sábado, 29 de setembro de 2018

Encenações

Imagem obtida aqui.
Ele há coisas! Uma instituição judiciária militar encenou a recuperação de material de guerra roubado de Tancos, por «acordo de cavalheiros com o ladrão das armas», invocando «o interesse nacional», noticia o jornal «Público» de hoje (página 13 da versão em papel).
Segundo a mesma notícia, «no cerne do processo estão rivalidades entre a Judiciária Militar e a sua congénere civil».
Não sei não: O nosso país, com nove séculos de história será, acima de tudo, uma encenação? Ou são as instituições nacionais que, em muitos casos, não passam de encenações? Ou é mesmo o povo que vive numa encenação, com dramas reais, que faz parte de um caleidoscópio de outras encenações?
Nada disto é estranho, sobretudo para quem leu um ou outro texto de Vasco Lourenço com referências ao assunto. Mas custa a aceitar.
E é muito triste.
Espera-se que o que resta da Justiça, se pretende merecer o nome, não se limite a tratar o caso com… novas encenações.

José Batista d’Ascenção

sábado, 22 de setembro de 2018

Certa árvore morta que aguarda remoção do «cadáver», e algo mais…

O modo como, nas nossas cidades, se trata das árvores mostra como ignoramos quanto precisamos delas, pelos benefícios que nos proporcionam e de que dependemos em absoluto.
Fez ontem um ano (ver aqui), dava-se conta neste sítio da morte da árvore da figura, na rua da Restauração, em Braga, após uma poda como tantas outras, com o resultado previsível…
Passados doze meses, o «cadáver» ainda se ergue ali, a boa altura do solo e as ervas daninhas crescem-lhe vigorosamente na base. Espera-se que seja abatida (eu pelo menos espero, há muito tempo…) e que se plante outra no mesmo lugar. Desejavelmente, essa plantação deve ocorrer depois de uns dias de chuva deste Outono, para que a nova planta vingue em boas condições (não deve ser naquela data bizarra, de 21 de Março, que escolheram para «dia da árvore»: de resto nem é preciso nenhum «dia da árvore», porquanto todos os dias devem ser dias das árvores, ou, preferencialmente, dias de respeitarmos as árvores).
E como a rua é a da minha Escola, era, além de um descaso que se remediava, um exemplo pedagógico para os jovens alunos.
A ver se sim.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Obscurantismo e subserviência

Artigo do Professor Doutor Jorge Paiva, publicado no Diário de Notícias em 17 de Setembro de 2018 (versão online)

