segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Os portugueses não gostam de árvores

«Poda» numa árvore da margem do rio Vez
(Agosto de 2019)
Nos espaços urbanos, ruas, avenidas, praças, jardins e parques, ou na berma das estradas, podamo-las de forma contundente, de tal forma que, em muitos casos, se deveria falar em mutilação radical.
No Verão, em consequência da falta de ordenamento e de gestão e do mau trato que damos à floresta, são devastadas nos incêndios em que se consomem violentamente flora, fauna, culturas, habitações e até vidas humanas.
Em muitas zonas, devido a interesses vários (construções, prática agrícola, criação animal e outras) as árvores desapareceram e deram lugar a fenómenos curiosos, como a quantidade cada vez maior de ninhos de cegonha nas torres das linhas eléctricas de alta-tensão no baixo-Mondego, por falta de árvores próximas da fonte de alimento, ali mesmo, nos campos de arroz.
Infelizmente, o problema não é só nosso, basta vermos o desmatamento acelerado que a floresta amazónica – o maior «pulmão» do mundo – sofre, sem travão eficaz.
Ninhos de cegonha, no baixo Mondego. Fonte da imagem: aqui.
E contudo, as árvores são imprescindíveis, por vários motivos, entre os quais:
- fornecerem oxigénio, que libertam na fotossíntese, processo em que absorvem dióxido de carbono, na mesma proporção;
- produzirem matéria alimentar para os herbívoros e omnívoros que consomem os seus frutos, folhas, caules, raízes ou sementes;
- atapetarem os solos de manta morta e fixarem os solos nas vertentes com as suas raízes, retendo as águas de escorrência e diminuindo a erosão;
- libertarem vapor de água para a atmosfera, assim morigerando as temperaturas nos dias de canícula, efeito que também resulta da sombra das copas frondosas;
- de muitas delas se terem extraído substâncias químicas usadas como medicamentos, substâncias que, só depois, passaram a ser sintetizadas em laboratório (caso do ácido acetilsalicílico, da vulgar aspirina, que se origina a partir do ácido salicílico presente, por exemplo, na casca de salgueiro (planta do género Salix), que era mascada para se obterem efeitos antipirétidos e analgésicos; caso também do taxol, um químico primeiramente extraído da casca de teixo, com potente acção anticancerígena. O efeito real de algumas «mezinhas» radica em causas similares, sendo que, nalguns casos, por efeito tóxico e elevada dosagem, o desfecho pode ser desfavorável…);
- outras plantas foram, de há muito, usadas para extracção de fibras vegetais com que se produziram tecidos como o linho e o algodão, ou o  sisal usado para produzir cordoaria e tecidos grosseiros;
- servirem de habitat para grande número de animais, de insectos a aves e mamíferos.
- embelezarem a paisagem;
As árvores também nos dão a madeira, para os mais diversos fins, assim como a pasta de celulose, não sem custos ambientais...
Tal é a sua importância que, sem florestas, não podemos sobreviver.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Espírito natalício e natal comercial

