sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Em quem (vou) votar nas próximas eleições legislativas

Temos em Portugal o privilégio de viver numa democracia. Mas é, a meu ver, uma democracia muito imperfeita, que, assim mesmo, é de longe preferível a qualquer regime autoritário. É fácil culpar (só) os políticos, que têm enormes responsabilidades, mas essa razão não justifica tudo… Afinal somos nós, os cidadãos, que os elegemos ou que nos abstemos de os eleger. Nos intervalos lamentamo-nos muito, mas responsabilizamo-nos pouco, e provavelmente não valorizarmos devidamente os que são sérios e dedicados à causa pública.

Porque funciona mal em tantas coisas, o nosso país?

Aos meus olhos, o sistema de justiça é pouco eficaz, muito moroso e demasiado brando com os poderosos. Na assembleia da república multiplicam-se, estendem-se e rendilham-se as leis por mãos que vão depois explorar-lhes as alíneas convenientes, em benefício dos negócios milionários dos seus clientes. Pode esperar pela justiça ou evitá-la, adiando-a de recurso em recurso, indefinidamente, quem tem poder financeiro para isso. Para os mais humildes, o recurso aos tribunais não é fácil e, na prática, pode nem ser possível. Ora, se não há (boa) justiça não há democracia de qualidade ou nem democracia há.

Temos, por outro lado, o chamado «sistema educativo», que presta um serviço que deixa muito a desejar. Na realidade, estamos a ensinar mal (ou nem ensinamos) muitas crianças, sobretudo as mais pobres, que continuarão pobres e terão filhos pobres. Sem condições materiais mínimas, sem educação em casa ou sem afecto e acompanhamento, as crianças chegam à escola e não rendem. Muitas não conhecem normas de disciplina nem de cidadania, problema que atinge também grande parte dos que pertencem a famílias que vivem desafogadamente. Do básico para o secundário, alarga-se a tendência de não haver distinção entre recreios, corredores e salas (que deviam ser) de aulas, injuriando o imprescindível ensino formal. As pedagogias com que (im)prepararam os professores eram construções de barro mole, sempre a deslizar freneticamente para a última moda, no afã de camuflar o falhanço repetido das anteriores. Sobrelevou-se irracionalmente a burocracia com pozinhos digitais na intenção de tudo mascarar, pela mão de agentes que não gosta(ria)m de ensinar crianças. Os assistentes sociais e os psicólogos (alguns esforçados) pouco podem ajudar os professores. Estes envelheceram, perderam a saúde e o crédito. Há pouco quem queira ser professor. A escoa pública precisa de oxigénio e de lucidez.

Há ainda a economia frágil de um país atolado numa imensa dívida. Vamos continuar pobres. E quem não tem casa nem (adquiriu) capacidade para ganhar o pão dificilmente contribui para uma sociedade harmoniosa onde direitos e obrigações deviam de todos.

Todavia, não é objectivo deste apontamento fazer ressumar um rol de desgraças.

Sem credulidade em propaganda eleitoral, não deixarei de prestar atenção às propostas exequíveis dos diferentes concorrentes eleitorais na área específica da educação, que está muito doente. A esses darei o meu voto.

Bom Ano Novo.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Postal de aniversário a uma amiga do peito - dívida antiga

 

A Cristina Mª R. Assis Figueiredo Valadares
 e a sua família nuclear: o Jorge V. e a A. Rita
 
Querida Cristina:

Passaram mais de quatro décadas. Jovens, entrávamos na universidade com a energia e a inocência de quem abraça a vida sem reservas. Humildes, determinados, generosos e solidários. Por quaisquer afinidades fomo-nos agrupando naturalmente. Entre alguns do nosso ano formou-se a “trempe” a que chamámos “dupla”. O verso do acróstico que veio a caracterizar cada membro desse grupo é, no teu caso, de significado curto e pobre. “Respeitável” assenta-te que nem uma luva, claro. “Inteligente”, não podia oferecer dúvida. Mas falta(va) ali muito. E todos o sabíamos, antes como agora (sendo provável que tu própria não lhe tenhas ligado nada). Porque eras a melhor de nós: o elemento mais disponível, mais agregador, mais generoso, mais presente, mais desprendido, mais atento a todos e a cada um dos outros (o que se estendia ao curso inteiro, a familiares, a vizinhos, a amigos, a amigos dos amigos e conhecidos ou desconhecidos…). Mas não era apenas isso. E este «não apenas», nada enigmático (e sempre intuitivo e claro e nobre e bom) não era nem é fácil de dizer por palavras (poucas ou muitas…).

De onde te vinha isso? A resposta é fácil: Os pais já eram assim. A avó (a única que conhecemos) já era assim. O ambiente na (que viria a ser a) CP (casa dos pais) era assim: a porta permanentemente aberta, a mesa invariavelmente farta e sempre com lugares disponíveis. Os amigos entravam e sentiam-se da e na família. Era assim. Sempre foi assim.

Chegou a maturidade etária - sem que qualquer dos do nosso grupo mais restrito tivesse alguma vez incumprido os seus deveres de estudo ou manchado a dignidade - e a entrada na profissão. De novos encontros resultaram novas famílias. Pelo teu lado chegou o Jorge. E veio como se já tivesse vindo. Como se sempre tivesse estado.

E à CP acrescentou-se a CF (a casa dos filhos), com a mesma amizade e carinho e estima e afeição. E tesouros de nova geração foram aparecendo. Não foi pequeno, nem degenerado, o que te coube. Passaram os anos. Os tesouros cresceram, engrandeceram e, naturalmente, encontraram outras pessoas. Na sucessão do tempo é legítimo e esperançoso que aguardemos por mais tesouros.

Não sei que iniciais possam designar as novas casas, tão dispersas e distantes no espaço, mas a ideia de uma rede alargada de CA (casas de amigos) é reconfortante e não é obrigatoriamente utópica.

Este texto não é uma ilusão nem uma esponja sobre as dificuldades, o sofrimento, a distância, a solidão ou, sobretudo, a finitude. Ele apenas lhes passa por cima, de propósito, neste dia.

Porque a alegria da amizade é mais forte, tão forte que é capaz de afastar as sombras de tristeza e de saudade, ainda que por momentos.

É desses momentos que se trata hoje, 24 de Novembro de 2021.

Sabemos que o sentes tão profundamente como nós, Cristininha.

Obrigado sempre. Parabéns. Beijinhos.

José Batista d'Ascenção

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Tenho os meus comigo e sinto-me mais eu

Chegaram bem e bem-dispostos. Os pequeninos, o Artur e o Diogo, que ainda não andam de pé, mas já gatinham o que podem, são sorridentes e nada estranhões. Conhecêmo-los pessoalmente agora, e é um contentamento. O mais velhinho, o Gaspar, a caminho de três anos e meio, estava mortinho por vir para os avós: lá, do outro lado do Atlântico, faz tempo, todas as manhãs ia perguntando, - e apontava para um calendário pendurado na parede da casa - se já era o dia de partir…

Os pais, com a criançada e as traquitanas necessárias, resistiram à viagem e surgiram com ar satisfeito. O tio dos meninos, o nosso rapaz mais novo (o Filipe, que tem menos seis anos do que o João), a trabalhar em Amsterdão, quis vir também, para todos os membros da família nuclear se verem em pessoa, convivermos por uns dias e comemorarmos os anos da Lurdes, agora com o venerando estatuto de esposa, mãe e avó, e recebendo e sentindo o carinho de tantos outros familiares e amigos.