Não há dúvidas nenhumas que as alterações climáticas são evidentes (R. Trigo, Climatólogo, Univ. Lisboa; D. Notícias, 29.07.2018). No entanto, os governantes (mundiais, nacionais e regionais) não só ignoram o fenómeno, como até o favorecem com decisões economicistas. Aliás, já Eça de Queiroz referia, nos finais do século XIX, a promiscuidade político-financeira, por exemplo nos Maias ("E como Carlos lembrava a Política, ocupação dos inúteis, Ega trovejou. A política! Isso tornara-se moralmente e fisicamente nojento, desde que o negócio atacara o constitucionalismo como uma filoxera! Os políticos hoje eram bonecos de engonços, que faziam gestos e tomavam atitudes porque dois ou três financeiros por traz lhes puxavam pelos cordéis..."). Talvez por ser uma obra politicamente tão inconveniente, foi, praticamente, retirada do Ensino Secundário.
Exemplo do obscurantismo e falta de ética dos políticos mundiais para com o Ambiente são os sucessivos falhanços das Cimeiras Internacionais sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente que se iniciaram há cerca de meio século.
Tudo começou em 1972 com a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, onde estiveram representantes de 113 países, que finalizou sem qualquer acordo global e unânime. Seguiu-se, em 1975, o Colóquio sobre Educação Ambiental, em Belgrado. Desta Cimeira resultou a designada "Carta de Belgrado" sobre educação ambiental. Em 1977, foi a Conferência de Tbilisi, que teve por base a Carta de Belgrado, com o propósito de contribuir decisivamente para o Programa Internacional de Educação Ambiental. Em 1979, realizou-se a "Primeira Cimeira Mundial do Clima", em Genebra, onde, pela primeira vez as alterações climáticas foram reconhecidas como um problema grave para o planeta. A cimeira lançou o Programa Mundial do Clima, mas com eficácia praticamente nula. Em 1985, na cidade austríaca de Villach, realizou-se uma Conferência Internacional sobre a concentração crescente de gases com efeito de estufa, tendo sido aprovada a primeira declaração prevendo aumentos da temperatura global no século XXI maiores do que em toda a história da Humanidade. Em 1988, é criado o "Intergovernmental Panel on Climate Change" (IPCC), um organismo sob a alçada da ONU, que recolhe estudos publicados e produz relatórios a partir do consenso científico existente. Este painel é aceite como a maior autoridade científica no que respeita às alterações climáticas. Em 1990, realizou-se a Segunda Conferência Mundial do Clima, em Genebra. Para além de avaliar a primeira década do Programa Mundial do Clima, produziu recomendações e um apelo para a acção global sobre alterações climáticas. Em 1992, teve lugar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro, a ECO-92. Desta Cimeira resultaram, entre outras, a Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Convenção sobre a Diversidade Biológica, a Declaração do Rio, a Declaração sobre Florestas e a Agenda XXI. Em 1995, realizou-se em Berlim a designada COP-1, "Primeira Conferência das Partes", que reconheceu que os mecanismos aprovados no Rio (ECO-92) não serviam o objectivo estabelecido e aprovaram o "Mandato de Berlim", que permitia às partes estabelecerem compromissos específicos. Seguiram-se-lhe, anualmente, sucessivas COPs. Em 1996, foi a COP-2, em Genebra; 1997 a COP-3, em Quioto, na qual foi efectuada a primeira revisão do documento do Rio, aprovada, por consenso, entre os 150 governos representados. Na COP-4 de Buenos Aires, em 1998, foi aprovado um documento a permitir um período transitório de dois anos para a implementação dos mecanismos aprovados em Quioto. Em 