sábado, 28 de setembro de 2019

Competição e cooperação

Fonte da imagem: aqui.
A palavra competitividade tornou-se habitual, e não apenas nas áreas da economia e dos negócios ou do desporto. Competem as escolas. Competem as universidades. Competem os empresários. Competem os trabalhadores. Competem os políticos. E competem os cidadãos, não necessariamente pelo bom desempenho da cidadania. Vencer não é para todos, mas parece que cada um deve lutar para se sobrepor aos demais, pelo menos em alguma coisa…
A História da humanidade terá sido sempre assim. Resta saber se a condição é inexorável ou se podia ser de outro modo.
Não há dúvida de que ter alguém ou algo para emular é ou pode ser factor de progresso pessoal ou de grupo. E confrontarmo-nos com o trabalho dos pares é referência e estímulo para que possamos melhorar as nossas «performances», como agora se diz.
Na Natureza selvagem, a competição é comummente muito dura. O darwinismo explica-a cabalmente.
Mas há, por outro lado, a cooperação, a colaboração e, entre os humanos, a cultura da humildade, da discrição e da solidariedade.
O ser humano é o que é pelos genes que herda e pela educação que recebe. Mas ainda ninguém determinou o peso específico de cada uma daquelas componentes… Acresce que, pela diversidade genética e pelos factores educacionais, nenhuma pessoa é exactamente igual a outra (nem mesmo no caso dos gémeos verdadeiros) e é bom que cada um se possa sentir original e irrepetível, como de facto é. Obviamente, passa-se o mesmo com as capacidades individuais. São factos que devemos considerar e respeitar. Donde, rasoirar as diferenças pessoais é ilegítimo e contraproducente.
Em conformidade, as condições para que cada um expresse as suas capacidades devem, tanto quanto possível, constituir direitos das pessoas. Já o produto do trabalho deve ser creditado a quem o realizou, por ser de justiça elementar.
Por isso, talvez seja possível e desejável encarar o mutualismo e a cooperação como vias preferíveis à competição sem regras justas, em obediência a valores firmes e bem definidos. Num qualquer grupo ou equipa, a soma das qualidades de todos é seguramente maior que a totalidade das qualidades de qualquer um. Ora, se for possível compatibilizar e exponenciar as potencialidades do conjunto e colmatar ou minimizar (por complementaridade) as insuficiências individuais, o produto das acções resultará melhor e/ou mais fácil.
A pergunta que pode colocar-se é: se isto é possível porque é que não acontece normalmente?
E se fosse porque ainda não nos esforçámos o suficiente para o conseguir?

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Heróis sem capa. Jory: Um avô especial [Jorge Paiva], pelos olhos da neta [Mafalda(*)]