E foi assim que ficámos todos de parabéns. A aniversariante, por antecipação, e todos os membros do “clã”, por podermos estar juntos. Um Natal em fins de Novembro que esperamos repetir, todos juntos também, na nossa casa, em Dezembro (os meus emigrantes adultos ficam em trabalho remoto até lá). Ainda estou em encantamento. E é nessas condições (psico-afectivas) que faço este registo, em que não me alongo, para não cair em pormenores reveladores de pieguice, que, confesso não sinto que seja, e, se fosse, não me incomodava nada.

Para que conste.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Os nossos dados, a “tecno-religião” «Dataísmo» e as orientações práticas que nos dá

«Quer realmente saber quem é? […] Faça um teste para sequenciar o seu ADN. […] Faça-o hoje mesmo e convença os seus avós, pais e irmãos a sequenciarem o ADN deles – os dados deles são de extrema importância para si. E já ouviu falar daqueles aparelhos biométricos que lhe medem a tensão arterial e o ritmo cardíaco 24 horas por dia? Ainda bem – compre um, use-o e ligue-o ao seu smartphone. E enquanto estiver a fazer compras adquira também uma câmara e um microfone, grave tudo o que fizer e ponha-o online. E autorize que o Google e o Facebook leiam todos os seus e-mails, verifiquem todas as suas conversas e mensagens e arquivem todos os seus gostos e cliques. Se fizer tudo isto, então os magníficos algoritmos da Internet-Todas-as-Coisas dir-lhe-ão com quem se deve casar, que profissão deve escolher e se deve ou não iniciar uma guerra.»

In:  “Homo Deus”, de Yuval Noah Harari. Elsinore. 14ª Edição, Dezembro 2020, pág. 439.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

As redes sociais e os dados que lhes fornecemos

Um estudo promovido pelo Facebook indica que «o algoritmo do [próprio] «Facebook já é melhor na avaliação da personalidade e do temperamento de uma pessoa do que os amigos, familiares e cônjuge dessa pessoa. O estudo foi realizado com 86 220 voluntários com conta no Facebook que preencheram um questionário de personalidade com 100 questões. O algoritmo previu as respostas dos voluntários com base no registo de gostos no Facebook – as páginas, imagens e vídeos assinalados com o botão «gosto». Quantos mais «gostos», mais exatas seriam as previsões. De forma surpreendente, o algoritmo precisou apenas de um conjunto de dez «gostos» para superar as previsões dos colegas de trabalho. Precisou de 70 «gostos» para fazer melhor do que os amigos e de 150 «gostos» para superar os cônjuges. Dito por outras palavras, se na sua conta do Facebook já tiver feito mais de 300 gostos, o algoritmo da rede consegue prever as suas opiniões e desejos melhor do que o seu marido ou mulher!»

Na verdade, em algumas áreas o algoritmo do Facebook superou mesmo a própria pessoa.»

In:  “Homo Deus”, de Yuval Noah Harari. Elsinore. 14ª Edição, Dezembro 2020, página 379.

José Batista d’Ascenção

domingo, 26 de setembro de 2021

O (meu) voto nas autárquicas

 

Calhando a passar, em cima dos traços horários das oito, debitados na rádio, frente à assembleia de voto da freguesia onde moro, foi com muito gosto que logo fui cumprir o meu dever cívico. Estava tudo a postos, fui dos primeiros e despachei-me num rápido.

Custou muito a muitos a conquista da liberdade e, com ela, a oportunidade de votar. Isto, em si, é um bem sem preço.

Mas a nossa democracia funciona bem? Eu penso que não. E de quem é a culpa/responsabilidade? Em minha opinião é nossa, dos cidadãos, que, demasiadas vezes, somos pobres em matéria de cidadania. Chegados aqui, o que devia funcionar melhor, para a cidadania ser mais efectiva?

Penso que, em primeiro lugar, é a resolução da pobreza. A pobreza impede a liberdade e a cidadania plena. Depois, entre vários factores, há o papel sofrível da escola. Em meu entender, a escola perde-se no seu papel promotor da qualidade e da elevação social quando não prepara bem os alunos. E não tem preparado bem grande parte deles, sobretudo os filhos dos (mais) pobres.

Quando às opções de voto, custa-me que a propaganda vá ao ponto de prometer o que não compreendo, como a «instalação de um espaço de diversão e treino para animais de estimação (cães)» ou a mudança de piso de uma praça em que passo todos os dias e que não me parece que careça de tal mudança…

A dívida do país é grande, os recursos são escassos (mesmo que nos acenem com milhões a haver…) e deviam ser aplicados com critério e parcimónia.

Parece-me, aliás, que se devia valorizar, entre nós, a possibilidade de os presidentes de junta de freguesia desempenharem a função «pro bono», especialmente naquelas em que o número de habitantes é bastante reduzido. Havendo muitas pessoas reformadas com boa formação e em boas condições de saúde, talvez a sua generosidade pudesse fazer bem às contas públicas e pusesse tino nos gastos e ponderação em certas obras (como as tradicionais rotundas) e em muitas acções, como passeios gratuitos injustificados.

Em qualquer circunstância, não prescindo de votar, e ponho a cruz nas possibilidades que me parecem melhores. Ou menos más.

Sempre com o gosto especial da liberdade.

José Batista d’Ascenção

domingo, 19 de setembro de 2021

Jovens (portugueses) que partem

Pronto: agora todos os meus filhos e netos são emigrantes. O filho mais novo partiu hoje, depois de quatro anos a trabalhar (no domínio da informática). Eu e a mãe fizemos questão de levá-lo ao aeroporto. Regressámos há pouco, algo silenciosos. Ambos pensativos, pela minha mente passava o atractivo de um bom contrato, salário relativamente alto, subsídio mensal de transporte, primeiro mês num hotel e uma equipa a procurar-lhe possibilidades de habitação, de que escolherá a mais conveniente, subsídio para instalação na habitação e outras gratificações. Como podia ele ficar? Já ganhava tanto como eu, que trabalho há 37 anos (e sou privilegiado, no meu país, porque tenho trabalho e porque ganho o que muitos não aspiram a ganhar…), mas o que lhe oferecem é irrecusável, realmente. E ele vai-se embora, e há um vazio no peito que não sei como preencher. A minha mulher, no banco da direita, vinha toda ocupada a disfarçar a tristeza da despedida. Ela que não tem qualquer consideração pelo dinheiro, nem espírito para fazer mealheiros: trabalha muito porque gosta e para se sentir viver, não para luxos com que cubra o corpo ou ostentações de qualquer tipo, mas viajar, ler, ver cinema, comer bem em sítios bonitos valem, no seu critério, o que for preciso pagar. É assim. Por isso entendia que o nosso benjamim ganhava bastante bem, e preferia tê-lo por perto, indubitavelmente.

Tacitamente, ao regressar a casa, eu e ela fomos para lugares diferentes, onde habitualmente trabalha cada um, e não falámos na despedida de hoje. Nem falaremos, por ora. Temos o direito de fugir ao assunto.

Eu vingo-me aqui, nestas palavras, que ela não sabe que estou a escrever. Ao Filipe não direi que as escrevi. Mas apetece-me gritar. Gritar que estou mais só. Que me faltam o conforto e as asas do sonho. Que me vão faltar abraços reais, de que tanto preciso. Que não suporto a perda do luxo que era sentar-me no sofá e adormecer ao som da música do piano, pelos dedos do meu rapaz, aquele que ainda não tinha fugido. E também vou sentir a falta de apoios materialmente úteis e reconfortantes. Quem vai agora desemburrar-me quando o computador não colaborar comigo? Quem se vai preocupar com as minhas viagens mais longas de carro, e sempre pronto para me aliviar do “stress” do volante? Onde vou eu compensar o prazer de, manhãzinha, aos fins-de-semana, dispor a mesa como se ele tomasse o pequeno-almoço comigo, mesmo que, quase sempre, só se levantasse a tempo do almoço?