1999, na COP-5, em Bona, reforça o que fora estabelecido no Plano de Acção de Buenos Aires. Em 2000, depois do falhanço da COP-6, em Haia, as negociações prosseguiram em Bona, onde todos os países à excepção dos EUA (presente com estatuto de observador) acordaram os mecanismos para a implementação do Protocolo de Quioto. Segue-se-lhe, em 2001, a COP-7 de Marraquexe, onde foram aprovadas as regras estabelecidas no Protocolo de Quioto (Acordo de Marraquexe).. Em 2002, na COP-8, em Deli, onde foi aprovada uma declaração que apelava a prosseguir o trabalho feito e reforçava o apelo aos países desenvolvidos para transferirem tecnologia para os menos desenvolvidos. Entretanto, em 2002, realizou-se a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio-10), em Joanesburgo, que teve como objectivo reavaliar e implementar as conclusões e directrizes acordadas na conferência Rio-92 e aprovar directrizes relacionadas com as mudanças climáticas e o crescimento da pobreza, de forma a alcançar um desenvolvimento sustentável. Em 2003, seguiu-se a COP-9, em Milão, onde foram aprovadas algumas recomendações e alterações aos dois fundos financeiros criados na COP-7 em Marraquexe. Em 2004, a COP-10, tal como aconteceu com a COP-4, decorre em Buenos Aires e serviu para concretizar o estabelecido no Acordo de Marraquexe (2001). A COP-11, que decorreu em Montreal, em 2005, foi a primeira conferência após a entrada em vigor do Protocolo de Quioto (1997) e constitui o arranque do processo para considerar medidas adicionais de combate às alterações climáticas a partir de 2012. Em Nairobi, decorreu a COP-12, em 2006, que apenas serviu para estabelecer normas de adaptação aos impactos das alterações climáticas. Em 2007, a COP-13 realizou-se em Bali, onde foi aprovado o designado "Roteiro de Bali", para se estabelecer, no prazo de dois anos, um novo acordo sobre alterações climáticas. Na COP-14 (Poznan, 2008) foram aprovadas as regras do Fundo de Adaptação e apoio aos países menos desenvolvidos na adaptação às alterações climáticas. A COP-15, realizada em Copenhaga (2009), teve grande relevância política, por terem estado presentes vários chefes de Estado e de Governo. Mas a Conferência constitui um enorme fracasso por não se ter conseguido estabelecer normas vinculativas após ter expirado o prazo do Protocolo de Quioto (1997). Em 2010, em Cancun, realizou-se a COP-16 que confirmou o limite máximo de elevação da temperatura média global (2ºC) estabelecido na COP-15 (Copenhaga). Na COP-17 (Durban, 2011), estudaram-se processos para estabelecer um novo acordo climático global em 2015 e foram estabelecidas novas regras para a comunicação das reduções de emissões em todos os países, a vigorar após 2020. Ao contrário da Rússia, Japão e Canadá, a UE decidiu prolongar até 2017 os seus compromissos com o Protocolo de Quioto (1997), cujo prazo expirava em 2012. Em Doha, realizou-se a COP-18 (2012), onde, mais uma vez, se prolongou o prazo de cumprimento dos compromissos de Quioto até 2020 e foi declarado o fracasso na meta anual dos 100 mil milhões de dólares, acordada em Copenhaga (2009). Os países desenvolvidos comprometeram-se a compensar os menos desenvolvidos pelos estragos provocados pelas alterações climáticas. Neste mesmo ano (2012), realizou-se a extraordinariamente propagandeada Rio-20, ou Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), no Rio de Janeiro e que teve como objectivo a renovação do compromisso político sobre desenvolvimento sustentável. No entretanto as COPs anuais continuam. Assim, em 2013, realizou-se em Varsóvia a COP-19, que terminou sem o estabelecimento de normas vinculativas