sábado, 29 de maio de 2021

Sobre o “Novo Acordo Ortográfico” [NAO]

Por Pacheco Pereira (jornal «Público» de 29 de Maio, pág. 11, da versão impressa)


… «o Acordo Ortográfico, o maior atentado à língua portuguesa das últimas décadas, que todos já perceberam ter dado resultados contrários aos pretendidos, a começar no Brasil, o seu principal pretexto, é um desastre diplomático e, ao ser imposto à força e ilegalmente, abastarda e degrada a língua nas escolas e na burocracia do Estado. Porque é que não se acaba com essa aberração? Porque uns não querem, e outros não querem saber.»

NAO?

NÃO.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 24 de maio de 2021

A importância que temos


Cada qual julga-se com a importância que a si mesmo atribui. Já aos olhos de terceiros tem a importância que lhe dão. As valorações do próprio comparadas com as dos outros, sobre ele, embora sem escala quantificável, são necessariamente discrepantes.

Há os que se desvalorizam e os que a si próprios se colocam nas alturas.

Há (também) os que, injustamente, tendem a ser desconsiderados e os que, por ignorância ou interessada ou interesseiramente, são elevados pelos demais a pedestais valorativos irreais.

Comummente, os que gozaram em vida de reconhecimento social, vão tendo a sua importância relativizada, e apagam-se com o tempo na memória dos vindouros. Muito poucos «se vão da lei da morte libertando», o que se compreende e aceita e liberta esforço e espaço para armazenamento de dados mais próximos ou prioritários.

Há-os que, por tão visivelmente extraordinários, logo em vida são admirados como tal. Mas houve seres humanos tão discretos que os seus méritos apenas no fim da vida ou depois de morrerem foram reconhecidos. O devir resgatou-os. Aconteceu com pessoas da ciência, das artes, da cultura, do conhecimento... Alguns, embora especiais, terão passado ao lado da possibilidade ou oportunidade de serem reconhecidos, porventura devido à inacessibilidade ou estranheza do seu pensar. 

Todos, porém, precisam de se sentir importantes. E são-no, indubitavelmente. Desde logo porque (tirando os gémeos verdadeiros) cada pessoa é um ser único e irrepetível: no tempo em que vive, mas também em todo o tempo passado e futuro da espécie a que pertence (é fácil explicá-lo em termos biológicos). De alguma forma, cada indivíduo é uma “singularidade”. E vale por si, pelo menos enquanto elemento da (bio)diversidade humana.

Difícil é que cada ser humano, sejam quais forem as suas capacidades e qualidades, ocupe na sociedade um lugar em que se sinta realizado, integrado e considerado. Ganharia ele e ganharia a sociedade.

Importante, verdadeiramente importante, é sermos imprescindíveis naquele grupo (sempre) restrito que inclui família, amigos e conhecidos, que nos querem e que nos fazem sentir que precisam de nós como nós precisamos deles. Por afecto, antes de mais.

Isso adquirido, o trabalho e o talento de cada qual mais facilmente o podem colocar no lugar social que merece. Condição conveniente, mas não necessariamente suficiente, diga-se.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 20 de maio de 2021

Sobre o “facebook” e nós

Por Yuval Noah Harari (*)


[…] «aquilo de que as pessoas realmente precisam são ferramentas para se conectarem às suas próprias experiências. Em nome da «partilha de experiências», as pessoas são levadas a compreender o que lhes acontece à luz de como os outros os veem. Se acontece alguma coisa empolgante, o primeiro instinto dos utilizadores do Facebook é puxar do smartphone, tirar uma fotografia, colocá-la online e esperar pelos likes. Enquanto isso, mal se apercebem do que eles próprios sentem. Na verdade, o que sentem é cada vez mais determinado pelas reações online.

As pessoas distanciadas dos seus corpos, dos seus sentidos e do seu ambiente físico têm tendência para se sentir alienadas e desorientadas. […] Se não nos sentirmos em casa no nosso corpo, nunca nos sentiremos em casa no mundo.»


(*) in: 21 Lições para o Século XXI. Yuval Noah Harari. Elsinore. 6ª Edição. Setembro 2020. Pg. 115.

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Sobre ‘covid’: ‘vacinas comportamentais' necessárias

Com os cuidados que, apesar de tudo, tem havido e com o progresso da campanha de vacinação, os números da pandemia em Portugal são agora muito mais favoráveis.

Para além dos doentes e dos casos de luto, todos estão saturados das limitações do(s) confinamento(s) e muitos foram os que perderam as suas fontes de rendimento, trabalhadores ou empresários. Estas deviam ser razões a justificar cautela nos tempos próximos, não vá haver agravamento.

O risco deriva principalmente dos negacionistas, dos irresponsáveis e dos que, por cansaço ou descuido, “baixam a guarda”.

A atenção deve focar-se em acontecimentos como:

- eventos desportivos: jogos, festejos ou protestos com exaltação imprópria;

- lotação em excesso em meios de transporte;

- actividades de veraneio;

- ocorrências da vida social;

- certos comportamentos individuais e familiares.

Só podemos ficar descansados quando a propagação do vírus for eficazmente neutralizada a nível mundial. O que parece longe ainda. Enquanto não o conseguirmos, permanecemos com o perigo sobre a cabeça.

Entretanto, já podemos saborear a vida em convívio presencial, o que é um triunfo necessário e merecido.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Cada um de nós a gritar ao mundo: estou aqui!

A man said to the universe:

"Sir I exist!"

"However," replied the universe,

"The fact has not created in me

A sense of obligation."

Stephen Crane


Não existimos na solidão absoluta. Precisamos de todos, até daqueles de que não gostamos, quando mais não seja para realçar o valor que atribuímos a quem apreciamos. Cada um de nós é bom e mau, dependendo de quem nos avalia, e quando. Ninguém agrada universalmente, quaisquer que sejam as qualidades e os esforços, nem desagrada a todos, porque há sempre quem se identifique com qualquer personalidade existente ou por existir. Os juízos do próprio sobre si mesmo são, porventura, ainda mais subjectivos e interessados, logo merecedores de especiais escrúpulos e reserva.

Frágeis, muito frágeis, dependemos das condições físico-químicas e ambientais, dos outros seres vivos e, fundamentalmente, dos nossos semelhantes, a começar por quem nos gerou e amamentou e pelos que formam a(s) nossa(s) família(s), pelos amigos e conhecidos, mas também pela comunidade alargada e pelas organizações sociais e dos estados. Dependemos também, e muito, da sorte e do acaso, anteriores e posteriores ao nascimento.

Afinal, vivemos com os outros e em função dos outros. Para que nos reconheçam. E nos concedam os afagos que dão sentido ao que somos ou gostaríamos de ser.

No caminho, sempre tropeçando, tantas vezes pedindo a(os) Deus(es) o que por educação e/ou necessidade interior sentimos estar para além da nossa condição terrena e das possibilidades do raciocínio. É assim, mais ou menos pobremente, durante a finitude do nosso intervalo de vida.

A marca de nós é o que fica na memória dos que nos sucedem. Sendo que isso e tudo o resto, a Natureza e o Tempo o apagarão irremediavelmente.

Pelo que o fundamental da vida humana talvez se possa resumir à oportunidade ética e moral de cada um lutar por ser feliz e proporcionar felicidade, esforçando-se por não deixar o mundo pior do que o encontrou.

José Batista d’Ascenção