Não é a hora de invectivar as condições sócio-económicas do país nem a acção dos políticos. Não era razoável, nem nada adiantaria.

Como não adianta este registo, que é apenas um lamento pela partida do meu menino mais novo.

Boa sorte, meu filho.

José Batista d’Ascenção

sábado, 11 de setembro de 2021

Antes que o dia acabe, dois pequenos apontamentos…


A minha homenagem, com apreço muito sentido, ao Presidente “cenourinha”, que ontem nos deixou. Um Homem Bom. E a delicadeza e a coragem e o respeito pelo outro - particularmente o desprotegido - em pessoa.


Obrigado, Jorge Sampaio.



A recordação do ataque às “Torres Gémeas”, que a criança que o meu filho mais novo era, à data, viu e registou como foi capaz na imagem ao lado.

O mundo tornou-se pequeno, é certo, para a estupidez humana. Mas cabe-nos viver nele. Todos. Se o permitirmos.

Viva a liberdade!

José Batista d’Ascenção

domingo, 5 de setembro de 2021

«Quem disse à estrela o caminho que ela há-de seguir no céu?»

Pertencemos à Natureza, que só muito parcialmente compreendemos. Somos feitos dos mesmos átomos de todas as coisas, que, ao longo do tempo, por evolução, se organizaram até às estruturas (cérebros) que sentem e pensam e sonham e decidem e resolvem (ou complicam…), mas não sabemos a razão última porque é assim nem para que é assim.

Somos da Natureza, mas não dominamos a Natureza. Emergimos nela/dela, alteramo-la, contudo, e podemos modificá-la (como estamos a fazer) até ao extermínio da nossa e de muitas outras espécies tão complexas como nós, os humanos.

Consideramos na Natureza, como em nós, o bem, o bom e o belo, o mal e o horrível. E o belo pode ser horrível, como o horrível é tantas vezes belo, se visto pelos que o não sofrem, ao tempo que acontece e em tempos posteriores.

Poalha das estrelas, nada do que somos escapa ao “débito” da mãe Natureza. E a Natureza cobra-o em algum momento, aos viventes ou aos vindouros.

O caótico das nossas acções soma-se até às consequentes resultantes que ocorrerão em tempos e lugares que, na maior parte dos casos, não sabemos prever.

Somos interrogações que nem sabemos formular. E a invocação de Deus(es), só no íntimo de alguns alcança respostas ou a convicção delas.

Sobra o mistério. Não obstante, os caminhos que caminhamos carecem de sentido, de que somos capazes ou não.

Por isso, não podemos dispensar-nos da busca. E de caminhar.

Valha-nos a ciência. E a poesia. Para além do mais.

Donde, a Escola ser fundamental.

José Batista d’Ascenção


PS: o título deste texto são dois versos impropriamente roubados a Almeida Garrett.

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

«Clarissa», de Erico Veríssimo – releitura, 46 anos depois

Nos dias deste Verão, em que passei revista a uma série de livros da minha adolescência, ficou-me na mão a «Clarissa», de Erico Veríssimo. Li umas passagens, de imediato umas páginas e logo o reli por inteiro, sem parar. Uma escrita simples, clara, escorreita que deixa ver à “transparência” a alma das personagens. Em que é agradável ler que «a vida tem momentos brilhantes que compensam a dor de viver», em que se faz registo do «cheiro a terra molhada» em que se escreve que, no mapa, «a Itália, como uma bota de coral», aplica «um pontapé na Sicília». Alice Vieira, diz desse livro, no jornal «Público» de 14 de Agosto (pg 55) que lhe «ensinou que não é preciso uma grande história para se escrever um grande livro.» E se ela o diz…

Reli palavras muito em uso na aldeia da minha infância, no interior da Beira Baixa, e que desapareceram do léxico, como: «espichar», «estabanado», «estralar», «cisco», «encrencado», «gandaia» «desinquietos» e outras do vocabulário do Brasil, que então não conhecia.

Foi uma das obras que li para a disciplina de Português, no liceu (em Castelo Branco). E ficou-me na lembrança.

Hoje, não conheço escritores que escrevam assim. Alguns há que parece tudo fazerem para não serem entendidos. E eu faço-me o favor de não os ler.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 31 de agosto de 2021

Marcas do tempo em espíritos brilhantes

Nos dias que correm, tornaram-se vulgares as referências ao carácter “racista” de muitas obras de artistas maiores da História da humanidade. Também a protecção dos animais se tornou um assunto importante para cada vez mais pessoas, e ainda bem, pese o possível desconforto de certos bichos, que não podem fugir às consequências do amor mais ou menos bem resolvido que os seus donos lhes dedicam.

Acontece que cada autor, enquanto ser humano, é sempre um produto modulado pelos padrões sociais, culturais e educacionais do seu tempo, e das suas aventuras de vida, face às possibilidades que as condições biológicas (a genética, a neurofisiologia, a alimentação, a saúde…) determinam ou permitem. Inescapavelmente.

Vem isto a propósito de uma das minhas leituras de férias, «O Retrato de Dorian Gray», de Oscar Wilde. Pois li com desconforto a opinião de uma das suas heterodoxas e brilhantes personagens sobre as mulheres, em várias passagens. Trata-se de preconceitos tão taxativos quanto infundados, numa obra literária de grande fôlego - «O mais importante romance de Oscar Wilde» - lê-se na capa, por debaixo do título (Publicações Dom Quixote, 1ª edição, 2003). E surgiu-me a dúvida sobre se tais opiniões são (apenas) da personagem ou do próprio autor, mesmo descontando o seu apego ao cinismo, ao sarcasmo e à ironia. O mesmo senti sobre as relações amos-criados, em que estes são tratados mais como autómatos ou coisas do que como pessoas, pessoas de quem se aprecia «a plácida marca do servilismo» (pg 175).

Recentemente, li algumas referências aos registos de S. Paulo sobre a posição dos homens e das mulheres no casamento. Umas condenando, outras defendendo. Ora, poucos opinadores são capazes de situar o apóstolo no seu tempo, por incapacidade ou falta de habilitações, ao contrário do que faz brilhantemente o académico Frederico Lourenço, em textos de luminosa profundidade. Tem tanto sentido acusar(mos) o Santo de desprezo pelas mulheres como acusá-lo de não se opor à escravatura…

Ou seja: tendemos a olhar o passado com os olhos e o pensamento do presente e a julgá-lo pelo prisma que nos é imediato ou conveniente. Acontece que é desejável algo mais para um entendimento esclarecido.

Que às marcas do tempo nem os santos escapam.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Pequeninas coisas do que fui sendo e sou

Por estes dias rumei ao sótão da casa da minha mãe, na aldeia, e decidi-me a abrir o “sarcófago” onde, há dezenas de anos, jaziam elementos escritos importantes na minha aprendizagem e na minha formação. Lá estavam “preciosidades” como as provas de treino e de avaliação da escola primária, algumas atacadas pelas traças, os cadernos diários das diferentes disciplinas dos tempos do liceu – o Liceu Nacional de Castelo Branco -, os “Cadernos de Educação Popular” e outros fascículos, revistas e livros com pendor político, que “estudei” avidamente na adolescência, na sequência da inebriante festa da liberdade, que foi o 25 de Abril de 1974.