sobre a compensação aos países menos desenvolvidos pelos estragos provocados pelas alterações climáticas, e sobre as emissões de gases com efeito de estufa, que deveriam ser incluídas no acordo a assinar em 2015 em Paris. Em 2014, foi a vez da COP-20, (Lima), destinada a preparar as normas para se estabelecer um novo acordo no ano seguinte, em Paris, mas, infelizmente, mais uma vez, não foi conseguida a unanimidade. Porém, na COP-21, em 2015, foi firmado o "Acordo de Paris", que estabeleceu a meta de 2ºC para o aumento da temperatura média global. Infelizmente o cumprimento da meta é voluntário e não prevê penalizações para os prevaricadores. Em Novembro de 2016, realizou-se, novamente em Marraquexe, a COP-22, onde foi estabelecido um "Livro de Regras". A COP-23 realizou-se em Novembro de 2017, na cidade de Bonn (Alemanha), onde a delegação dos Estados Unidos da América teve um comportamento inqualificável. A próxima COP-24, terá lugar em Dezembro deste ano (3-14), na cidade industrial de Katowice (Polónia).
Como facilmente se verifica, após tantos anos de Conferências Internacionais, a falta de escrúpulos de grande parte dos governantes mundiais faz com que continuem a ignorar estes Acordos, ao mesmo tempo que afirmam descaradamente que as Alterações Climáticas são uma invenção dos cientistas e que o desenvolvimento (desenfreado e altamente poluente) dos países desenvolvidos é um desenvolvimento sustentável.
Em Portugal passa-se o mesmo. São disso exemplos o que se passa com os designados Planos Directores Municipais (PDM), que são constantemente alterados, consoante as conveniências; o que se passou com o caso "Free Port", na Reserva Natural do Estuário do Tejo, em Alcochete; a poluição do leito do Tejo, que, apesar de se saber qual a empresa industrial responsável, não só é o Estado (isto é, todos nós, contribuintes) a arcar com a despesa da remoção das lamas, como também não foram aplicadas as devidas coimas; uma unidade industrial do mesmo grupo despeja, impunemente, os efluentes, sem qualquer tratamento, para o mar em frente à Leirosa (Figueira da Foz); em vez de alterar o tipo de arborização do país e adaptá-lo ao aquecimento global já presente, o Ministério da Agricultura, através do Programa de Desenvolvimento Rural, apoiou este ano, com cerca de 233 mil euros a replantação de eucaliptos (R.J.Rodrigues, Diário de Notícias, 29.07.2018) e, depois dos incêndios de 2017, esgotaram-se os eucaliptos nos viveiros do país. Também já Eça de Queiroz refere a catástrofe eucalipteira que atingiu o nosso país (Cidade e as Serras: "--Oh Zé Fernandes; quais são as árvores que crescem mais depressa? --Eh, meu Jacinto... A árvore que cresce mais depressa é o eucalipto, o feiíssimo e ridículo eucalipto. Em seis anos tens aí Tormes coberta de eucaliptos... --"). Aliás, Eça de Queiroz se tivesse vivido na época salazarista, teria sido preso pela PIDE, como aconteceu em 1958 a Aquilino Ribeiro, por criticar a plantação contínua e mono-específica dos baldios com pinheiro-bravo (Quando os Lobos Uivam: "A serra era de nossos pais e avós, dos nossos rebanhos, dos lobos que no-los comiam, do vento galego que afiava lá pelos descampados as suas navalhas de barba (...) Quem vier para no-la tirar, connosco se há-de haver!"
E ficamos por aqui, que é quanto basta para se entenderem as incongruências dos políticos na preservação da vida humana nesta gaiola, que é o Globo Terrestre, onde vivemos e que temos vindo a poluir desmesuradamente a partir da "Revolução Industrial". Se assim continuarmos a poluir e a aquecer o Planeta, muito em breve, tornar-se-á inabitável para a nossa espécie.

