domingo, 25 de julho de 2021

O desporto e a instigação do ódio

 

Actualmente, a diminuição da prática de exercício físico prejudica seriamente a coordenação motora e faz aumentar catastroficamente a obesidade, com múltiplas consequências na saúde.

A ginástica devia, por isso, fazer parte dos currículos de todos os estabelecimentos de ensino, do básico ao secundário, e ser publicamente assumida como um serviço a prestar às pessoas de todas as idades. Propositadamente, evitei a expressão “educação física” porque, quando se fala de “educação” a polissemia do termo conduz a interpretações diversas, incluindo a de xaropar crianças e jovens com conteúdos teóricos em sala de aula e de os obrigar à realização de trabalhos gráficos que mais não fazem do que aumentar o sedentarismo (e a aversão àquela disciplina escolar).

A prática de desporto, vista como actividade física por gosto e factor promotor da saúde, caminha amiúde em sentido pouco recomendável. Acentua-se a competição agressiva, desvalorizam-se as boas maneiras e o respeito pelos adversários ou instiga-se o mais estreme ódio aos oponentes (ou a algum deles em especial). Estes fenómenos de agressão tornaram-se visíveis em certos pais que acompanham os seus infantes aos torneios, muitas vezes insultando soezmente árbitros, elementos da equipa oposta ou outros pais, alguns fanáticos como eles, mas também os que são pessoas pacatas.

Em alta competição, a cultura da agressividade e do ódio preocupa igualmente. Aquele que já foi considerado o melhor treinador de futebol do mundo praticou o “método” com bons resultados (para as suas equipas e proveito material para si). No campeonato português de futebol, treinadores há que, em certas manifestações: olhares, palavras e atitudes, parecem destilar ódio. Certos jogadores, idem. Chamam-lhe competitividade e outros nomes. Mas é ódio. E esse ódio é alimentado por dirigentes e certos opinadores, incendiando facilmente o público aficcionado. O caso das claques é extremo e do domínio da criminalidade, tão incomodativa quanto impune. A aberração do racismo, medular na besta humana, é mais comum do que se admite, disfarçada sob o verniz social.

Curiosamente, quando a disseminação do ódio se igualiza, por assim dizer, entre a maioria dos oponentes, o seu efeito na melhoria dos resultados tende a anular-se e o “método” acaba a prejudicar todos.

Mas porque é que é assim? Na raiz do problema estão dois factores, um genérico e outro específico, contido no primeiro. Esse primeiro é a natureza do animal humano e a necessidade que tem de dar vazão à sua agressividade e violência sobre os semelhantes. E o segundo, não menos terrível, é a ganância por fama e dinheiro.

Há remédio?

Não sei. Mas sei que perdi o gosto por assistir a encontros desportivos (por exemplo de futebol) onde os praticantes são tão bons que dificilmente se conseguem vencer. E então recorre-se a qualquer deslealdade que permita vantagem no resultado. Mas o espectáculo fica diminuído.

José Batista d’Ascenção

sábado, 17 de julho de 2021

A “educação ambiental” que não há ou que não foi ou não é eficaz

Esforço-me por destacar na juventude as atitudes que me parece que assegurarão um futuro melhor para a humanidade.

Nas últimas décadas, em muitos momentos, pensei que a escola fora eficaz a sensibilizar e educar crianças e jovens, os quais se tornariam agentes de influência activa sobre os adultos.


São cada vez mais os momentos em que me encho de dúvidas.


O local das fotos, na margem esquerda do rio Cávado, é muito bonito e é frequentado por pessoas de todas as idades, que ali fazem exercício físico ou descansam ou convivem.

Na manhã de hoje estava assim e as fotos dão uma pálida ideia do aspecto geral.

Uma das pessoas que ali se desloca várias vezes por semana referiu que, ainda ontem, todo o espaço estava limpo. Disse também que é frequente, aos fins de semana, à noite, haver ali convívio de gente jovem, que nunca recolhe o lixo.

Algumas pessoas e grupos de escuteiros, não raras vezes, limpam o que outros sujam.

Não sei como se deva resolver o problema. Mas justifica-se que as autoridades apliquem coimas severas aos prevaricadores, porquanto esse costuma ser um meio dissuasor.

À falta de melhor…

José Batista d’Ascenção

domingo, 11 de julho de 2021

Educar com e para o espalhafato

 

Após o término das aulas dei comigo a assistir a alguns (poucos) desafios de futebol na TV e a gastar tempo com um ou outro programa de entretenimento televisivo (até ao ponto do suportável, normalmente curto). Nos encontros de futebol optei por desligar o som a maior parte do tempo. Se a minha opinião contasse informaria os comentadores de que não é preciso gritar o que estamos a ver e que se dispensam empolgamentos artificiais com aspectos comuns dos jogos. Há dias demorei-me, de pé frente ao “écran”, num programa de Filomena Cautela, a apreciar os seus conhecimentos sobre questões ambientais e a justa pertinência do tema. E gostei. Já o mesmo não digo da piadola forçada, das inflexões histriónicas da voz, de certos esgares e do estímulo ao “barulho”, que impediram que, não obstante a simpatia pela apresentadora, me sentasse e assistisse até ao fim. Noutros programas (excessivamente) longos, de manhãs ou tardes, fiquei igualmente com uma boa imagem da preparação e da sensibilidade das/dos profissionais que os conduzem.

