domingo, 25 de abril de 2021

Festejar Abril, que (ainda) não cumprimos

 

A 25 de Abril de 1974, faz quarenta e sete anos, os “militares de Abril” conquistaram a liberdade para Portugal e ofereceram-na aos portugueses. À parte a impreparação política, os erros cometidos e algumas consequências decorrentes (como a descolonização, um problema agravado pela cegueira ideológica do regime deposto, com grave prejuízo do desfecho) foi uma revolução como terá havido poucas em todos os tempos em todo o mundo. Homenagem se faça aos “capitães” que a mereceram, e foram muitos. Permito-me destacar um por todos: Salgueiro Maia, que já não pertence ao mundo dos vivos. Sem esquecer que houve também aqueles – sempre os há – que nunca terão assimilado os valores mais altos do que estava em causa.

E a partir de Abril, o que construímos nós, os restituídos à liberdade?

O sistema de justiça - herdado dos tempos antigos – envergonha-nos (pelo menos aos que sentem como eu).

O sistema de educação tem sido e é um domínio de mistificações interesseiras, entranhadas em teorias burocráticas justificativas, onde não cabe a discussão da origem real do nosso grau de ignorância e de incompetência e de irresponsabilidade. E por isso temos falhado, na ética, na pedagogia e no conhecimento. Como lidamos com as situações de pobreza? Preparámos ou impreparámos não poucos professores? Seleccionámo-los com rigor ou nem sempre? Demos-lhes condições, no passado e agora ou não? [*] Ensinamos bem grande parte das crianças, especialmente as mais carenciadas (hoje como ao longo de todo o tempo de democracia)? Se fugimos destas e de outras questões, que sistema educativo pode(ría)mos construir?

Que fizemos do nosso território e do nosso ambiente: do interior, do litoral e das florestas? E da qualidade de vida das pessoas, especialmente as sem recursos, desempregadas ou idosas?

Não nos podemos reduzir a um povo alienado pelas televisões (que “produziram” primeiro-ministros como Santana Lopes e Sócrates) e pelas redes sociais. Temos que resistir aos maus exemplos e instintos que os negócios do “pontapé na bola” alimentam e à disseminação de ódios e à promoção de interesses em boatos e notícias falsas. A educação devia proteger-nos disso.

A solução passa (parece-me) pela formação honesta, de que decorre a cidadania, que eleva a política, que tem de exercer-se no respeito pelos cidadãos.

Grandes objectivos já os conseguimos em muitos indicadores de saúde, que são conquistas de Abril!

A responsabilidade pelo que falta é nossa. Assim como é nosso o criterioso dever (a que devíamos obrigar-nos) de exigir e de eleger dignos responsáveis políticos.

José Batista d’Ascenção

[*] Um pouco a esmo, chegou às escolas material informático para professores e alunos. Não é equipamento de topo, mas é perfeitamente funcional. Esperemos que não redunde em desperdício.

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Aos meus netos, cá de longe

Ainda agora nascidos, o Artur e o Diogo, ou já com a bonita (literalmente) idade de quase 3 anos, o Gaspar, cá estou eu embevecido, a tomar (público) registo.

Bem vindos ao mundo, que nunca foi melhor do que agora e é cheio de possibilidades, umas entusiasmantes e outras preocupantes. Nada de novo, excepto a vertigem de tudo em mudança, mais do que a nossa capacidade permite acompanhar (a minha, pelo menos).

Em vós ponho esperança funda, que não quero que se transforme em fardo. Seja qual for o futuro, não creio que possais falhar mais ou pior do que eu e os da minha geração, mesmo que a aceleração do ritmo de vida implique consequências mais vastas e rápidas das acções dos humanos, para os  próprios ou para os outros viventes.

Desejo (apenas) que saibais ser bons e ser simples. E que a lisura, a persistência e a generosidade sejam marcas das vossas pessoas.

