terça-feira, 28 de novembro de 2017

Bons livros e vinho do Porto

Os livros bons são nossos amigos. Trago sempre algum comigo, e vou lendo quando (e quanto) posso. O último foi a obra «O Fator Humano» de Graham Greene, da «coleção Essencial», editado pela «Leya» e pela «RTP» (10 euros).
É um livro (escrito em 1978) sobre espionagem e contra-espionagem, tema que não é da minha preferência, mas não há temas maus para escritores de talento. De tal modo que Greene «desenha» um protagonista – Maurice Castle – muito interessante, pela sua serenidade e reflexão, pela vontade inquebrantável de ajudar o povo da mulher (negra) por quem se apaixonou (ele é branco, de Inglaterra), mas sobretudo pelo amor incondicional que lhe devota, e em que é correspondido, e que é imorredouro, mesmo quando, por fim, tem que fugir para Moscovo. Chegado a Moscovo, Castle, que não tem quaisquer ilusões sobre o comunismo, desespera pelo reencontro com Sarah, que tem dificuldade em ir ter com ele, uma vez que não o fará sem levar o filho, Sam, a criança que aquela mulher trazia no ventre quando se apaixonaram um pelo outro, um menino (negro) de quem ele cuida com extremoso zelo de pai. Quando Castle, cheio de dúvidas sobre se Sarah o pode considerar um traidor, no momento em que lhe revela a sua actividade dupla, recebe dela o prémio de considerar que o «país» deles são ela, ele e Sam, e que ele nunca traiu esse «país», nem, subentendo eu, o amor que os une e os valores que partilham.
Espiões e detectives aparecem em muitos livros e filmes como consumidores de álcool. Neste livro são uísque e vinho do Porto. O autor do livro talvez gostasse de um e do outro. No caso do nosso vinho mais famoso, ele aparece citado 18 vezes (se não me enganei). Achei curiosa uma tão grande «publicidade» e dei-me ao trabalho de contar as referências, coisa em que este texto há-de ser, por certo, original. Ora veja-se:
- Davis (um jovem colega de Castle, pessoa de ideais e bondade, muito apreciado por Sam), «era viciado em vinho do Porto», pg. 22;
- «Sir John Hargreaves fez circular o porto.», pg. 47; nessa mesma página quatro linhas depois: «Beberam rapidamente o porto»…;
- Davis «gosta do porto vintage.», pg. 52;
- Quando a própria organização planeia matar Davis, para saber se é ele o agente duplo de que suspeitam, entre os superiores, pergunta-se: «Alguém sabe se ele bebe muito? - Falou em porto, não falou?»…, pg. 55;
- «um cálice de porto a mais», admite Castle, em pensamento, quando Davis estava aborrecido. Pg. 66;
- Davis sempre sonhou ser enviado para Lourenço Marques (actual Maputo, Moçambique), onde, pergunta ele a Castle, «O porto deve ser bom, não achas? Presumo que até os revolucionários bebem porto.», pg. 69. Três linhas à frente, outro pormenor de interesse, ainda por Davis: «Gosto da comida portuguesa»;
- «Não estou preocupado com o preço da comida, é o preço do porto de qualidade que me deprime», outra vez Davis, em diálogo com Castle, pg.71;
- «O Davis gasta muito em porto,» refere-se em diálogo de superiores da organização, na pg. 110;
- …«perigo do excesso de porto.» alvitrado como razão da morte para camuflar o assassínio projectado de Davis. Pg. 112;
- «No fim do jantar… Muller [um superior, agente racista da organização, inimigo frio e cruel que, em tempos, ofendera a relação de Castle e Sarah, e veio com suspeição dissimulada jantar a casa deles] aceitou um cálice de porto.», pg. 141. Mais adiante na mesma página «- Não gosta de porto? – perguntou Muller. – Costumávamos arranjar um porto excelente em Lourenço Marques»;
- Davis em diálogo com Castle: …«disse-lhe [a Percival, médico, agente da organização que planeou e executou o seu assassínio] que ia deixar de beber porto.» pg 170;
- Castle diz que «Davis não se importava com dinheiro. Só precisava de ter o suficiente para apostar em cavalos e servir-se de um bom porto.», pg 269;
- «-Não bebo porto – disse Sarah», em encontro num restaurante com Percival, que a convocara para a pressionar sobre o fugitivo Castel, pg311;
- Na sequência, Percival, responde a Sarah : … «a que propósito vem isso? Decidiremos qual o porto quando chegarmos ao queijo.», pg 312.
Para além da sua qualidade e do seu interesse, este livro tem outros motivos curiosos, que deixo de lado, para não aumentar a extensão do texto.
Só uma última nota para referir que o vinho do Porto é referido em muitas obras literárias de vulto, obras que, em Portugal, nunca terão funcionado como publicidade porque os portugueses lêem pouco. Lêem pouco, mas bebem muito, infelizmente.
Mas há quem leia muito noutras sociedades, que não a portuguesa. E ainda bem.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Morreu Pedro Rolo Duarte

