tempo algum, em nenhum lugar, ambos me deixaram sem pinga de sangue quando consideraram a invasão da Ucrânia uma «operação militar especial». Álvaro Cunhal era ortodoxo como um rochedo, mas tinha uma qualidade intelectual fora de série, tão elitista como a sua cultura, o que não devia ser crime, sob qualquer ponto de vista. Firmes, os militantes do PCP caminham para a extinção natural, dá-me ideia. O que (também) é um direito deles.

O Livre tem um líder com um discurso coerente e algumas ideias. Mas como esquecer aquela escolha para deputada de Joacine Katar Moreira, que se achava fadada para o cargo, que exerceu excessivamente centrada na exibição das suas tendências pessoais, confundidas com algum referencial de ética e valores extensível a todos?

O CDS parece jazer morto e enterrado e ninguém lhe chora o finamento. Justamente, parece-me, atendendo ao seu percurso evolutivo e à diversidade incongruente de chefes (saudade de Lucas Pires). O líder actual talvez ainda não tenha percebido que não o é. Por isso, procura salvar-se numa coligação, que não lhe diminui a subalternidade. No mínimo ficará como deputado, nacional ou europeu, quando já devia ceder o lugar a outro. Está cheio de sorte.

Chegado aqui, constato: o sistema político-partidário é o que é e como é por falta de cidadania exigente de cada um de nós, eu incluído.

Quanto à questão em epígrafe, permaneço na dúvida.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Em quem (vou) votar? (II)

Sobre os 3º e 4º partidos nas intenções de voto, segundo a sondagem a que a figura se refere.

O terceiro partido em intenções de voto, a fazer fé nas sondagens, é um horror, de ideias idênticas às de Trump, Bolsonaro ou Milei e não destoando de Putin ou Maduro. Portugal não está bem, mas não é de um Salazar(zinho) que precisa. Acontece que o seu líder é um demagogo muito hábil e sem escrúpulos, o que me parece perigoso. Sape, gato!

O bloco de esquerda, que sempre teve personalidades de valia intelectual (Louçã, Marisa Matias, Mariana Mortágua) navega com pouca lucidez em questões supostamente fracturantes. Recordo um seu quadro que, um dia, numa entrevista de jornal, se orgulhava de, no seu tempo de estudante, ter conseguido que os sanitários de professores da sua escola passassem a ser usados pelos alunos. O que logo me lembrou os meus colegas docentes que, como eu, envelhecidos e fragilizados, nem dos mictórios podem servir-se com os cuidados e o vagar necessário, porque pode haver alunos que entram por ali adentro, abrindo as portas a empurrão, molhando o chão ou esfarelando papel, e saindo indiferentes ao dístico que, à entrada, informa que aquele espaço é (seria) para professores. Um visionário que ficou na adolescência, aquele militante. Nem falo daqueloutro que, muito esquerdista na teoria, conseguia bons rendimentos no negócio de alojamento local em Lisboa, contrariando a filosofia do partido.

Mariana Mortágua sabe de economia. Coisa diferente é saber se a política real, com pessoas concretas, poderia levar à prática certas ideias teóricas… Ora, não se conhece lugar onde isso tenha acontecido com sucesso.

José Batista d’Ascenção

domingo, 7 de janeiro de 2024

Em quem (vou) votar? (I)

Sobre os líderes dos dois maiores partidos do espectro político português, de que sairá o novo primeiro ministro.

O secretário geral do PS e o presidente do PSD inspiram(-me) pouca confiança.

O novel líder do PS, impetuoso e voluntarista, em tempos, propôs que se ameaçassem os credores de não lhes serem pagas as dívidas, pondo-os a «tremer»; enquanto ministro, autorizou, via redes sociais, uma indemnização a uma «girl», que saiu de um cargo apetecível na TAP para ir ocupar outro porventura mais apetecível no governo, e «esqueceu-se» de que tinha dado a dita autorização durante o tempo todo em que as circunstâncias o não obrigaram a recordar-se. Acabaria por abandonar o governo na sequência de despacho pessoal sobre o famigerado novo aeroporto, que obrigou o primeiro-ministro a revogá-lo de imediato, parecendo, dessa vez, que morria politicamente. Escassos meses depois começou a ressurreição que entusiasmou os correligionários do aparelho. O homem é determinado, mas preocupa os que, como eu, associam certas impetuosidades à lembrança do ex-primeiro ministro Sócrates, que conduziu o governo do país, durante anos, de modo similar àquele que usara para obter um diploma académico de engenheiro técnico, e queixando-se, desde a sua queda política, de ser um perseguido da justiça.

O presidente do PSD esforça-se sem chama e sem carisma; é involuntariamente secundarizado pelo seu «pai político» mais antigo, quando este lhe indica o caminho; vive incomodado com a popularidade do governante que foi «além da troica», cujas medidas não pode assumir nesta altura; chamou «pipis» aos adversários, ele que mora numa habitação com seis pisos (será uma casa «pipi»?); e viu-se atarantado quando um seu próximo partidário, acusado de corrupção, tardava a afastar-se da vice-presidência da bancada parlamentar do PSD. Ele sabe que o seu partido “canibaliza” presidentes a um ritmo voraz. Não adivinho se a glória dele está para vir ou se nunca virá, mas não creio que nos pudesse ou possa levar longe nem bem.

Dava os dois – Santos e Montenegro - pelo preço mínimo: o favor de os levarem para onde não dessem prejuízo.

José Batista d'Ascenção