Sempre tive uma grande atracção pelos ideais políticos e pela «coisa pública», diametralmente oposta à opinião repulsiva que ia formando sobre a acção de grande parte dos líderes e protagonistas, desde então até hoje. Por um lado a esperança funda num caminho de progresso da humanidade e, em particular, da sociedade portuguesa. Por outro, a realidade, no modo como em cada tempo a fui (vi)vendo, sempre a frustrar-me as expectativas.

Mas os tempos de hoje em Portugal são melhores, incomparavelmente melhores, do que a vida miserável do país, naquela altura e antes disso. Em termos gerais, naturalmente.

Acalentei o sonho de que a Escola havia de resgatar o povo português, na sua preparação e mentalidade - um atrevimento e uma ilusão.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Até ao próximo incêndio

São eucaliptos. Crescem bastos desde o último fogo, vai fazer um ano. Ninguém os semeou. Não é preciso. Há courelas que parecem (enormes) canteiros, sem que ninguém tenha feito nada para isso. Ou melhor: alguém fez, sim: quem, bem-intencionado e calculista, plantou os que, ao arderem, libertaram as sementes, em número infinito. Da cepa desses crescem vigorosos rebentos, alguns já com 3m ou mais de altura - árvore fabulosa: quase se vê crescer de dia para dia. Mais rápidos que (todas) as outras plantas, ocupam os espaços e roubam a luz, em proveito próprio. E crescem, crescem. Ironicamente, ou talvez não, sendo um mal, as pessoas vêem-nos como a (única…) fonte possível de rendimento, daqui por dez anos. Se não arderem entretanto, o que não é pouco provável. Neste Portugal interior, da Beira Baixa, antiga zona do pinhal, com muito poucas pessoas, não sei se não se caminha para um “deserto” de eucaliptos. Em sítios (mais) baixos e na margem das estradas, também as acácias proliferam… Dura lei da vida: é uma luta entre plantas, em que vencem as mais “fortes”.

Morta a agricultura (de subsistência), abandonadas as (pequenas) vinhas de produção própria e algumas oliveiras galegas, de bom azeite, a beleza da paisagem, doravante ainda mais monopolizada pelo eucalipto, nada pode contra a falta de ocupações remuneradas em qualquer tipo de indústria, a ausência de centros de saúde e de farmácias, o encerramento dos CTT e de agências do banco público, etc. Como se poderão fixar pessoas permanentemente nestas paragens?

Não sei. Não sei responder.

Mas gosto de vir aqui, ao sítio onde nasci e fui menino, até ao fim da escola primária.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Montemor-o-Velho, o tributo que lhe devia

A vista do Castelo de Montemor-o-Velho, na aproximação pelo Poente (estrada nacional 111), sempre me maravilhou. Desta vez fiz-lhe um retrato, com as limitações do meu talento fotográfico somadas às do humilde telemóvel que tenho há vários anos. O produto está ao lado. Da estrada vi, demoradamente visto, o monumento. Do seu interior tentei captar a extensão e a beleza dos campos de arroz, que sempre tocou a minha sensibilidade, de onde quer que os olhasse, ali ou noutro lugar qualquer.

Do concelho de Montemor-o-Velho, carregado de História, guardo outras memórias boas. Na primeira metade da década de oitenta do século XX, tive o privilégio, eu e os meus colegas do curso de Biologia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, de ir em visita de estudo ao Paul de Arzila, sob a orientação conjunta do Professor de Ecologia Animal – o Professor Ferrand Almeida e do Professor de Plantas Vasculares, de Anatomia Vegetal e, sobretudo, de outros saberes informais não menos importantes, como ambientalismo (fundamentado), cidadania, camaradagem e cultura geral – o Professor Jorge Paiva. Lá voltaríamos mais do que uma vez, a esse e a outros pontos de interesse. Essas visitas de estudo com o Doutor Paiva, frequentes e diversificadas (que incluíram o Jardim Botânico, os Campos do Mondego, o Choupal, a Mata da Margaraça, o Piódão, o Buçaco, o Gerês…), eram verdadeiramente formativas.

Os pastéis de Tentúgal, doces tradicionais muito conhecidos, como a generalidade dos doces, não são para mim nenhuma perdição. Já a broa de milho branco (branca também, e macia) de Montemor é (para o meu gosto) uma delícia de que abusei dias seguidos este Verão.

Quando, em 2001, as cheias do Mondego submergiram grande área do concelho doeu-me a arrogância do “Homem que sabe” perante as forças na Natureza que ou não haviam sido calculadas com o rigor devido ou a execução das obras de regularização do caudal do rio não cumpriu todos os requisitos desejáveis. Admito que este meu sentimento se devesse, em parte, ao meu gosto antigo por Montemor-o-Velho, de que faço (este ligeiro) registo.

Por fidelidade, registo também um pormenor desconfortante que me persegue nas deambulações pelo meu país: À entrada do Castelo, à ombreira direita, plantava-se uma figura feminina, de meia-idade, que, pela atitude e indumentária, se me afigurou como alguém com défice cognitivo. Pedia. A um olhar que troquei com a Lurdes (a minha mulher) recebi o sinal habitual: devia dar-lhe alguma coisa. Ia levar a mão à carteira quando surge um funcionário a invectivar a mendiga, que não podia permanecer ali, naquela actividade… De olhar vivo, ela lera-me a intenção, mas afastou-se dois metros para o lado de fora. O homem, cumprido o seu dever sem muita convicção, virou costas e perdeu-se no interior. À saída, no mesmo local, surgia a mulher, expedita, ao meu lado, de mão estendida, num rosário de justificações: «só dá quem quer, que mal faço eu aqui?», etc. Em silêncio, mecanicamente, e sem parar, depositei a moeda de euro na palma aberta. Tão desconsolado por tê-lo feito como ficaria se o não fizesse. Em tempos pensei que a democracia no meu país, e a escola, em que depositei grandes esperanças, resolveriam isto. Agora, procuro alento na ideia de que, no tempo dos meus filhos e netos, se possam desvanecer as razões destes sentimentos que permanecem no meu modo de olhar o meu país e os meus concidadãos.  

José Batista d’Ascenção

sábado, 14 de agosto de 2021

Vacinas de RNA

O carácter revolucionário das vacinas de RNA reside no facto de proteínas estranhas, contra as quais certas células do sistema imunitário produzem anticorpos, serem sintetizadas pelas células do próprio organismo. Como é isto possível?

As proteínas, todas as proteínas, são sequências (rigorosamente definidas) de aminoácidos, ligados entre si (por ligações peptídicas), formando longas cadeias, ditas polipeptídicas ou simplesmente peptídicas. Associados à(s) cadeia(s) polipeptídica(s) (uma proteína pode ser constituída apenas por uma cadeia peptídica ou por duas, três, quatro ou mais…), muitas proteínas apresentam grupos químicos que não são de natureza peptídica (como é o caso da hemoglobina, a proteína dos glóbulos vermelhos do sangue, constituída por quatro polipeptídeos, cada um com um grupo que contém ferro, ao qual se liga o oxigénio que é transportado dos pulmões para os tecidos).

Qualquer proteína específica de um ser vivo apresenta sempre o mesmo número de aminoácidos e com a mesma sequência, excepto se houver mutação do código genético que define rigorosamente essa sequência, a qual determina uma estrutura tridimensional característica.

A codificação das proteínas está escrita (literalmente) numa molécula bioquímica de uma substância acídica que se chama ácido desoxirribonucleico (DNA na sigla inglesa ou ADN, em português).

