terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

O «entrudo» que deixámos de ter e o «carnaval» que vamos sendo

Carnaval de Lazarim (imagem recolhida aqui)
Povo tristonho e sofredor que sempre fomos, para compensar a miséria e a fome aproveitava-se o «entrudo» e desmascarava-se a realidade, soltando raivas, insultos e instintos sob a forma de brincadeiras, em tropelias várias de que sobram resquícios num ou noutro local do interior profundo do país. «Entrudo», porque se entrava na quaresma, tempo de cinzas e de severo recomendar de jejum a somar ao jejum forçado e continuado de todos os dias. Uma vez no ano, mesmo de barriga leve, aproveitava-se então para dançar, saltar, pregar partidas ou injuriar, mesmo que sem vantagem prática…
Os tempos mudaram. As televisões primeiro e as redes sociais no presente, trouxeram-nos o colorido dos carnavais do Brasil, com a beleza apetecível das mulatas desnudas, o frenesim do «samba» e a espectacularidade triunfal de carros alegóricos ricamente decorados. Um mimo para os olhos, um afago para a alma e um estímulo para o corpo. Por que não copiar o modelo de festa, importar o colorido e a alegria, traduzindo-os sociologicamente para português em Portugal, mesmo que com a qualidade típica das imitações tecnológicas com que os chineses nos invadiram e inundaram? E algumas localidades, como Torres Vedras, chegaram a anunciar o «Carnaval mais português de Portugal», o que é perfeitamente legítimo e justificado, porque ali os festejos incidem fortemente sobre o nosso ambiente socio-político, por comparação com os cortejos de outras localidades, especialmente as que se afadigavam em contratar artistas brasileiros de telenovelas para abrilhantar os «corsos». Mas, em tantos locais, umas raparigas meio despidas, com pele de galinha, a agitarem-se frenética e desajeitadamente, causando a dúvida sobre se é mais para se exibirem ou para aguentarem o frio, deixam a impressão de um arremedo de trazer por casa, mal preparado e pior executado, sem chama e sem alma, por vezes terminando com as beldades encharcadas e escorridas que nem pintos, numa fuga desordenada à inclemência da chuva, como se S. Pedro, incomodado ou condoído, lá do alto, decidisse pôr termo a espectáculos pindéricos.
O problema é que estas actividades, supostamente investimentos que haviam de dar lucro, podem tornar-se prejuízos avultados, caso não se realizem, recaindo os custos sobre as autarquias que o dinheiro dos contribuintes sustenta.
Claro que podemos sempre rir-nos da falta de autenticidade e da fraca figura que fazemos, ao não prever a probabilidade do frio e da chuva impeditivos da realização das festas. Mas fica caro e deixa muito a desejar…
Porque nos custa tanto sermos nós próprios, se nem sequer conseguimos deixar de o ser?

José Batista d’Ascenção

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