Imagem adaptada, a partir daqui.
Há no fundo do coração humano um lastro intrínseco de bondade, que devemos estimular permanentemente e fazer vir ao de cima, tanto quanto possível, ou os esforços para sermos bons são isso mesmo: esforços que precisamos de cultivar (em nós e nos que educamos) para que não nos «canibalizemos» uns aos outros, desde as origens e para (todo) o futuro da espécie, como a História da humanidade parece demonstrar? Por outras palavras, há bondade constitutiva nos seres humanos, pelo menos em parte deles, ou, na realidade, o que predomina é mais um «verniz» que nos permite ir vivendo com a sociabilidade possível?
Sou pela primeira possibilidade, por pensar em tantas pessoas que conheço. O espírito desta ideia, em relação com a quadra, encontrei-o na releitura da história assombrada de «Ebenezer Scrooge» e principalmente dessa outra «...história de duendes sobre uns sinos…», do mesmo autor, a que voltei por estes dias.
Não fossem os mais próximos, entre familiares e amigos (que são outro modo de ser família), em especial os mais pequeninos, particularmente quando inocentes, e o Natal ou seria um acto de fé penitencial ou um artifício variável na escala entre o prazer e o sofrimento. Mas, em família, com os meninos, pelos meninos e para os meninos, o Natal torna-se autêntico, profundo e comovente. E até os adultos podem voltar à infância, de preferência sem infantilidade, e emprestar-lhe a sinceridade que a inocência das crianças justifica. E então o Natal é uma festa, bela, terna e reconfortante.
É porém excessivo o que podem hábitos, cicatrizes e vícios, enquanto marcas do tempo e das vivências. O egoísmo e a ganância medram e expandem-se em todos os tempos, e emergem, com ou sem disfarce, a cada momento. Pelo Natal também. Então, para quem pode, é uma correria à procura do que se precisa e (fundamentalmente) do que não se precisa, para dar vazão a ânsias e instintos de consumir, consumir, consumir: no que se deseja, no que se pede, no que se exige, no que se dá, no que se recebe, no que se exibe e, até, no que se esconde ou não se quer ver. Fabricamos necessidades, mesmo com o argumento de suprir as necessidades de quem as tem verdadeiramente (e que não é, normalmente, quem mais se faz ouvir ou notar). Da Natureza extraímos tudo o que se pode converter em dinheiro. E pelo dinheiro destruímos infindavelmente o equilíbrio da Natureza, a saúde e o relacionamento das pessoas e também, imagine-se!, a economia das sociedades. Em extremo, fabricam-se armas e recorre-se à guerra. De todo o modo, enchemos o planeta de lixos e venenos, em contraposição à esperança que sempre colocamos em dias melhores. E, ao bem-estar de quem pode e manda, normalmente poucos, corresponde a penúria dos desprotegidos, tendencialmente muitos. É certo que a sociedade dita ocidental, que estatuiu os direitos humanos, é, apesar disso, a melhor que conseguimos, fruto de notáveis progressos científicos e culturais. Mas não o é para todos e tem crises de regressão, que exigem que não desistamos de praticar e de perseguir o bem comum.
Pelas crianças, no mínimo.
O Natal é sempre Natal.
Festas Felizes. 

José Batista d’Ascenção

sábado, 14 de dezembro de 2019

Um livro por que (se) aguardava há anos

Ontem, ao fim da tarde, tive o privilégio de receber, das mãos do autor, o livro «NATAL VERDE, 30 anos de postais de Jorge Paiva», que anteontem foi apresentado ao público, em Coimbra, perante numerosa assistência. São cento e quarenta e cinco páginas, em papel e com imagens de qualidade, com os originais postais de Natal que o Professor Jorge Paiva foi enviando a milhares de pessoas ao longo de décadas. Cada um desses postais é uma lição bilingue de um dedicado naturalista botânico sobre a estrita necessidade de os humanos compreenderem e respeitarem o funcionamento da mãe Natureza, com belas e pertinentes imagens fotográficas do autor, obtidas nas mais diversas partes do mundo. Essas imagens e a mensagem que as acompanha são de forte impacto e de grande sensibilidade. Um mimo.
Editaram esta obra o Exploratório Centro de Ciência Viva de Coimbra, a Imprensa da Universidade de Coimbra e a Ordem dos Biólogos. Em boa hora.
Por condição prévia do Professor Jorge Paiva, cada escola básica e secundária receberá gratuitamente um exemplar para a sua biblioteca. Um belo e útil presente de Natal para as escolas de Portugal. E para cada pessoa que o receber, pelo Natal ou em qualquer altura.

Ontem mesmo, no meu contentamento, não me contive que não começasse a minha humilde (mas bem intencionada) «chantagem» junto do Professor Jorge Paiva para que escreva um livro, que não precisa de ser muito extenso, sobre a «História da Silva [floresta] Lusitana», numa linguagem acessível ao leitor comum. Era uma acção de cidadania e de educação ambiental de que a população portuguesa me parece muito carecida, e que contribuiria para nos encaminharmos num sentido que minimizasse a praga dos incêndios e o modo «rapace» de exploração florestal que prosseguimos. Esse livrinho até podia ter uma versão para adultos e uma outra infantil, destinada às crianças pequeninas, com ilustrações a condizer.
Claro que o Professor Jorge Paiva não tem para onde se virar, mas nós, os que o não largamos para que venha às escolas (e se lhe pedimos, ele não consegue dizer que não), bem podíamos prescindir temporariamente da «exigência», para lhe «concedermos» mais tempo para a execução da obra.

