domingo, 9 de outubro de 2022

O encanto das crianças

Na aldeia em que nasci e cresci até ao início da adolescência, diziam os mais velhos que «tudo o que é pequenino é bonito». O dito, que tem a sua lógica, aplicava-se indistintamente a seres vivos e a objectos, utilitários ou não. Já em criança, as miniaturas que eram dadas como brinquedos a meninas e meninos, fossem carrinhos, sapatos ou cadeiras, me pareciam, então como hoje, peças invariavelmente bonitas. Lembro-me de um camião que herdei de alguém, todo ele feito de cortiça, excepto os eixos das rodas, que era tão minuciosamente perfeito e robusto – com seis ou sete anos, podia sentar-me sobre ele – que merecia a minha devoção.

Bonitos são também os bebés animais, selvagens ou domésticos. A graça de pintainhos ou patos, de borregos ou cabritos, de cães ou de gatos só tem paralelo na ternura e cuidado que as mães lhes dedicam. E não é preciso a sensibilidade de um Trindade Coelho («Os meus Amores») ou de um Aquilino Ribeiro («O Romance da Raposa») para lhe dar destaque. Basta a qualquer mortal poder ver. Porém, tal possibilidade está afastada de muitas crianças dos nossos dias, porque o estilo de vida as faz crescer sem essas vivências. O que será uma perda relevante no seu crescimento, particularmente se pensarmos nos jogos digitais gratuitamente violentos ou nos vídeos frenéticos a que ficam sujeitas durante muitas horas do dia, desde a primeira infância.

Da vida das crianças desapareceu ou reduziu-se drasticamente o contacto com a natureza, passando o seu ambiente próximo a ser dominado pelas correrias e pelo “stress” dos pais e pela dependência do mundo virtual digital. Como consequência, não é só a motricidade fina, a coordenação motora e a massa corporal que são afectadas, também a afectividade relacional ficará comprometida.

Não obstante, as crianças continuam a ser crianças, com a sua inocência e curiosidade. Ora, as crianças necessitam da atenção, da paciência e do tempo de adultos próximos, concretamente familiares. E então, podendo ser crianças, são inevitavelmente bonitas, porque não é por serem fisicamente belas (ou andarem bem arranjadas) que as crianças são agradáveis.

As crianças são bonitas por serem crianças.

José Batista d’Ascenção

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