terça-feira, 19 de novembro de 2019

As «Boas-Festas» por que mais aguardo

[O que atenua em mim o sentimento de perda de um grande músico de Portugal]

Recebi hoje o (habitual) postal de «Boas-Festas» do Prof. Jorge Paiva, em razão da sua necessidade de sair do país proximamente, nas suas viagens pelo mundo natural. É um postal maravilhoso com duas belas fotografias e uma lição em duas línguas sobre o significado da «inversão das biodiversidades urbana e rural» e as suas relações e implicações com a espécie humana.
Em nota à margem, diz o Professor Jorge Paiva:

«Este é o meu 30º cartão. Não sei se continuarei com eles. Já deixei de escrever artigos sobre problemas ambientais, pois os leitores que me interessava que os lessem (governantes, deputados, políticos e juventude) não o fazem. Assim, prefiro ir coligindo todos os dados que os cientistas têm vindo a publicar e publicitar, há já alguns anos, para as, já evidentes, «Alterações Climáticas» e «Poluição Global (sólida, líquida e gasosa)», sem que os governantes e políticos mundiais tomem efetivamente quaisquer medidas. Isto para que as futuras gerações (os meus trinetos, por exemplo) venham a saber quem foram os responsáveis pelos desastres ambientais que os vão atingir, como, por exemplo, piroverões cada vez mais devastadores no nosso país; a submersão do previsto aeroporto do Montijo; secas tremendas; temperaturas insuportáveis para a vivência da espécie humana; fome; novas doenças; etc.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, morrem anualmente 7 milhões de pessoas em consequência da poluição atmosférica. Nas regiões tropicais já ocorre uma nova doença renal provocada pelas severas secas e elevadas temperaturas resultantes do «Aquecimento Global». A comunicação social não noticia isto, nem o ecocídio para que caminha, inexoravelmente, o Planeta Terrestre, que não é mais que uma grande gaiola em que vivemos e uma pequeníssima ilha do Universo.»

Obrigado: Bom Mestre.

PS: Prevê-se que, em Dezembro, seja publicado um livro com os postais de Natal dos últimos 30 anos do Professor Jorge Paiva. O que é motivo de grande contentamento e justifica redobrado agradecimento.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Chuva para lá dos vidros

Quando eu era menino, em dias cinzentos de chuva persistente, ficava, às vezes, sozinho, colado aos vidros, a olhar a queda dos pingos, de ordinário em descida oblíqua, do lado do mar para oriente.
E assim permanecia minutos largos, com o pensamento longe. Que espécie de conforto aquilo me trazia, nunca o soube definir. O hábito perdeu-se, mas hoje, estas reminiscências acodem-me à memória quando, dentro do carro, em dias chuvosos, aguardo solitariamente por alguém, a quem vou levar ou buscar. E então, se não leio ou presto atenção a algo com interesse na rádio, foge-me o pensamento para o indefinido da bruma no exterior, a despeito do embate das gotas ao cair e do som que produzem quando se despedaçam contra os vidros e a chapa. De comum, não fico alegre nem triste, mas já me aconteceu sentir-me como que num casulo de insignificância e interrogar-me sobre o funcionamento da Natureza e sobre a razão última da existência dos seres vivos e dos seres humanos em particular. Pergunta que também já me ocorreu, nas mesmas circunstâncias, é sobre o «significado» ou «utilidade» do sofrimento, particularmente o daqueles que nada fizeram para o merecer. A matéria organizada que sente e pensa e ama a beleza e pratica a bondade, como cúmulo (actual) da evolução, são para mim exemplos de realidades cheias de mistério. Aqui chegado, perco (desconsoladamente) a capacidade de considerar outros mistérios que (me) justifiquem aqueles. E, sem sobressalto, olho a minha condição de indivíduo que sabe que não pode passar além da sua pequenez e irrelevância.
Mas isto é agora. Quando era menino pensava que ainda não tinha crescido o suficiente para entender o que não compreendia nem sabia perguntar. Depois do tempo que passou por mim ou da minha passagem pelo tempo, apenas posso confessar isto: do que vi e vivi nunca consegui qualquer resposta satisfatória ou conclusão animadora para questões e abstracções como aquelas que associo tendencialmente à solidão dos dias de chuva, as quais não teriam tido lugar se eu não estivesse abrigado da humidade e da frieza das gotas, empurradas pelo vento, do outro lado dos vidros.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Sem floresta não sobrevive(re)mos