O código genético (uma sequência linear de quatro grupos químicos que funcionam como quatro “letras” diferentes), contido no DNA, está normalmente protegido nas células, a fim de não ser corrompido por “acidentes” físico-químicos que, a qualquer momento, podem ocorrer, devido a radiações, venenos, etc. Por essa razão, as porções de DNA que codificam proteínas (genes) são transcritas para outro suporte – outra molécula linear, constituída igualmente por uma sequência de quatro “letras” (três delas comuns ao DNA) – e é este suporte, chamado RNA mensageiro (RNA ou ARN são siglas de “ácido ribonucleico”), que é traduzido em sequências específicas de aminoácidos, por organelos celulares chamados ribossomas, que executam a síntese proteica.

Esquema base da síntese proteica em bactérias
Ora, de modo simplificado, sempre que os organismos animais complexos têm (o primeiro) contacto com moléculas biológicas (por exemplo proteínas) reconhecidas como estranhas pelo seu sistema de defesa (constituindo o que chamamos antigénios), as células do sistema imunitário, após muitas horas, durante dias, produzem outras proteínas específicas, chamadas imunoglobulinas, de várias categorias, capazes de se ligar, por complementaridade, àquelas proteínas estranhas contra as quais foram “desenhadas”, formando complexos que lhes anulam a patogenicidade ou a dos micróbios em cuja superfície se apresentam. Além disso, depois do primeiro contacto, há células-memória que, em contactos posteriores, produzem rapidamente (em poucas horas) quantidades enormes de anticorpos, desencadeando o efeito de imunidade (dita humoral). As vacinas consistem basicamente em provocar artificialmente este mecanismo. O recurso às vacinas permitiu a erradicação de doenças infecciosas terríveis, como a varíola.

E quanto às vacinas de RNA?

Estas vacinas consistem em inocular nos organismos não as proteínas estranhas (antigénios), ou os micróbios que as contêm, mas o RNA mensageiro que codifica aquelas proteínas. As células do organismo a imunizar recebem o RNA mensageiro, este é traduzido nos seus ribossomas com produção das proteínas antigénicas, estranhas, portanto.

A partir daí, o processo é idêntico: porque são estranhas, o sistema de defesa elabora anticorpos contra elas e guardará em memória essa capacidade. Se tudo correr bem, a imunidade adquirida é assim conseguida.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Nós e a miséria do mundo

Temos o mundo digital e tecnológico.

Temos a riqueza do mundo pertença de muito poucos e a pobreza chocante da maioria dos seres humanos.

Temos quem pague somas estratosféricas para ir ao espaço sentir a ausência de gravidade por escassos minutos. E quem, no que chamamos desporto, negoceie pessoas por quantias astronómicas.

Temos um planeta que caminha a passos largos para um clima insuportável, perante a nossa inconsciência, não obstante tantos avisos.

E também temos muito próximo de nós (Braga, no caso) o que a foto documenta.

No entanto, este é o melhor dos mundos que a espécie humana conheceu.

O que virá para os nossos filhos e netos, e restante criação?

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

A alma das gentes

A qualidade artística das figurações não é proporcional ao tamanho do painel (em minha não avalizada opinião). Assim mesmo impressionou-me agradavelmente. São muitos metros quadrados com cenas rurais num amplo e aprazível santuário religioso (de Santa Luzia) do centro (mais ou menos) desertificado (de pessoas, claro) do interior do país (Castelejo, Fundão).

A capela (principal), muito harmoniosa, é do século XVIII, em estilo barroco.

Por aquelas paragens, que pouco interessam aos governantes, se os políticos não resolvem, nem inspiram confiança, restam sempre os santos, que «esperam mas não perdoam» (pel)o cumprimento das promessas dos aflitos. Foi assim que o ouvi de várias bocas, agora como noutros tempos.

Por ali passei e registei.



José Batista d’Ascenção

sábado, 7 de agosto de 2021

A solidão no Portugal profundo

De retorno, por uns dias, à terra e à casa onde nasci, pude voltar aos sabores e cheiros da infância. Não às cores. Não ao verde da paisagem, que o negro ainda (a)tinge com dureza. A juventude é pouca e a que existe é-me desconhecida, embora simpaticamente receptiva às minhas humildes e tímidas indagações. Raparigas e rapazes impressionam(-me) pelo tamanho físico. Abençoada alimentação e vivências, que os fizeram crescer bem acima da estatura dos meninos e meninas da idade deles no meu tempo, já lá vão umas décadas.
Mas são os idosos que me tocam até à emoção (que disfarço como posso). Corrijo: idosas, e muitas, felizmente. Mas os anos sobrepesam demasiado, cada vez mais. Já volto a elas. Antes, uma referência a eles, os homens, que já eram (quase) velhos quando eu era rapaz (ou eu assim os via). Os trabalhos, na agricultura, na madeira, na resina, na construção ou na abertura de poços (para captação de água), em surriba, a roçar mato ou cortar lenha eram duros e desgastantes. Mas não foi isso que os fez morrer antes delas. Suponho que terá sido, principalmente, o consumo de álcool (com que fugiam às dores da existência, afundando-se noutras mais violentas ainda, arrastando consigo os mais próximos, mulher e filhos, normalmente). Na minha pobre família foram vários os casos… Muitos daqueles homens, alguns em acúmulo, agravavam a saúde com o vício do fumo, “queimando” os pulmões e parte do dinheiro que fazia falta para necessidades básicas, quais fossem as de alimentar a família. Depois havia ainda os acidentes muito frequentes, quer porque a segurança no trabalho era um conceito ausente, quer porque a sobriedade desejável nem sempre era um facto, mesmo quando os perigos do ofício o exigiam.
Portanto, os homens morriam mais cedo. E para muitas mulheres, pese embora os choros e lamentações fúnebres e o luto perdurável (a condição de viúva envolvia o negro definitivo da roupagem), a morte do «seu homem», apesar da dificuldade de conseguir sustento, significava o alívio de uma vida de martírio, mais ou menos prolongado.
A maioria destas velhinhas anda agora pelos noventa anos e algumas já os ultrapassaram. Doces e ternurentas, algumas, e não tanto outras. Uma delas, com o olhar longínquo, queixava-se da solidão, acusando: «estas serras esmagam o peito da gente». Quase todas prodigalizam abraços e palavras profundamente reconfortantes (esquecendo-se facilmente dos procedimentos preventivos da pandemia…). Algumas fazem-no como se se estivessem a despedir. Mas nem elas nem eu o referimos. Não podem imaginar como lhes aprecio e agradeço a bondade do gesto!
Em sua homenagem escrevi estas palavras.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

A crise actual da condição humana, segundo António Damásio

Excertos do capítulo 12 do livro «A Estranha ordem das coisas»


«A crise atual da condição humana é uma crise curiosa, pois embora as condições locais sejam distintas em cada ponto do mundo (…), as respostas que a definem são semelhantes, marcadas pela zanga, fúria e confronto violento, a par de apelos ao isolamento dos países e de uma preferência por governação autocrática. Mas a crise é sobretudo dececionante (…). Seria de esperar que pelo menos as sociedades mais avançadas tivessem ficado imunizadas pelos horrores da Segunda Guerra Mundial e pelas ameaças da Guerra Fria (…).