Ouvia-o com grande apreço no seu programa de rádio das manhãs de sábado, chamado «Hotel Babilónia», onde fazia par (e que par!) com João Gobern. Um programa cheio de qualidade, realizado por dois Homens sérios e muito competentes.
Deixou-nos um Homem Bom, com muito talento. Tinha apenas 53 anos.
Obrigado Pedro Rolo Duarte.
Felicidades para João Gobern, a quem também agradeço, na continuação do programa.
Hoje é um dia triste.

José Batista d'Ascenção

sábado, 18 de novembro de 2017

Fazer bem sem olhar a quem

Ontem participei num jantar comemorativo dos 30 anos da «Associação Famílias» de Braga, presidida pelo Dr Carlos Aguiar Gomes, que há três décadas a fundou, com o apoio da sua esposa, a Dra Luísa Aguiar Gomes, a voluntária mais antiga da instituição, instituição que presta apoio em diversas áreas a quaisquer famílias que a procurem, «independentemente da situação em que vivam».
Carinhosamente convidado a participar, encontrei com muito gosto o Carlos e a Luisinha (gosto de os tratar assim e é assim que os trato), meus queridos amigos e colegas de profissão (aposentados), pois que fomos professores durante vários anos na mesma escola em que há quase duas décadas nos conhecemos e em que continuo a trabalhar. Foi um ambiente bonito, muito fraterno e acolhedor. Uma muito jovem e talentosa violinista encantou-nos, no início, a meio e depois da refeição, com a beleza, a harmonia e a qualidade da sua música. Os participantes estavam animados de boa vontade e de franca convivialidade. O Carlos e a Luisinha quase não se sentaram, foram a cada mesa, junto dos comensais, em manifestação de amena proximidade, abraçando ou tocando suavemente cada um enquanto todos comiam. Numa mesa mais afastada da sua, não vi que qualquer deles comesse. Mas a todos alimentaram com a sua amizade e franca bonomia. E, ali mesmo, durante o repasto, que soube particularmente bem, porque era bom e porque reunia as condicionantes afectivas propícias, não foi esquecido e pudemos pôr em prática um módico de solidariedade com quem precisa.
Além disso, ainda me calhou ficar ao lado de colegas conhecidos e prezados que há muito não via e com quem pude pôr «a conversa em dia». Tinha ainda como companheiros de mesa pessoas de mais e menos idade, alguns muitos jovens, e todos foram uma companhia simpática, agradável e sincera.
Não pude ficar até ao fim e tive pena porque me estava a sentir muito bem. À despedida, comovi-me e, ao atravessar a porta, duas grossas lágrimas, que momentos antes conseguira reter, despenharam-se dos meus olhos. Não eram de tristeza.
De caminho, o tribunal da minha consciência alertava-me para o quanto sou devedor de atenção e de partilha com os que têm menos do que eu.
Obrigado, queridos amigos.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

As alterações climáticas, os incêndios e a necessidade estrita de reflorestar o país