Heróis! É verão, finalmente! 
Estamos em agosto, o que significa que um novo herói se juntou à nossa equipa. Está na altura de conhecerem o Jory, um protetor da Natureza que ama todos os seres vivos e que é inspirado numa pessoa muito importante para mim: o botânico português (que, só por acaso, é meu avô) Jorge Paiva. 
A flor que o Jory tem na mão é da Polygala myrtifolia, que tenho num vaso em casa.
As Polygala (cerca de 750 espécies) são as plantas que o meu Avô mais estudou.
Quando era pequena, olhar para o meu avô era ver alguém que dava tudo o que tinha e algo mais por um bem maior, por um planeta melhor, por uma floresta melhor. Crescer com ele na minha vida mostrou-me que o trabalho árduo traz consigo muitas frustrações, principalmente aquelas que fogem do nosso controlo. No entanto, aprendi também que as recompensas associadas a esse trabalho árduo trazem mais força para combater as frustrações. Ouvi-lo falar sobre o seu trabalho enche-me o peito de orgulho. Vê-lo dar palestras sobre o que realmente o apaixona inspira-me e motiva-me a seguir os meus sonhos. Tudo o que eu sei sobre a flora foi ele que me ensinou. Todo o interesse que eu tenho em preservar a floresta (e o planeta) foi ele que mo passou. Todas as frustrações que sinto quando o nosso país arde (o que, infelizmente, acontece todos os anos), existem porque ele me ensinou a importar-me com o assunto. 
Vi o meu avô, durante toda a minha vida, a lutar por aquilo em que acredita e a defender a Natureza como ninguém. Vi-o dar aulas, conferências, escrever livros e artigos, aparecer na televisão (sempre foi muito entusiasmante) e em revistas e a ir para expedições perigosas. Vi-o preparar eventos, receber um prémio e inúmeras homenagens e construir uma carreira de sonho. Vi-o dar nome a novas espécies de plantas e a ter quem desse o nome dele a plantas de espécies novas. Vejo-o inspirar todas as pessoas que têm a sorte de o conhecer e hoje ainda estou a aprender sobre ele.
Crescer ajudou-me a conhecer bem o meu avô. Ajudou-me a perceber que não é só para mim que ele é um herói. Todo o trabalho silencioso que ele faz por tanta gente, sem nunca pedir reconhecimento (aliás, às vezes exigindo que não lho dêem) e toda a ajuda que ele disponibiliza fazem dele uma pessoa ainda melhor e acima do crédito que o mundo lhe dá. Cada vez que o verão chega, penso no meu avô mais do que o normal. Isto porque sei que ele muito provavelmente vai ficar mal e zangado, mais tarde ou mais cedo, com o estado dos incêndios em Portugal. É todos os anos a mesma tragédia, e eu só gostava que lhe prestassem mais atenção, que levassem o que tem a dizer sobre o tema mais a sério. Não só por ele, mas pelo país inteiro. Esse é um dos motivos pelos quais o apresento hoje.
Vou deixar em baixo uma série de links para conhecerem melhor o meu avô e o seu trabalho. 
Com todo o amor do mundo me despeço, heróis. Boas férias e até já!
Jorge Américo Rodrigues de Paiva - Ciência Viva
http://www.cienciaviva.pt/premioscvmontepio2014/GPCV/
Botânico Jorge Paiva distinguido pela SPECO 
http://noticias.uc.pt/universo-uc/botanico-jorge-paiva-distinguido-pela-speco/
"Os incêndios e a desertificação do Portugal", por Jorge Paiva (2006)
https://www.publico.pt/2006/01/23/jornal/os-incendios-e-a-desertificacao-do-portugal-florestal-59818

(*) A Mafalda tem vinte e três anos, é “designer” pelas Belas Artes de Lisboa e mestranda pela Universidade de Barcelona. Publica livros para crianças, escritos e ilustrados por si. Tem um “website” e um “blog” em que escreve sobre “heróissemcapa”, com um “boneco” desenhado por ela. Esses “heróis” são escolha sua, tendo sido o primeiro o Embaixador Aristides de Sousa Mendes, que lhe serviu de tema para o primeiro livro que publicou e lançou em Viseu, de onde era natural o Embaixador. Mensalmente, escolhe um “herói”, que divulga na “newsletter” “heróissemcapa”, com um texto justificativo e um “boneco” da sua autoria, a que atribui um nome.  No mês de Agosto, pediu ao avô para ver o herói desse mês, o que o surpreendeu, por ser ele mesmo.