Com um grande obrigado. De sempre e para sempre.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Função geral dos fungos na Natureza

Exemplar de «Amanita muscaria», um fungo alucinogénio.
Estabelece micorrizas com pinheiros, abetos e outras árvores.
Os fungos são um curioso (e enorme e diversificado) grupo de seres vivos. Não são plantas (não produzem matéria orgânica – alimento – por exposição à luz), nem são animais. Também não pertencem ao mundo («reino») dos protozoários: seres uni ou pluricelulares, mas, neste caso, com as células pouco diferenciadas umas das outras, nem ao «reino» das bactérias: seres unicelulares ou coloniais (agregados celulares, com morfologias diversas), cujas células não possuem núcleo nem organitos membranares (células procarióticas), apresentando uma estrutura mais simples do que as células nucleadas e providas de organitos com membranas (células eucarióticas) de todos os outros seres vivos: protozoários, fungos, plantas e animais.
Uni ou multicelulares, todos os fungos se alimentam de matéria orgânica que não produzem. Alguns são parasitas, como os que se instalam na nossa pele, provocando «micoses» ou atacam as plantas, como o oídio das videiras. Outros consomem matéria orgânica morta (dizem-se «saprófitas») aproveitando-lhe a energia e reduzindo-a a matéria mineral. Ou seja: são decompositores. Se não houvesse decompositores (entre fungos e algumas bactérias), os cadáveres dos animais e das plantas e os seus detritos ou partes destacadas (revestimentos de animais, ramos partidos, folhas, etc.) permaneceriam indefinidamente na Natureza. Então, as florestas «afogavam-se» na folhagem que delas se desprende todos os anos e os corpos dos animais (e pessoas) sem vida cobririam a Terra. Devido à acção de bactérias e dos fungos saprófitas, os restos orgânicos são mineralizados, após a putrefacção, e a matéria inorgânica (água, dióxido de carbono e sais minerais) é devolvida ao meio de onde pode ser novamente absorvida pelas plantas verdes, que, com ela, fabricam alimento para si próprias e para (todos) os animais, que o obtêm directa ou indirectamente. Por isso dizemos que as plantas verdes são seres autotróficos. Já os animais, como os fungos e todos os seres que não fabricam a matéria orgânica de que se alimentam, chamam-se seres heterotróficos.
Mas o papel dos fungos é mais vasto. Alguns produzem antibióticos com o que impedem o desenvolvimento de bactérias, suas competidoras. Em 1928, o médico e cientista escocês Alexander Fleming descobriu a penicilina, substância produzida pelo fungo  Penicillium notatum. Por alturas da segunda guerra mundial iniciava-se a «era dos antibióticos», que passaram a ser largamente usados, com progressos notáveis na saúde, até ao excesso de utilização, com preocupante perda de eficácia, verificada a partir dos finais do século XX. Outros fungos filamentosos, que também incluem o bolor do pão ou o dos frutos dos citrinos, proliferam na folhagem em decomposição no chão das florestas (manta-morta) e por entre as partículas do solo, onde crescem as raízes das plantas. Muitos destes fungos estendem-se por dezenas e dezenas de metros e «infectam» as raízes, associando-se com elas: das plantas recebem matéria orgânica e, em compensação, absorvem sais minerais e água que disponibilizam às plantas. A tais associações mutuamente benéficas, chama-se «micorrizas». Na produção artificial de plantas, as raízes são muitas vezes contaminadas com fungos para promover o estabelecimento de micorrizas, como garante de crescimento eficaz, sem o que haveria definhamento e morte.
Os cogumelos, comestíveis e não comestíveis, são estruturas de fungos filamentosos que crescem sobre o solo e destinam-se à reprodução e disseminação desses fungos. A apanha intensiva de cogumelos, muito procurados pelas suas qualidades culinárias, pode comprometer a sobrevivência dos fungos e a produtividade natural de cogumelos, o mesmo podendo acontecer com plantas de cultivo e árvores florestais.
A produção artificial de cogumelos requer «apenas» matéria orgânica em decomposição e pode fazer-se no escuro, em espaços fechados, por exemplo em «gavetas», com condições de humidade e temperatura controladas.
Alguns cogumelos produzem substâncias venenosas ou alucinogénias para protecção contra os predadores, incluindo o ser humano. Outros «imitam» a forma e a cor dos que são venenosos para o mesmo efeito. Donde, são precisos conhecimentos e precaução na apanha de cogumelos. Conveniente é também o conhecimento mínimo do seu papel e importância na Natureza.

José Batista d’Ascenção