Estamos a cerca de um mês e uma semana do Natal. A macieira do meu quintal (foto ao lado), que em anos anteriores há muito devia ter deixado cair as folhas, está ainda frondosa como se fora Verão, após a colheita das maçãs. Está enganada com o tempo, esta macieira. E não é a única planta nestas condições, nesta altura do ano, longe disso.
A causa de tais factos está na luminosidade deste Outono, nas temperaturas médias demasiado altas para a época e, também, na falta de chuva. Há algumas décadas, o tempo estava por agora cinzento, molhado e frio, dando razão aos que não gostam do Outono nem do Inverno. Mas estes rigores do tempo são necessários à repetição dos ciclos de vida e ao funcionamento geral da Mãe Natureza, traduzidos, por exemplo, na recarga abundante dos aquíferos, por acção da chuva. E, se repararmos, os dias curtos, escuros e gelados das estações chuvosas, se bem que algo depressivos, tinham o condão de nos fazer apreciar sobremaneira a chegada luminosa, florida e cheia de vida da Primavera e o prazer de desfrutar dos dias longos de Verão, pelo menos para quem tinha a possibilidade de gozar algum período de férias.
O tempo está alterado. Alguns indicadores da ciência parecem mostrar que o Homo (pouco...) sapiens [designação científica da espécie humana, em latim, significando o homem que sabe] tem responsabilidades no que se passa em matéria de alteração do clima e são manifestos e indiscutíveis os efeitos negativos da poluição que nós, os seres humanos, provocamos no planeta, uma espécie de «gaiola» de onde não poderemos fugir, caso o tornemos globalmente inabitável, como já fizemos e continuamos a fazer em muitos lugares da superfície do globo…
Com as temperaturas médias demasiado altas – e cuja tendência é para subirem! - e com estios muito secos, aumentam enormemente as possibilidades de incêndios, causadores de prejuízos incalculáveis, quer no plano económico (casas, animais domésticos e culturas agro-florestais, por exemplo), quer em termos ambientais e ecológicos (destruição do coberto arbóreo, perda de espécies animais, poluição das águas circulantes, etc.) e - pior do que isso - é mais provável a perda de vidas humanas em números alarmantes.
Que podemos/devemos nós fazer? – Muito, com certeza. Por esta altura, depois do socorro às vítimas dos fogos, já devíamos estar a pensar e a executar as acções preventivas possíveis, como limpar os matos nas envolvências das habitações e das povoações do interior do país e em faixas de largura adequada contíguas às bermas das estradas. Uma acção fundamental que devemos às gerações dos nossos filhos e netos é a da reflorestação das superfícies ardidas com espécies autóctones mais resistentes e resilientes aos fogos e, além disso, muito mais bonitas na paisagem, se bem que com produtividades económicas (que não as ecológicas) demoradas, mas compensadoras no tempo futuro. E tal acção não pode traduzir-se em actos pontuais e simbólicos ou diletantes, a que somos atreitos, tem antes que ser efectiva, alargada à maior superfície possível, e continuada e repetida até fazermos do nosso país uma mancha florestal tão bela como era a Mata da Margaraça, na serra do Açor (agora ardida...), nas proximidades de Arganil, e como o são alguns trechos de vegetação na serra do Gerês, entre outros exemplos.
Aliás, se considerarmos o que se gasta inutilmente no combate (ineficaz) aos grandes incêndios, em cada Verão, a opção por florestar com racionalidade, rigor, paciência e persistência, é seguramente, muito compensadora a médio e longo prazo, isto sem referir bens maiores como evitar a dor de perdas humanas e o pânico e o horror em horas de aflição, assim como a desolação da paisagem e a perda de biodiversidade.
E seria irresponsável e criminoso não pôr em prática uma tal opção o mais rapidamente possível. É (o) tempo.
À atenção de cada um de nós, cidadãos, das autarquias e do governo, por esta ordem, ou seja: os cidadãos têm que envolver-se e exigir dos seus eleitos que assim seja, começando pelos mais próximos até todos os outros, em patamares políticos superiores, sob pena de não lhes confiarem o seu voto…
Parece-me que só assim podemos passar a ter uma «protecção civil» digna do nome… fazendo parte e beneficiando merecidamente dela.

