quinta-feira, 25 de maio de 2023

Desmaterializar?

Os recursos informáticos evoluíram e aumentaram de tal modo a(s) sua(s) capacidade(s), desde há menos de cinquenta anos, que a nossa vida pessoal e profissional se modificou extraordinariamente, com enormes e imprescindíveis benefícios, embora não isentos de problemas e riscos.

Se tivéssemos que regredir muito mal o suportaríamos e, por isso, nem concebemos tal hipótese, mesmo os que, como eu e mais velhos, vivemos a realidade anterior…

Na verdade, não faltam problemas não resolvidos que se agravam e outros que surgem de novo, constantemente. Alguns deles quase preferimos mistificá-los. Pensemos, por exemplo, no que passou a ser referido por “desmaterialização”.

A enorme capacidade de armazenamento de dados/informação em suporte digital aliviou ou dispensa quilómetros de prateleiras e evita o transporte físico demorado de enormes volumes e peso de papel. No entanto, as nossas casas e os postos de recolha de material eléctrico/electrónico/informático vão-se enchendo de imensa parafernália do género: monitores, “CPUs”, teclados, “ratos”, “tapetes”, mochilas, discos, digitalizadores, impressoras, cabos, carregadores, “routers”, telemóveis, etc., a que não é fácil dar nova vida, útil e (minimamente) limpa.

O papel era usado em quantidades ciclópicas, na mesma proporção das árvores abatidas, mas o produto em si não colocava problemas insolúveis de degradação orgânica nem libertava contaminantes perigosos.

Do material eletrónico resultam plásticos, borrachas, vidros e metais como o alumínio ou o cobre, mas também elementos pesados, prejudiciais à saúde, como o mercúrio, o chumbo, o cádmio ou o arsénio. Idealmente, devemos proceder à separação destes resíduos e reciclá-los, o que proporciona lucros a empresas e alguns postos de trabalho, mas esse ideal está longe da optimização desejável.

Acrescem problemas ambientais da exploração insustentável dos recursos naturais, com a destruição das paisagens, a alteração negativa de modos de vida e mesmo a escravização de seres humanos, como acontece com as crianças que, na mina de Luwow, na “República Democrática do Congo”, trabalham em condições horríveis na exploração da «columbite-tantalite», mineral raro de onde se extrai o tântalo (resistente ao calor) usado no fabrico de smartphones e computadores portáteis, de que nós, os privilegiados, fazemos uso.

Para além dos problemas ambientais e de saúde, há ainda a dolorosa constatação de que os progressos notáveis da digitalização aumentam enormemente o fosso entre os deserdados de conforto e de dignidade, cada vez mais, e os poderosos dos meios e da informação (verdadeira e falsa) que controlam e disseminam como lhes convém. E a «inteligência artificial» corre o risco de servir eficazmente essa via.

Por isso, hoje mais do que em qualquer época histórica, necessitamos de pessoas inteligentes e generosas, que se batam denodada e corajosamente por valores e cultivem sentimentos de compaixão, pela prática, pelo exemplo e pela exigência de cidadania.

José Batista d’Ascenção