domingo, 19 de setembro de 2021

Jovens (portugueses) que partem

Pronto: agora todos os meus filhos e netos são emigrantes. O filho mais novo partiu hoje, depois de quatro anos a trabalhar (no domínio da informática). Eu e a mãe fizemos questão de levá-lo ao aeroporto. Regressámos há pouco, algo silenciosos. Ambos pensativos, pela minha mente passava o atractivo de um bom contrato, salário relativamente alto, subsídio mensal de transporte, primeiro mês num hotel e uma equipa a procurar-lhe possibilidades de habitação, de que escolherá a mais conveniente, subsídio para instalação na habitação e outras gratificações. Como podia ele ficar? Já ganhava tanto como eu, que trabalho há 37 anos (e sou privilegiado, no meu país, porque tenho trabalho e porque ganho o que muitos não aspiram a ganhar…), mas o que lhe oferecem é irrecusável, realmente. E ele vai-se embora, e há um vazio no peito que não sei como preencher. A minha mulher, no banco da direita, vinha toda ocupada a disfarçar a tristeza da despedida. Ela que não tem qualquer consideração pelo dinheiro, nem espírito para fazer mealheiros: trabalha muito porque gosta e para se sentir viver, não para luxos com que cubra o corpo ou ostentações de qualquer tipo, mas viajar, ler, ver cinema, comer bem em sítios bonitos valem, no seu critério, o que for preciso pagar. É assim. Por isso entendia que o nosso benjamim ganhava bastante bem, e preferia tê-lo por perto, indubitavelmente.

Tacitamente, ao regressar a casa, eu e ela fomos para lugares diferentes, onde habitualmente trabalha cada um, e não falámos na despedida de hoje. Nem falaremos, por ora. Temos o direito de fugir ao assunto.

Eu vingo-me aqui, nestas palavras, que ela não sabe que estou a escrever. Ao Filipe não direi que as escrevi. Mas apetece-me gritar. Gritar que estou mais só. Que me faltam o conforto e as asas do sonho. Que me vão faltar abraços reais, de que tanto preciso. Que não suporto a perda do luxo que era sentar-me no sofá e adormecer ao som da música do piano, pelos dedos do meu rapaz, aquele que ainda não tinha fugido. E também vou sentir a falta de apoios materialmente úteis e reconfortantes. Quem vai agora desemburrar-me quando o computador não colaborar comigo? Quem se vai preocupar com as minhas viagens mais longas de carro, e sempre pronto para me aliviar do “stress” do volante? Onde vou eu compensar o prazer de, manhãzinha, aos fins-de-semana, dispor a mesa como se ele tomasse o pequeno-almoço comigo, mesmo que, quase sempre, só se levantasse a tempo do almoço?

Não é a hora de invectivar as condições sócio-económicas do país nem a acção dos políticos. Não era razoável, nem nada adiantaria.

Como não adianta este registo, que é apenas um lamento pela partida do meu menino mais novo.

Boa sorte, meu filho.

José Batista d’Ascenção

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