Os tempos que vivemos poderiam ser a melhor das épocas para se estar vivo» (…). Tais são as descobertas científicas, o brilho técnico e a quantidade de conhecimentos disponível e de fácil acesso ou as extraordinárias possibilidades de interligação humana à escala planetária (comunicação electrónica, viagens, acordos internacionais…), bem como o diagnóstico e a cura de doenças, que permitem o aumento da longevidade, que pode «prolongar-se de tal forma que se espera que os seres humanos nascidos após o ano 2000 possam viver, e bem, (…) até uma média de 100 anos. (…)

No entanto, para considerar os nossos dias como sendo os melhores de sempre seria preciso que estivéssemos muito distraídos, já para não dizer indiferentes ao drama dos restantes seres humanos que vivem na miséria. Embora a literacia científica e técnica nunca tenha estado tão desenvolvida, o público dedica muito pouco tempo à leitura de romances ou de poesia, que continuam a ser a forma mais garantida e recompensadora de penetrar na comédia e no drama da existência, e de ter oportunidade de refletir sobre aquilo que somos ou que podemos vir a ser. (…) Curiosamente, ou talvez não tanto, o nível de felicidade nas sociedades que mais beneficiaram com os espantosos progressos do nosso tempo mantém-se estável ou em declínio, caso possamos acreditar nas respetivas avaliações.

Ao longo das últimas quatro ou cinco décadas, o grande público das sociedades mais avançadas aceitou, com pouca ou nenhuma resistência, o tratamento cada vez mais deformado das notícias e das questões públicas concebidas para se enquadrarem no modelo de entretenimento da televisão e da rádio comerciais. As sociedades menos avançadas não têm demorado a imitar essa atitude.

(…)

Em geral, o público não dispõe nem de tempo nem de método para converter as quantidades imensas de informação em conclusões razoáveis e de uso prático. Além disso, as empresas que geram a distribuição e a agregação de informação ajudam o público de forma dúbia: o fluxo de informação é orientado por algoritmos da empresa que, por sua vez, influenciam a apresentação, de modo a adequar-se a uma variedade de interesses financeiros, políticos e sociais, a par do gosto dos utilizadores, para que estes possam continuar fechados no silo de opiniões que os entretêm.»

Afixado por José Batista d’Ascenção

domingo, 25 de julho de 2021

O desporto e a instigação do ódio

 

Actualmente, a diminuição da prática de exercício físico prejudica seriamente a coordenação motora e faz aumentar catastroficamente a obesidade, com múltiplas consequências na saúde.

A ginástica devia, por isso, fazer parte dos currículos de todos os estabelecimentos de ensino, do básico ao secundário, e ser publicamente assumida como um serviço a prestar às pessoas de todas as idades. Propositadamente, evitei a expressão “educação física” porque, quando se fala de “educação” a polissemia do termo conduz a interpretações diversas, incluindo a de xaropar crianças e jovens com conteúdos teóricos em sala de aula e de os obrigar à realização de trabalhos gráficos que mais não fazem do que aumentar o sedentarismo (e a aversão àquela disciplina escolar).

A prática de desporto, vista como actividade física por gosto e factor promotor da saúde, caminha amiúde em sentido pouco recomendável. Acentua-se a competição agressiva, desvalorizam-se as boas maneiras e o respeito pelos adversários ou instiga-se o mais estreme ódio aos oponentes (ou a algum deles em especial). Estes fenómenos de agressão tornaram-se visíveis em certos pais que acompanham os seus infantes aos torneios, muitas vezes insultando soezmente árbitros, elementos da equipa oposta ou outros pais, alguns fanáticos como eles, mas também os que são pessoas pacatas.

Em alta competição, a cultura da agressividade e do ódio preocupa igualmente. Aquele que já foi considerado o melhor treinador de futebol do mundo praticou o “método” com bons resultados (para as suas equipas e proveito material para si). No campeonato português de futebol, treinadores há que, em certas manifestações: olhares, palavras e atitudes, parecem destilar ódio. Certos jogadores, idem. Chamam-lhe competitividade e outros nomes. Mas é ódio. E esse ódio é alimentado por dirigentes e certos opinadores, incendiando facilmente o público aficcionado. O caso das claques é extremo e do domínio da criminalidade, tão incomodativa quanto impune. A aberração do racismo, medular na besta humana, é mais comum do que se admite, disfarçada sob o verniz social.

Curiosamente, quando a disseminação do ódio se igualiza, por assim dizer, entre a maioria dos oponentes, o seu efeito na melhoria dos resultados tende a anular-se e o “método” acaba a prejudicar todos.

Mas porque é que é assim? Na raiz do problema estão dois factores, um genérico e outro específico, contido no primeiro. Esse primeiro é a natureza do animal humano e a necessidade que tem de dar vazão à sua agressividade e violência sobre os semelhantes. E o segundo, não menos terrível, é a ganância por fama e dinheiro.

Há remédio?

Não sei. Mas sei que perdi o gosto por assistir a encontros desportivos (por exemplo de futebol) onde os praticantes são tão bons que dificilmente se conseguem vencer. E então recorre-se a qualquer deslealdade que permita vantagem no resultado. Mas o espectáculo fica diminuído.

José Batista d’Ascenção

sábado, 17 de julho de 2021

A “educação ambiental” que não há ou que não foi ou não é eficaz

Esforço-me por destacar na juventude as atitudes que me parece que assegurarão um futuro melhor para a humanidade.

Nas últimas décadas, em muitos momentos, pensei que a escola fora eficaz a sensibilizar e educar crianças e jovens, os quais se tornariam agentes de influência activa sobre os adultos.


São cada vez mais os momentos em que me encho de dúvidas.


O local das fotos, na margem esquerda do rio Cávado, é muito bonito e é frequentado por pessoas de todas as idades, que ali fazem exercício físico ou descansam ou convivem.

Na manhã de hoje estava assim e as fotos dão uma pálida ideia do aspecto geral.

Uma das pessoas que ali se desloca várias vezes por semana referiu que, ainda ontem, todo o espaço estava limpo. Disse também que é frequente, aos fins de semana, à noite, haver ali convívio de gente jovem, que nunca recolhe o lixo.

Algumas pessoas e grupos de escuteiros, não raras vezes, limpam o que outros sujam.

Não sei como se deva resolver o problema. Mas justifica-se que as autoridades apliquem coimas severas aos prevaricadores, porquanto esse costuma ser um meio dissuasor.

À falta de melhor…

José Batista d’Ascenção

domingo, 11 de julho de 2021

Educar com e para o espalhafato

 

Após o término das aulas dei comigo a assistir a alguns (poucos) desafios de futebol na TV e a gastar tempo com um ou outro programa de entretenimento televisivo (até ao ponto do suportável, normalmente curto). Nos encontros de futebol optei por desligar o som a maior parte do tempo. Se a minha opinião contasse informaria os comentadores de que não é preciso gritar o que estamos a ver e que se dispensam empolgamentos artificiais com aspectos comuns dos jogos. Há dias demorei-me, de pé frente ao “écran”, num programa de Filomena Cautela, a apreciar os seus conhecimentos sobre questões ambientais e a justa pertinência do tema. E gostei. Já o mesmo não digo da piadola forçada, das inflexões histriónicas da voz, de certos esgares e do estímulo ao “barulho”, que impediram que, não obstante a simpatia pela apresentadora, me sentasse e assistisse até ao fim. Noutros programas (excessivamente) longos, de manhãs ou tardes, fiquei igualmente com uma boa imagem da preparação e da sensibilidade das/dos profissionais que os conduzem.

O que também gosto de ver, por vezes nos intervalos de umas sonecas, é a “Volta à França em Bicicleta”. Não pelos ciclistas, que pouco me interessam: não faz sentido, para mim, vitoriar alguém que, ao fim de 200 km ou mais, ganha por «meia-roda» a um cacho de corredores que chegaram com o mesmo tempo. São todos excepcionais. Mas rendo-me ao cartaz publicitário daquelas belas imagens e à grandeza da realização que no-las mostra. Também aprecio imenso a locução de Marco Chagas, porque muito conhecedor e actualizado na matéria, e não extemporânea ou excessivamente palavroso. Muitos poderiam aprender com ele.