Lírio-do-Gerês. Imagem obtida aqui.
As plantas dão alimento aos outros seres vivos, por isso se dizem «produtoras», libertam oxigénio na fotossíntese, amenizam a temperatura, ao libertarem vapor de água e produzirem sombra, protegem os solos da erosão e previnem a ocorrência de cheias. De modo global, as plantas são a base dos ecossistemas, não apenas em termos nutricionais, e dão beleza à paisagem.
Mas cada planta evoluiu adaptada a um determinado meio. E a acção humana tem disseminado as plantas pelos mais diversos lugares, o que leva a fenómenos de proliferação e de invasão causadores de problemas de vária ordem, designadamente ambientais. De modo geral, as plantas podem considerar-se como:
Plantas nativas ou autóctones – são as plantas que evoluíram numa determinada região e em certas condições climáticas, ao longo de muitos anos, estando bem adaptadas ao seu meio. Estas plantas contribuem, por vezes de modo fundamental, para dar suporte às cadeias e redes alimentares características dos locais em que existem e que delas dependem. Do nosso país, são plantas nativas o lírio-do-Gerês (Iris boissieri Henriq.), o sobreiro (Quercus suber L.) - a árvore consagrada como «Árvore Nacional de Portugal», o carvalho alvarinho (Quercus robur L.), o medronheiro (Arbutus unedo L.), o azevinho (Ilex aquifolium L.), o castanheiro (Castanea sativa Mill.), entre muitas outras;
Plantas exóticas ou alóctones – são plantas que foram introduzidas pelo ser humano em lugares onde não fizeram o seu percurso evolutivo. Estas plantas podem dar-se com dificuldade ou manter-se em competição com as existentes, suportando a acção dos consumidores e resistindo a eventuais agentes patogénicos, como fungos ou bactérias. Em Portugal, plantas como a Gingkgo biloba L. e o castanheiro-da-India (Aesculus hippocastanum L.), muito usadas na arborização de espaços urbanos, são plantas introduzidas. Em certos casos, as plantas exóticas, ou porque têm grande capacidade para extrair os elementos de que necessitam dos solos, mesmo dos que são mais pobres, ou porque crescem e se reproduzem muito rapidamente, relativamente a outras, ou, ainda porque resistem bem aos agentes de doença ou «stress» podem multiplicar-se descontroladamente, constituindo pragas. São as plantas invasoras;
Mimosa Acacia delabata. Imagem da Wikipédia
Plantas invasoras – são plantas que, introduzidas num meio diferente do seu ambiente natural, encontraram condições de proliferação tais que tendem a tornar-se dominantes. Em Portugal há vários exemplos, desde plantas herbáceas e arbustivas a árvores de grande porte: como nos casos do chorão-das-praias (Carpobrotus edulis L.), da erva-das-Pampas (Cortaderia selloana Schult.), das acácias ou austrálias (como a Acacia dealbata Link), dos eucaliptos (Eucalyptus globulus Labill.) ou das háqueas (Hakea sericea Schrad.). Estas plantas desequilibram os ecossistemas, não constituem primeiros níveis tróficos adequados à fauna dos locais em que passaram a proliferar e podem, a prazo, diminuir a biodiversidade. No caso dos eucaliptos, a sua capacidade de absorção de água é tal que foram usados para secar pântanos: fazem diminuir a disponibilidade de água nos solos e constituem um risco em matéria de incêndios, devido à abundância de essências inflamáveis. Para além dos prejuízos ambientais, as plantas invasoras podem também provocar problemas de saúde pública, por exemplo alergias, e causar perturbações da actividade económica.
Há muitos motivos para cuidarmos das plantas e, especialmente, das florestas, sem as quais os seres humanos não podem (sobre)viver. Cuidar das plantas é também não disseminar determinadas espécies por certos locais, porquanto é muito difícil e muito dispendioso, depois, travar a sua expansão. Mais vale prevenir(mo-nos): conhecendo-as, em primeiro lugar, e não as transportando para fora das zonas de que são nativas. E participando nas acções de controlo das espécies invasoras.
Porque «As Plantas São Nossas Amigas» - um lema bonito! – convém que sejamos «Amigos das Plantas».