Publicado por:
José Batista d'Ascenção

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

«Zahra» – o primeiro livro de ficção de Tomás Bandeira

Jovens escritores que merecem estímulo

O jovem escritor Tomás Bandeira é médico de formação, viajante por impulso e por opção e é daquelas pessoas desejosas de servir comunidades e populações desprotegidas e/ou esquecidas, sentimento que nutre desde tenra idade. Mesmo que se descontem o idealismo e a utopia dos verdes anos, cabe-nos incentivar e aproveitar a força e a disponibilidade dos jovens que (mais) fogem à conformação acrítica e inactiva aos ditames da sociedade predadora em que «imergimos» as crianças pela educação, pelas práticas e pelo exemplo. Além disso, em Tomás Bandeira notou-se, ainda menino, o gosto de elaborar e submeter textos aos concursos da biblioteca da escola secundária que frequentou – a Escola Secundária Carlos Amarante. Já vem desse tempo a sua inclinação para o registo escrito.
Zahra é a personagem principal do livro. Trata-se de uma bela jovem saharaui de um campo de refugiados em Tindouf, no sudoeste da Argélia.
Em termos históricos, a ocupação do Sahara Ocidental, a partir de 1975, desencadeada por Marrocos e protagonizada também pela Mauritânia, empurrou, entalou e confinou, na geografia e na indiferença do mundo, a população nómada saharaui. A localização e o contexto geográfico estão esquematizados de modo preciso e elucidativo num mapa das páginas 175-176.
Zahra tem uma personalidade forte e firme, é determinada e não se conforma com as limitações do «encarceramento» a que a sua família e o seu povo estão sujeitos. Mulher casada, por amor, grávida no fim do tempo, vê chegada a hora do parto, numa altura em que o jovem marido havia partido para (ou a pretexto político de?) uma curta visita aos familiares nos territórios libertados. Porém, o nascimento ocorre, o marido tarda e o coração de Zahra atormenta-se com a possibilidade de que tenha sido morto nas zonas militarizadas.
Zahra pensa introspectiva e refractariamente no seio da sua família, e sofre duramente com isso e por isso. Ensimesmada e triste, cortante e decidida, não se «distrai», nem se adapta, nem se resigna, nem aceita as condições do campo de refugiados, nem o infortúnio de perder o marido, nem que o seu (estremecido) filho, em quem deposita esperanças para o futuro do seu povo, não conheça o pai.
Um dia parte com o menino, depois de organizada a fuga, em segredo, um modo de dar curso à revolta e disposta a fazer tudo para encontrar o seu homem. Viaja para os territórios libertados, onde vive a família dos sogros, que a ajuda a procurá-lo por todos os meios. Debalde. Decide então atravessar a faixa minada e cruzar o muro para o território ocupado. Resoluta, pede ajuda a uma antropóloga estrangeira (de Olivença!) a trabalhar com o povo saharaui, que não consegue recusar-lha. Dissimulada, deixa o filho entregue à família do pai. É levada de carro até à proximidade do muro, em direcção ao qual caminha, intrépida e vertical, imensa na sua coragem e loucura e fragilidade, deixando atónitos os soldados marroquinos que berram para que páre. Mas o destino de Zahra traçara-o ela. Não vacilou. Fê-lo pela sua causa. Pelo seu povo. Pelo seu filho, semente sua e desse povo, de que ambos são símbolo e pertença.
A história está bem arquitectada. T. Bandeira teve o arrojo de meter-se dentro do corpo e da alma de uma jovem rapariga, esposa e mãe de uma cultura particular, cuja personagem construiu com êxito e soube fazer com que não lhe «morresse» ao longo da narrativa. Prometedora vitória.
Em matéria de escrita, alguns pormenores de linguagem, como «enxaguados em lágrimas» (p. 29) ou «dar a face fraca» (p. 51) e a redundância de algumas frases [«cheirar com o próprio nariz» (p. 19), «lágrimas pelo rosto abaixo» (p. 39), «os primeiros passos do caminhar» (p. 97); etc.] talvez não sejam (ainda) as expressões mais conseguidas para criar um estilo literário original, ao alcance do autor. Mas a nobreza de sentimentos e a força poética moram na narrativa.
Justifica-se que se aguardem novos livros, sem «exigência» nem «pressão», que isto de conceber livros deve ser talvez como gerar filhos que se desejam muito mais do que se planeiam.
Felicidades, merecidas.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Depois de férias

Reconfigurar o «disco» para «modo de trabalho», voltar às rotinas custosas (particularmente no início), mas facilitadoras, com energia renovada para enfrentar mais um ano de trabalho (lectivo, no nosso caso, enquanto avós), é privilégio dos que (desejavelmente) têm profissão, estão em idade e (ainda) gozam (minimamente) de saúde.
Pela nossa parte é assim, com um motivo acrescido de alento: o do elemento mais novinho da família, que foi um enlevo especial durante curtos dias do mês de Agosto findo. Ficam saudades, que as imagens não mitigam, e o desejo de novos encontros para lidarmos com a barreira da distância fisicamente separadora.
Para compensar, (já) pensamos nos abraços que nos esperam, em próximas oportunidades. E que abraços!
Obrigado, rapaz querido.

José Batista d’Ascenção