De resto, em todo o espaço público: na política, no desporto, nos espectáculos, nas manifestações e nos acontecimentos (ditos) culturais, e até na vulgar convivência, exagera-se, a meu ver (e sentir), na tendência para o protagonismo egocêntrico ruidoso, como se fora qualidade e não defeito.

Ora, a Escola não é imune ao “ar do tempo”. E parece-me que resiste mal ou nem resiste à “contaminação”, que adopta e frequentemente pratica com diligência. Não com a minha colaboração. Sem abdicar do humor, da graça oportuna e da ironia não destrutiva, da minha parte ou dos meus alunos, que são o “sal” da pedagogia. E apraz-me ver que são muitos os miúdos receptivos à contenção e sensíveis à conveniência da moderação e da humildade.

Porque a juventude não está perdida, (mais) perdidos (e absurdos) me parecem os da minha geração.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 9 de julho de 2021

Literatura: «O jogador», do grande F. Dostoievski

«O Jogador» é um tratado de psicologia social em literatura maior, com escassas duzentas páginas. Lê-lo, relê-lo, trilê-lo, é sempre surpreendente. Leia-se isto: «É verdade que o homem gosta de ver o seu melhor amigo humilhado diante dele: é sobre a humilhação que assenta a maior parte das vezes a amizade; eis uma verdade, que todas as pessoas inteligentes conhecem.» (pg 208).

A realidade supera a ficção, porque o ser humano é cheio de manhas e vícios.

Intrinsecamente.

Intemporalmente.

Irremediavelmente.

Como a esperança num mundo melhor.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Na literatura: princípios, preconceitos e contingências da natureza humana


Os dois últimos livros que li - «O farmacêutico de Auschwitz», de Patricia Posner, e «Philip Roth, Némesis» - causaram-me forte impressão, mas não por que o fundamental de cada uma daquelas obras seja estranho à generalidade das pessoas.

Na primeira terá sido, talvez, por serem tão clara e coerentemente expostos os aspectos mais sinistros da natureza humana, manifestados durante o nazismo, por pessoas cordiais e simpáticas, com boa educação e formação académica dita «superior», que nunca os admitiram nem deles se arrependeram. Mais chocante ainda é a aceitação e apoio público que vieram a receber da população alemã, desejosa de esquecer a sua identificação com a política de um génio político louco e criminoso, após julgamentos tardios e indulgentes, com defesa paga com os ganhos do ouro arrancado das dentaduras dos cadáveres das vítimas.

No segundo daqueles livros, é a mestria do autor a destacar as contingências da vida e a importância que a sorte e o acaso jogam no percurso de cada ser humano («o acaso – a tirania da contingência – é tudo», pg. 180). A personagem principal, órfão de mãe, que não conheceu, e filho de um ladrão que cedo desaparece do seu contacto, recebe dos avós maternos, pessoas pobres, uma educação sólida, firmes princípios e um exemplo de vida que nunca esquece. A sua condição de pobre não impede os encontros felizes com gente que vale a pena, que o estima e lhe quer profundamente, como é o caso da sua namorada, que pertence a uma família de boas posses. O que ele não entende é a invocação de um Deus (qualquer) perante a epidemia de poliomielite que ceifa vidas ou estropia corpos de umas crianças ou jovens e não de outros, sem se conhecer (ao tempo da segunda grande guerra) o modo de a evitar. E a sua descrença e revolta mantém-se e perdura por também ele vir a ser um desses corpos mutilados para sempre, o que o fez afastar-se violentamente e em definitivo da jovem que lhe devotava um amor incondicional.

Uma relação possível entre os dois livros pode encontrar-se na página 118: «E qual é o papel de Deus no meio de tudo isto? Porque é que ele põe uma pessoa na Europa sob ocupação nazi (…) e a outra no refeitório de Indian Hill [EUA] diante de um prato de macarrão com queijo?»

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 29 de junho de 2021

Entrega de correspondência – um mau serviço dos CTT

Há poucas semanas, um livro que me remeteram de Lisboa foi deixado numa habitação de uma rua paralela à minha. Por sorte, o morador, que eu não conhecia, teve a amabilidade de vir à minha porta, no dia seguinte, à tardinha, a fim de me entregar o volume por que eu esperava.

Ontem foi uma carta para um dos meus filhos que foi colocada na caixa do correio da casa de um vizinho ao lado.

Em ambos os casos o endereço (que é o mesmo há bastantes anos) estava escrito de modo completo e correcto, em letra de tamanho grande, bem legível. Já de outras vezes (me) aconteceu.

Também eu, cumprindo papel semelhante ao dos meus vizinhos, já fui de carta alheia na mão procurar os destinatários, em habitações de bairros próximos do meu. E por mais de uma vez.

Dos CTT tinha, desde menino, a ideia de eficiência, e a figura do carteiro merecia-me particular estima e simpatia.

Após a privatização daquela empresa, afigura-se-me que os objectivos se fixaram no lucro financeiro, em prejuízo do serviço social, que muito valorizo.

Enquanto cidadão e funcionário público sinto desconforto: Servimos o dinheiro ou o dinheiro devia servir-nos?

Bem sei que é uma pergunta irreal, nos tempos que correm. Porém, esse facto torna mais premente em mim a necessidade de fazê-la em «voz alta».

José Batista d’Ascenção.

domingo, 6 de junho de 2021

Pensar com os pés ou o valor mais alto da ganância

Sem economia robusta e sempre dependente (e à espera) da transferência de fundos financeiros de entidades estrangeiras, a pandemia vírica (não completamente imprevisível) acentuou os apuros “intemporais” para que Portugal parece fadado.

Não causa espanto que os cidadãos portugueses vivam à espreita de oportunidades milagrosas: os poderosos de colherem os caudais que os governantes vão encaminhando na sua direcção e os pequeninos gastando o que (não) têm nas bancas de raspadinhas e afins.

Um sistema escolar que prepare efectivamente crianças e jovens não é para nós. Os países produtivos valorizam a inteligência, o trabalho rigoroso e a execução do que é necessário. Em (des)compensação, Portugal é um país de espertos, de lampeiros, de milagreiros e de especialistas em (política de) eventos fúteis. Se não são a maioria, predominam, pelo menos na acção prática.

Desportos como o futebol de alta competição são uma guerra de negócios múltiplos, nada transparentes e, eventualmente, pouco limpos, acima ou além das leis. As vitórias desejam-se de qualquer jeito e as batotas são acérrima e descaradamente defendidas por aqueles a quem interessam. Também servem o povoléu, como consolo (pobre) para as frustrações da vida. E fazem as crianças aspirar à grandeza das estrelas protagonistas.

Trabalhar serena, discreta e persistentemente para realizar objectivos úteis a cada um e à comunidade? Isso dificilmente entra nas nossas cabeças e não é exemplo que queiramos dar.

Quando o “nosso” clube ganha, engrossamos a multidão exultante que festeja, esquecendo as regras mínimas de protecção da saúde de todos. Devíamos aprender, mas custa… No entanto, não faltaram os que, apontando o dedo, se afirmaram virtuosos: com eles não acontecia.

Entretanto, os dados favoráveis da pandemia, após muitos sacrifícios, haviam permitido o tão almejado regresso de turistas, particularmente ingleses.