Biólogo

Afixado por: José Batista d'Ascenção

sábado, 1 de setembro de 2018

Luz de Lisboa (III)

A Fuga para o Egipto (1730)
Manhã seguinte e fomos, os dois «velhos», por especial recomendação, ver o «Museu Nacional do Azulejo». Não podíamos imaginar o que perdíamos se não tivéssemos ido: muito completo, muito elucidativo e pedagógico e muito fácil de percorrer e de observar. De novo, a pressa seria um crime. Ali interessam todos os pormenores e «pormaiores». E não é matéria que se traduza em palavras, porque os primeiros são riquíssimos na sua particularidade e os segundos não cabem em qualquer tipo de discurso. Como indicação sucinta, refira-se apenas que o museu «apresenta a história do azulejo em Portugal desde a segunda metade do século XV até à atualidade», como como reza o folheto. Refira-se também que, quando se chega à igreja da Madre de Deus, o queixo cai de espanto: os quadros dos tectos e das paredes, os altares, os painéis de… azulejos, a capela-mor, são um deslumbramento assombroso. No piso superior, o coro alto e a visão do corpo da igreja e do altar-mor repetem as mesmas sensações. Como se o mundo da beleza se rematasse ali e o coração não pudesse abarcar mais. Uma riqueza inestimável, material mas não apenas, nem sobretudo.
Azulejos didácticos: Secção de mapa do pólo Norte
e traçados geométricos do pentágono e da pirâmide.
(segunda metade do século XVIII)
A manhã fugiu, a minha companhia precisou de sentar-se, mas eu não sentia as pernas e por isso não tomei conhecimento do cansaço. O museu dispõe de restaurante, com várias mesas em espaço interior e também no exterior com largueza de espaçamento e protecção alta de malha contra o sol, plantas e um pequeno lago/fonte com tartarugas num dos extremos do enorme «pátio». A temperatura era amena, sentámo-nos à espera de filhos e neto, o qual, após a chegada, depois de uns largos sorrisos, entrou na sua quietude habitual (e não me alongo mais, até para encurtar o texto), enquanto comemos, por preço em conta, diga-se (menos de 45 euros para os quatro). Depois, num rapidinho fomos para a estação, ali perto, apanhar o comboio, de regresso a casa. À despedida, o menino brindou-nos com sorrisos abertos, tomámos lugar e eles seguiram para consulta médica e vacinação do rapaz, que, impressionando a doutora com a sua vivacidade, se limitou a dois gritos à aplicação das picas, para voltar rapidamente à sua tranquilidade habitual, segundo nos disseram (pronto, não abuso dos limites…)
A Paris se chama «cidade-luz» e, pelo (sempre pouco) que conheço dela (ideias, pensamento, literatura, ciência, arte…), bem merece o título, mas luz (física) sem igual tem-na Lisboa, que não a merece menos. E se a capital da França tem o rio Sena, mais belo pelas ruas e edifícios das margens e pelas pontes que o atravessam e pelos enormes barcos turísticos que deslizam sobre as águas, do que propriamente pelas ditas águas (agora, apesar de tudo, mais limpas que noutros tempos), para o Tejo, a sua largueza, o seu azul, as pontes de Lisboa e a proximidade do mar, não há superlativo adequado.
Obrigado meu neto, por nos sorrires assim e por nos mostrares Lisboa com tanta paz e bonomia (cumpro: não me alongo mais).