José Batista d’Ascenção

sábado, 4 de novembro de 2017

A maldade que há em nós

A fisiologia humana depende directamente dos genes e das hormonas. Mas cada um de nós é, desde a concepção, o produto não só daqueles agentes como também da influência do ambiente que o rodeia, sejam as condições físico-químicas (o conforto, a alimentação, os factores naturais…) sejam as condicionantes educacionais, afectivas e sociais. Nenhum ser humano pode prescindir do amparo da família, sobretudo nos primeiros tempos de vida, nem da integração na sociedade, nem de desempenhar alguma função, motivo por que carece de um tempo de aprendizagem básica que tem lugar ao longo do primeiro quarto da sua vida (e às vezes durante mais tempo ainda). Daí a importância da educação, com destaque para os papéis da família, primeiro, e da escola, depois.
Não foram poucos os que, sobretudo depois de Jean-Jacques Rosseau (1712-1778), se agarraram à ideia, de que o ser humano nasce bom e que a sociedade é que o corrompe - a teoria do «bom selvagem». Nada comprova tal conjectura e quem lida com crianças e jovens sabe quanta agressividade e instintos egoístas e de posse é preciso ir burilando, pela persuasão, pelo acompanhamento e pela correcção, sempre que necessário, mas, principalmente, pelo exemplo. Isto não obsta a que o contexto seja um factor de peso nos comportamentos, que a minha avó traduzia numa recomendação simples: «junta-te aos bons serás um deles, associa-te aos maus serás pior do que eles».
Quem ler livros como «O Deus das Moscas» de Wiliam Golden (1911-1993) ou «O Jovem Törless» de Robert Musil (1880-1942) fica arrepiado com a crueldade de que as crianças são capazes. E quem tiver dedicado alguns anos da sua vida à profissão de educador infantil ou de professor dos mais novos sabe que aquelas obras não são apenas peças literárias fruto da imaginação dos seus autores. A realidade é mesmo assim e é melhor não a iludir.
Não é fácil educar. E é muito difícil (saber) educar bem (quem disser o contrário é porque conhece a «fórmula» ou se convenceu disso…). Uma regra de ouro, suponho, é não tolerar que as más práticas de outros e os maus exemplos justifiquem procedimentos condenáveis. Também do lado de quem aprende, a tarefa não é sempre fácil, nem simples, nem gostosa e, frequentemente, é trabalhosa (as excepções, que as haverá, confirmam a validade da regra).
Em consequência, é nossa obrigação, no respeito pela individualidade única e irrepetível de cada criança (exceptuando o caso dos gémeos chamados verdadeiros, em todo o espaço e por todo o tempo, ou a possibilidade monstruosa da clonagem humana) e pela sua personalidade, definir os valores por que nos pautamos e que devemos incutir nos mais pequeninos, assim como as regras básicas de comportamento individual e de relacionamento social, bem como o conjunto de saberes que permitam a cada um conhecer-se e conhecer o mundo em que se integra, interagir dentro de parâmetros conviviais aceitáveis, respeitar a natureza e os bens próprios e alheios e desempenhar alguma função útil para o próprio, para quem tiver (ou vier a ter) à sua responsabilidade e para a comunidade.
Não é coisa pouca. Mas não podemos fugir a essa responsabilidade. Tal como não podemos evitar todos os erros e falhas no cumprimento dela. É inaceitável a demissão. A ausência. A indiferença. E a cobardia. E de tudo isso vamos tendo que sobre.
Não que resulte daqui a pretensão, objecto de certas teorias políticas, de se poder criar o «homem novo», peça de uma engrenagem totalitária onde a liberdade e autonomia pessoal desaparecem, dando lugar a sociedades de horror, que a História bastamente demonstra. Cada ser humano deve ser tão intrinsecamente livre, quanto responsável e responsailizável pelas suas atitudes e acções. E isto implica, em cada pessoa, a humildade de aprender e a capacidade de se corrigir durante toda a vida. A educação de cada um nunca está completa, circunstância que está longe de ser um mal, pelas possibilidades de evolução e de enriquecimento pessoal que proporciona.
Mas é de pequenino que se começa a caminhada, necessariamente pelas mãos de quem já viveu mais e tem o mais genuíno amor pela progénie, como os pais, ou a devoção ao ensino e formação, como os professores.
Por consequência, é difícil o caminho, mas não nos resta senão caminhá-lo, e saborear os momentos bons e felizes que também tem. Sempre com a esperança de que à mágoa de cada queda sucedam o ânimo e a energia renovada para retomar o percurso.
Os vindouros saberão se o fizemos bem ou mal, quando forem eles a sentir o peso das dificuldades que hoje nos sobrecarregam.
Até lá, procedamos como nos compete. Que a mais não estamos obrigados, creio.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Este ano a floresta ardeu como nunca

Em matéria de incêndios, «a responsabilidade dos municípios é grande e é indesmentível.
Quem faz o planeamento da ocupação territorial são os municípios no seu plano diretor municipal, incluindo a localização de zonas industriais rodeadas de matas (algumas das quais arderam), sendo também os municípios que irresponsavelmente licenciam edificações isoladas no meio de pinhais e eucaliptais, que foram vitimas dos incêndios.
Grande parte das estradas sem bermas limpas são estradas municipais. São os municípios que têm a obrigação legal de fazer cumprir a distância legal de segurança das matas em relação a habitações, obrigação que em geral não cumprem.
Os bombeiros são quase todos municipais, pelo que as suas insuficiências reveladas no terreno são, em última instância, uma responsabilidade municipal.
Por último, os municípios estão legalmente obrigados a preparar e a operacionalizar planos antifogo, o que a maior parte deles não fez, o que é uma falha gravíssima.»

Extracto de um texto publicado por Vital Moreira, In: https://causa-nossa.blogspot.pt/2017/10/responsabilidades-partilhadas.html