Depois, é cair e levantar e prosseguir. Sempre. Com humor e aproveitando os momentos felizes. Que eu espero que sejam muitos.

Um abraço de contentamento, do avô.

José Batista d'Ascenção

domingo, 18 de abril de 2021

O que é uma floresta?

A explicação, por Jorge Paiva, em artigo no jornal «Público» de hoje (páginas 24 e 25 da versão impressa)

Um texto muito claro e incisivo, em linguagem suave. Amplamente fundamentado, em termos científicos, históricos e literários. E resumido, como teria que ser. As ilustrações são maravilhosas, como se pode ver na imagem.

Parabéns, ao Mestre generoso e incansável.

Obrigado, sempre.

José Batista d'Ascenção.

domingo, 11 de abril de 2021

A (des)arborização das cidades

No jornal «Público» de hoje (pgs. 24-25), um belo artigo de Jorge Paiva sobre o tema.

Em minha opinião, os portugueses têm uma má relação com as árvores. Suponho que a mesma deriva(rá) de (muita) ignorância. Não vejo outra explicação. Por isso, estes textos são de uma enorme importância. Ou seriam, se os portugueses lessem…

Respigo um parágrafo muito significativo:

«Há cidades estrangeiras onde, no Verão, mal se vislumbra o casario que está completamente coberto de árvores, na maioria mais altas do que as casas. Em Portugal isso não acontece, pois, quando existem árvores altas nas ruas, elas são criminosamente mal podadas, ficando mais semelhantes a postes, ou a “monstros vegetais” e até a “monstros paisagísticos”, do que àquilo que verdadeiramente são. Isto porque o pessoal que efectua essas podas (a que chamo derrotas de ramadas) não tem qualquer formação e julga que está a podar árvores de fruto ou videiras.»

Não falta quem diga o que é importante, como se vê.

Da minha parte: Muito obrigado.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 9 de abril de 2021

«Sapiens. De animais a Deuses. História Breve da Humanidade».

Um livro sobre o que somos, desde o aparecimento da nossa espécie, como de outras espécies de humanos, incluindo as que o Homo sapiens empurrou para extinção, até à actualidade.

Vastíssimo, exaustivo, profundo, surpreendente e brilhante. De uma cultura geral extraordinária, bem fundamentado em dados históricos, antropológicos, sociológicos, psicológicos, sociais e científicos. Abarcando os seres humanos na sua relação com o ambiente e com as outras espécies, bem assim como o funcionamento das sociedades e das culturas, incluindo os motivos mais puramente fisiológicos e neuropsicológicos, desde os primórdios da recoleção, à agricultura, à indústria, ao comércio e à finança, passando pelas religiões, pelas guerras e extermínios, sempre presentes no percurso evolutivo dos humanos. Chegados à «Idade das Compras» (pg 406), só o futuro não pode prever-se, porque, segundo o autor, «a história não é um meio para realizar previsões exatas» (pg.284). 

Tentar resumir um livro tão extraordinário seria atentar contra a riqueza do seu conteúdo. Limito este registo a uma saborosa passagem sobre uma história – ou lenda - que dá uma ideia da ambição e do perigo da espécie humana, mesmo que associada à beleza e grandiosidade de algumas das suas realizações. Consta na página 334 e diz, quase textualmente, o seguinte:

Nos meses que antecederam a expedição à Lua, os astronautas treinaram num deserto remoto no Oeste dos Estados Unidos, lar de várias comunidades indígenas.

Certo dia, enquanto estavam a treinar, encontraram um velho nativo. O homem perguntou-lhes o que estavam a fazer. Eles responderam que faziam parte de uma expedição que ia explorar a Lua. O velho caiu em silêncio durante alguns minutos e, depois, perguntou se podiam fazer-lhe um favor.

Perguntaram-lhe o que queria. O velho respondeu que as pessoas da sua tribo acreditavam que vivem espíritos sagrados na Lua e que estava a pensar se lhe podiam transmitir uma mensagem importante do seu povo.