José Batista d’Ascenção

A luz de Lisboa (II)

Em manhã propícia ao sono dos (mais) jovens (e o pequenino, que nisso é extraordinário, parece que adivinhava as alturas em que os avós queriam – e quase ficavam à espera – que ele acordasse, deu-nos toda a liberdade…), escapámo-nos para a Baixa. Do Rossio, pela rua do Carmo, ainda com (relativamente) pouca gente, fomos deleitar-nos com as ruínas do Convento do Carmo. Com calma, podendo ver e ler com tempo. Até havia um jovem guia, simpático e humilde, que se esforçou em explicações, com algumas lacunas, que preferimos não comentar. O edifício não resistiu ao terramoto de 1755, mas as suas ruínas permanecem, estão bem tratadas, são muito pedagógicas (em termos de história, de arqueologia e, outra vez, de geologia: os arcobotantes necessários para a sustentação do edifício erigido na colina arenosa algo instável, os efeitos do sismo de 1755, etc…) e recomendam-se. À saída, o render da Guarda Nacional Republicana captou a nossa atenção, como a de dezenas de outras pessoas, no largo frondoso, e foi uma nota agradável.
Mudando o rumo, «escalámos» a Mouraria e subimos ao Castelo de S. Jorge, que há muito não víamos. Quase não havia fila para a bilheteira (oito euros e meio a entrada por pessoa). Por lá andámos, eu a fazer-me forte, impondo o ritmo, porque queria muito ver Lisboa lá do alto, e o tempo começava a faltar para tanto «ver»: o castelo em si, as escavações arqueológicas, a exposição permanente, a cidade, em diferentes perspectivas, e o grande e belo rio, como não temos outro. Percorremos todas as escadas e adarves, sem perder ameia, mas a minha parceira, uma caminheira apreciável, começou a queixar-se do… calçado.
Tínhamos que descer. O que foi rápido, ajudados por um salvífico elevador. De novo no Rossio, descansando, sentados, à sombra de um jacarandá, esperámos pelos nossos «alfacinhas» enquanto, ignorando a fome, apreciávamos aquela belíssima praça: o edificado, a imponência do D. Maria II, as árvores, as fontes e a estátua de D. Pedro IV, bem no alto do pedestal, disfarçando eficazmente que o modelo não corresponde à fisionomia do monarca… O almoço foi bem merecido, ocorreu ali próximo, num recôndito e silencioso restaurante do Inatel, por preço módico e qualidade bastante razoável. Não foi farta-brutos, longe disso, mas foi suficiente.
Agora dispúnhamos de guias credenciadas, e por isso não perdemos a igreja de S. Domingos, ali ao lado, pelo monumento, pesado, e profundamente cicatrizado, ainda enegrecido pela ígnea calamidade que nele deflagrou em 1959 e destruiu o seu interior, sorumbático, escuro, mas imponente e digno. No largo da entrada, no chão, meia esfera de rocha, à altura de um homem sentado, com estrela em depressão na superfície cortada em declive, para quem queira ler a sua inscrição, chama a atenção para o massacre de judeus, ali ocorrido, no fim da Idade Média (1506). Muita história (mais ou menos apagada) e muitas feridas, saradas ou por sarar, do tempo, da natureza, dos acidentes e das acções dos homens, tão simultaneamente capazes do bem e do mal, do belo e do horrível.
Outra vez a rua do Carmo, agora com muitas dezenas de pessoas, com música de qualidade amplificada de um violoncelo em mãos exímias. Sempre a andar, entrei e fugi da livraria Bertrand, por não poder ceder ao apelo de tantos bons livros, pelo peso e pelo tempo de que não dispunha, razão por que também não nos sentámos na cadeira ao lado (da estátua) de Fernando Pessoa (até porque havia vários pretendentes que ali se queriam fotografar) nem nos demorámos na praça e na observação da estátua do nosso (outro) poeta maior, em porte altivo, tanto que me deu a impressão de que o escultor não considerou esteticamente a cegueira do vate. Seguiu-se o «Bairro Alto», as suas ruas e travessas com as decorações típicas, com muitas pessoas petiscando e bebendo, mas sem o movimento repleto da noite. Estes bairros típicos de Lisboa são o que são e devem ser preservados. Gostam os lisboetas (não sei se todos), gostam os turistas (é o que dizem) e nós, pass(e)antes do resto do país, conhecíamo-los da televisão e de ouvir falar. Tudo é bom e tudo é bem se, por típico, não se fizerem passar dificuldades ou perturbações e/ou necessidades a quem lá vive.
Seguindo, passámos pelo miradouro de S. Pedro de Alcântara, tentando apreciar as vistas, magníficas, mirando de longe o Castelo de S. Jorge, onde havíamos estado, e toda a parte da cidade subindo até ele ou dele descendo, para referir apenas uma das perspectivas que a colocação de vedação protectora, por precaução, devida a instabilidade do terreno, limita mas não impede.
Mais além, o Jardim do Príncipe Real. Um caramanchão monumental de um velho cedro disposto e conduzido em estrutura de suporte, a convidar ao repouso, mais relaxante se houver música de algum(a) executante disponível, como era o caso. Depois as grandes árvores, com destaque para as imponentes Ficus macrophyla de troncos e raízes descomunais, quais estranguladoras das árvores concorrentes, mas todas criando um ambiente muito sereno, frondoso e acolhedor.
Para ver mais plantas fomos em direcção ao Jardim Botânico. E aí, não tendo por perto o Professor Fernando Catarino ou o Professor Jorge Paiva ou alguém do mesmo «quilate», eu dispensava guia. É um espaço relativamente pequeno (cerca de 4 ha) e cabia-me aproveitar todos os momentos para ver cada exemplar com a calma necessária (aqui, não podia permitir-me ter pressa: a mãe do bebé podia alimentá-lo calmamente – de resto foi a única «reclamação», e suave, que ouvimos ao rapaz em todo o percurso – os meus acompanhantes podiam descansar e hidratar-se e esclarecer alguma curiosidade, mas nem foi preciso invocar tais argumentos: aquele local fora incluído no roteiro, por minha causa, afinal). Grato, aproveitei a oportunidade, com gosto e proveito.
O jantar, caseiro, e o pequeno serão (a salvo da televisão) que se seguiu, como nos dias anteriores, serviram para usufruir e saborear a companhia (sobretudo) do neto e dos pais dele. E o menino correspondeu sem falhas, mas não adianto mais por (me) ter (com)prometido (a) não derivar para os afectos familiares…
(continua)

José Batista d’Ascenção