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Um Dia-de-Todos-os-Santos, chuvoso, no coração do Alto Minho

Fonte da imagem: aqui.
A  meio da manhã, subida de Ponte de Lima, pela nacional 306, estrada sinuosa, mas de bom piso, no meio de floresta, onde ainda se notam, nalguns pontos, os carvalhos de outrora, agora ameaçados pela invasão dos eucaliptos e com alguns pinheiros residuais. Lá mais para o alto, os socalcos de outros tempos também não resistem à «eucaliptização» e as casas da encosta exposta a Sul, como as de Pereiro, talvez não tardem a ficar engolidas pelo mato e por aquelas invasoras trazidas pela mão humana, que antes se aplicava esforçadamente no amanho das nesgas de terra, quais escadarias cavadas no flanco da montanha. Imersas no nevoeiro, indiferentes à cacimba, as vacas pascem nas bermas e valetas, e os garranos, descidos do «Corno de Bico», fazem outro tanto. Nem umas nem os outros precisam de guardador, porque estão bem adaptados à passagem do tempo naquele ambiente, seja de dia seja de noite. Atingido o ponto mais alto da estrada e passada a Travanca, desce-se para Norte, para Paredes de Coura, a vila que, embora diferente da de há poucas décadas, sobretudo na abertura e desenho de novos arruamentos e na proliferação de edificações, permanece muito igual no modo de ser e de sentir dos seus habitantes, especialmente os da meia-idade e mais velhos. [O facto de no Verão ocorrer um fenómeno cultural que arrasta multidões (sobretudo de jovens), como o festival de «rock», um acontecimento (muito) profissional, nas antípodas organizacionais do famoso «Woodstock à portuguesa» de Vilar de Mouros, em 1971, não altera substancialmente as coordenadas sócio-culturais que marcam a personalidade dos courenses].
Num dia assim, o cemitério estaria mais que bem cuidado, se tal fosse possível, e cada campa resplandece de flores, em arranjos que as pessoas dispõem meticulosamente, como se acarinhassem presencialmente aqueles que partiram e esses agradecessem sentidamente cada visita. A seguir ao almoço, convergem para a igreja imensas pessoas que hão-de participar nas cerimónias religiosas (terço, missa e responsos) presididas pelo pároco, e deslocar-se-iam em procissão ao cemitério, onde a missa teria lugar, se o tempo o permitisse. A devoção profunda e o respeito pela memória dos que permanecem no coração dos vivos fez com que vários dos que vieram de (mais) longe, e que não estavam a par da decisão de fazer todas as rezas na igreja, por causa da chuva, se tivessem dirigido para o espaço de repouso definitivo dos seus falecidos, onde aguardavam compenetrados, de chapéus-de-chuva abertos, resistindo às bátegas («treixas», no dizer da Terra), na espera da eucaristia campal.
É assim no concelho de Paredes de Coura. Esta devoção, que poucos dos locais não partilham, tem nos naturais do Minho um efeito de congratulação e de apaziguamento.
A recolha a casa, este ano sob um céu plúmbeo e molhado, fez-se com o habitual e sereno comprazimento da alma. Seguramente, abriu os apetites para o lanche, compartilhado e saboreado à volta de mesa farta, no aconchego dos lares familiares. A que se terão seguido conversas e convívio, de viva voz, no pensamento e nas atitudes, em colectivos de amizade. Dia feito, o prazer das companhias terá culminado no jantar, saciando apetites e retemperando ânimos.
Donde as pessoas sentirem-se mais prontas e mais forte para os embates normais dos dias seguintes.
Na acolhedora vila de Paredes de Coura é assim e este ano foi como ficou dito. Noutros lugares é diferente, e tal diversidade é, em si mesma, boa e interessante.

José Batista d’Ascenção