O que também gosto de ver, por vezes nos intervalos de umas sonecas, é a “Volta à França em Bicicleta”. Não pelos ciclistas, que pouco me interessam: não faz sentido, para mim, vitoriar alguém que, ao fim de 200 km ou mais, ganha por «meia-roda» a um cacho de corredores que chegaram com o mesmo tempo. São todos excepcionais. Mas rendo-me ao cartaz publicitário daquelas belas imagens e à grandeza da realização que no-las mostra. Também aprecio imenso a locução de Marco Chagas, porque muito conhecedor e actualizado na matéria, e não extemporânea ou excessivamente palavroso. Muitos poderiam aprender com ele.

De resto, em todo o espaço público: na política, no desporto, nos espectáculos, nas manifestações e nos acontecimentos (ditos) culturais, e até na vulgar convivência, exagera-se, a meu ver (e sentir), na tendência para o protagonismo egocêntrico ruidoso, como se fora qualidade e não defeito.

Ora, a Escola não é imune ao “ar do tempo”. E parece-me que resiste mal ou nem resiste à “contaminação”, que adopta e frequentemente pratica com diligência. Não com a minha colaboração. Sem abdicar do humor, da graça oportuna e da ironia não destrutiva, da minha parte ou dos meus alunos, que são o “sal” da pedagogia. E apraz-me ver que são muitos os miúdos receptivos à contenção e sensíveis à conveniência da moderação e da humildade.

Porque a juventude não está perdida, (mais) perdidos (e absurdos) me parecem os da minha geração.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 9 de julho de 2021

Literatura: «O jogador», do grande F. Dostoievski

«O Jogador» é um tratado de psicologia social em literatura maior, com escassas duzentas páginas. Lê-lo, relê-lo, trilê-lo, é sempre surpreendente. Leia-se isto: «É verdade que o homem gosta de ver o seu melhor amigo humilhado diante dele: é sobre a humilhação que assenta a maior parte das vezes a amizade; eis uma verdade, que todas as pessoas inteligentes conhecem.» (pg 208).

A realidade supera a ficção, porque o ser humano é cheio de manhas e vícios.

Intrinsecamente.

Intemporalmente.

Irremediavelmente.

Como a esperança num mundo melhor.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Na literatura: princípios, preconceitos e contingências da natureza humana


Os dois últimos livros que li - «O farmacêutico de Auschwitz», de Patricia Posner, e «Philip Roth, Némesis» - causaram-me forte impressão, mas não por que o fundamental de cada uma daquelas obras seja estranho à generalidade das pessoas.

Na primeira terá sido, talvez, por serem tão clara e coerentemente expostos os aspectos mais sinistros da natureza humana, manifestados durante o nazismo, por pessoas cordiais e simpáticas, com boa educação e formação académica dita «superior», que nunca os admitiram nem deles se arrependeram. Mais chocante ainda é a aceitação e apoio público que vieram a receber da população alemã, desejosa de esquecer a sua identificação com a política de um génio político louco e criminoso, após julgamentos tardios e indulgentes, com defesa paga com os ganhos do ouro arrancado das dentaduras dos cadáveres das vítimas.

No segundo daqueles livros, é a mestria do autor a destacar as contingências da vida e a importância que a sorte e o acaso jogam no percurso de cada ser humano («o acaso – a tirania da contingência – é tudo», pg. 180). A personagem principal, órfão de mãe, que não conheceu, e filho de um ladrão que cedo desaparece do seu contacto, recebe dos avós maternos, pessoas pobres, uma educação sólida, firmes princípios e um exemplo de vida que nunca esquece. A sua condição de pobre não impede os encontros felizes com gente que vale a pena, que o estima e lhe quer profundamente, como é o caso da sua namorada, que pertence a uma família de boas posses. O que ele não entende é a invocação de um Deus (qualquer) perante a epidemia de poliomielite que ceifa vidas ou estropia corpos de umas crianças ou jovens e não de outros, sem se conhecer (ao tempo da segunda grande guerra) o modo de a evitar. E a sua descrença e revolta mantém-se e perdura por também ele vir a ser um desses corpos mutilados para sempre, o que o fez afastar-se violentamente e em definitivo da jovem que lhe devotava um amor incondicional.

Uma relação possível entre os dois livros pode encontrar-se na página 118: «E qual é o papel de Deus no meio de tudo isto? Porque é que ele põe uma pessoa na Europa sob ocupação nazi (…) e a outra no refeitório de Indian Hill [EUA] diante de um prato de macarrão com queijo?»

José Batista d’Ascenção