Mas houve a final do campeonato europeu de clubes. E logo Portugal se apressou a oferecer o palco, com o fito em supostos ganhos e ignorando os riscos. Pretensão satisfeita. Porém, o comportamento dos hooligans foi o (miseravelmente) previsível. Sobrevêm as consequências. Curiosamente, quem tinha criticado Lisboa pela festa desregrada, pronunciou-se, não por restrições preventivas, mas pela “igualdade” de direitos dos adeptos portugueses. Qual precaução? Os eventos irracionalmente emotivos devem ser contidos, mas a ganância fala mais alto. Aqueles ingleses, os indesejáveis e os outros, trouxeram 50 milhões de euros, disse o presidente da Câmara Municipal do Porto. São muitos milhões. As contaminações podem aumentar? É possível, mas aquela maquia já cá canta, pensarão os interessados.

Por seu lado, e na sequência (das imagens e do desleixo que significam?), o governo inglês decidiu limitar o turismo para Portugal. Quantos milhões vai perder o Algarve? Esta pergunta deve ser irrelevante para o presidente da Câmara do Porto.

Tristemente, tendo a ver os portugueses, populares e governantes, como uma espécie de súbditos subservientes dos turistas ingleses. Vamos esperar e aguentar.

Explicações? Não se encontram. Pelo menos é o que diz cinicamente o ministro dos negócios estrangeiros de Portugal. O da educação opta pelo silêncio.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 1 de junho de 2021

A vitamina D são duas.

E a sua importância não se restringe à saúde dos ossos (*)

… "Uma vitamina de que se falava apenas em relação com o raquitismo [nas crianças e a osteomalacia nos adultos] e depois com a osteoporose” é, afinal, “uma substância que faz falta a todas as células” do organismo, velando pelo equilíbrio do cálcio, para além de muitas outras funções. Por isso, algumas pessoas estranham que “tenha agora aparecido como uma «moda».”

Na realidade, a vitamina D “é um factor de imunidade”, é “preventiva de doença cardiovascular”, diminui o rico de diabetes do tipo 2 e está relacionada com a regulação do sono [“quando o sol se põe, a falta de luz solar estimula a produção de melatonina pela glândula pineal e esta hormona induz o sono. Ou seja, (...) deixa de se produzir vitamina D na pele e passa a haver melatonina. (...) Com o aparecimento da luz eléctrica tudo se baralhou porque a glândula pineal «engana-se» (...) e não produz melatonina. Mas quanto à vitamina D não se engana, essa não é estimulada pela luz artificial.”]

“A síndrome das pernas inquietas [necessidade que as pessoas sentem de estar sempre a mexer as pernas, sobretudo ao fim do dia] também está associada a baixos níveis de vitamina D.”

A vitamina D é ainda um factor de atenuação da dor, como a associada a “problemas osteoarticulares da coluna, da anca, dos joelhos, dos pés, sobretudo nas mulheres”, assim como das dores da fibromialgia; tem ligação com a síndrome metabólica pós-menopausa [cintura larga, triglicéridos aumentados, colesterol bom baixo, glicémias patológicas e hipertensão], quando em insuficiência, e previne a doença de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas.

“O papel da vitamina D e da luz solar no estado emocional tem [também] grande importância.”

Quando se fala de vitamina D estão em causa duas substâncias: “o ergocalciferol, que é a vitamina D2 e o colecalciferol que é a vitamina D3, a que é doseada nas nossas análises.”

(...) “A principal fonte de vitamina D3 nos seres humanos é a sua formação na pele por acção dos raios ultravioletas da luz solar. Como passamos o Inverno dentro das casas e bem tapados com roupa quando saímos, e como no Verão nos protegemos do Sol com cremes que não deixam passar os raios ultravioletas, é natural que haja insuficiência de vitamina D.”

“As vitaminas D2 e D3 também podem ser obtidas através de alimentos como seja a gordura de fígado de peixes, (...) do peixe gordo e da gema de ovo.”

Ingerida ou obtida por ultravioletas, uma vez no sangue, a vitamina D2 transforma-se em vitamina D3.

Portanto, “o doseamento e a administração da vitamina D não é uma moda. (...) Deve ser administrada nas crianças e nos idosos e nestes principalmente no Inverno, tal como nas pessoas com carência ou insuficiência.”

José Batista d’Ascenção

(*) Baseado inteiramente no livro: «Alimentação, Mitos e Factos», de Isabel do Carmo. Editora «Oficina do Livro». 1ª Edição, 2020. [páginas 213-225). Uso de aspas nas transcrições.

sábado, 29 de maio de 2021

Sobre o “Novo Acordo Ortográfico” [NAO]

Por Pacheco Pereira (jornal «Público» de 29 de Maio, pág. 11, da versão impressa)


… «o Acordo Ortográfico, o maior atentado à língua portuguesa das últimas décadas, que todos já perceberam ter dado resultados contrários aos pretendidos, a começar no Brasil, o seu principal pretexto, é um desastre diplomático e, ao ser imposto à força e ilegalmente, abastarda e degrada a língua nas escolas e na burocracia do Estado. Porque é que não se acaba com essa aberração? Porque uns não querem, e outros não querem saber.»

NAO?

NÃO.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 24 de maio de 2021

A importância que temos


Cada qual julga-se com a importância que a si mesmo atribui. Já aos olhos de terceiros tem a importância que lhe dão. As valorações do próprio comparadas com as dos outros, sobre ele, embora sem escala quantificável, são necessariamente discrepantes.

Há os que se desvalorizam e os que a si próprios se colocam nas alturas.

Há (também) os que, injustamente, tendem a ser desconsiderados e os que, por ignorância ou interessada ou interesseiramente, são elevados pelos demais a pedestais valorativos irreais.

Comummente, os que gozaram em vida de reconhecimento social, vão tendo a sua importância relativizada, e apagam-se com o tempo na memória dos vindouros. Muito poucos «se vão da lei da morte libertando», o que se compreende e aceita e liberta esforço e espaço para armazenamento de dados mais próximos ou prioritários.

Há-os que, por tão visivelmente extraordinários, logo em vida são admirados como tal. Mas houve seres humanos tão discretos que os seus méritos apenas no fim da vida ou depois de morrerem foram reconhecidos. O devir resgatou-os. Aconteceu com pessoas da ciência, das artes, da cultura, do conhecimento... Alguns, embora especiais, terão passado ao lado da possibilidade ou oportunidade de serem reconhecidos, porventura devido à inacessibilidade ou estranheza do seu pensar. 

Todos, porém, precisam de se sentir importantes. E são-no, indubitavelmente. Desde logo porque (tirando os gémeos verdadeiros) cada pessoa é um ser único e irrepetível: no tempo em que vive, mas também em todo o tempo passado e futuro da espécie a que pertence (é fácil explicá-lo em termos biológicos). De alguma forma, cada indivíduo é uma “singularidade”. E vale por si, pelo menos enquanto elemento da (bio)diversidade humana.

Difícil é que cada ser humano, sejam quais forem as suas capacidades e qualidades, ocupe na sociedade um lugar em que se sinta realizado, integrado e considerado. Ganharia ele e ganharia a sociedade.

Importante, verdadeiramente importante, é sermos imprescindíveis naquele grupo (sempre) restrito que inclui família, amigos e conhecidos, que nos querem e que nos fazem sentir que precisam de nós como nós precisamos deles. Por afecto, antes de mais.

Isso adquirido, o trabalho e o talento de cada qual mais facilmente o podem colocar no lugar social que merece. Condição conveniente, mas não necessariamente suficiente, diga-se.

José Batista d’Ascenção