Os astronautas quiseram saber qual era a mensagem. O homem disse qualquer coisa na língua da sua tribo e pediu aos astronautas que a repetissem até a memorizarem. Estes queriam saber o que significava. O velho disse que não lhes podia dizer, porque era um segredo que só os da sua tribo e os espíritos da Lua estavam autorizados a conhecer.

Regressados à base, os astronautas procuraram até encontrar alguém que conhecia a língua da tribo, a quem pediram que lhes traduzisse a mensagem secreta.

Quando repetiram o que tinham memorizado, o tradutor desatou a rir à gargalhada. Os cosmonautas queriam saber o que significava.

O homem explicou que aquela frase dizia:

«Não acreditem numa só palavra destas pessoas. Vieram roubar as vossas terras.»

José Batista d’Ascenção

domingo, 4 de abril de 2021

O Domingo de Páscoa

Durante muitos anos, e ainda hoje, a cor roxa é-me pouco simpática. Atribuo o sentimento aos panos e ao ambiente da Semana Santa. Quando menino, sentia grande desconforto nas visitas à capela da aldeia onde nasci (no interior da Beira Baixa), perante as imagens dos santos escondidas pelos ditos panos. O ambiente da paixão de Cristo não era (para mim) animador. A coroa de espinhos e o sangue que escorria das feridas e dos joelhos do Crucificado, assim como as suas feições de dor, afiguravam-se à criança que fui como particularmente penalizadoras. E, numa das vezes em que uma das minhas tias me levou à missa, e a sua mão na minha cabeça a rodava na tentativa de me manter com os olhos fitos no sacrário, deu-me vontade de fugir. E alento para comunicar que não queria repetir a experiência de ser sua companhia, na idas à igreja, no que tive sucesso. De modo tão sacrílego quanto secreto interrogava-me se o Redentor Omnipotente não podia ter encontrado “soluções” mais suaves e muito mais eficazes, para mais conhecendo na perfeição cada pessoa (como me ensinavam na catequese) e as “peças” que cada um de nós somos, a começar (naturalmente) por mim. Era assim que eu via a prova da realidade, fosse dos meninos que muito bem conhecia, fosse do que me parecia ser o mundo dos adultos, que se resumia aos da minha família e vizinhos, para além da professora, do senhor padre e das catequistas.

Diferente era a luz do Domingo de Páscoa. Mesmo que o dia não fosse de sol primaveril, o ambiente era outro, e não era só pelo humilde presente com que o meu padrinho (meu tio pelo lado paterno) nunca falhava, em nome dele e da sua mulher, também minha madrinha. Parecia-me que era bem um tempo de ressurreição, e só tinha pena que não fosse definitivo e aplicado à pobreza em que viviam todos os meus familiares e a generalidade das pessoas com quem convivia.

Mais tarde, quando fundei a minha própria família nuclear e vim viver para a “Roma Portuguesa”, quis que os meus filhos conhecessem as tradições da sua Terra e levei-os, ainda pequeninos, a assistirem às cerimónias, procissões e actos da “Semana Santa”. Não pareceram agradados com as imagens da crucificação e tiveram medo dos farricocos, embora simpatizassem com a burrinha que dá nome à procissão de que é elemento típico. Quis também que a minha porta se abrisse ao “Compasso” que entra nas casas dos paroquianos, por achar sumamente belo um acto de boas-vindas e partilha que é uma tradição das que vale a pena manter. Por outro lado, procurei saber se havia algum registo de epidemia que resultasse de tantos beijos de tantas bocas diferentes na mesma cruz, motivo por que, não encontrando vestígios de tal, encorajei a adesão dos meus ao procedimento (acrescido de alguns cuidados práticos). Não se entusiasmaram, mas não o enjeitaram. E eu, apesar de sensível às questões de higiene e saúde, fiquei contente.

Desejo, portanto, que se regresse à beleza das comemorações da Páscoa.

José Batista d’Ascenção