quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

Ciganos

Nascido e criado numa aldeia do interior da Beira Baixa, sentia receio dos ciganos nómadas, como todos os meninos, porque as referências àquelas pessoas eram sempre negativas. Exceptuavam-se os ciganos que vendiam nas feiras, os quais, nesse contexto, eram tendeiros como os outros, livres de anátemas. Assim o recordo.

Em Outubro de 1973 fui para Castelo Branco, frequentar o liceu. Morei dois anos na rua d’Ega, que sobe da rua dos Ferreiros, em cujo extremo sul viviam famílias ciganas. O cruzamento frequente com ciganitos na rua não atenuou os meus receios, que eram comuns aos dos jovens com quem eu convivia, todos nós procurando distância, para evitar roubos e violência, nunca acontecidos, o que atribuíamos à nossa inteligente precaução.

Já casado, e pai, vivi 16 anos no bairro de Santa Tecla, em Braga, numa rua contígua ao «bairro dos ciganos». Tinha o hábito de ir à pastelaria Baía, a 20 metros da porta, e ali me demorava, tomando café e lendo o jornal, confortável, muito pela simpatia da D. Alice e do Sr Jorge, que exploravam o estabelecimento, diariamente frequentado por ciganos. Certo dia, quando ia pagar, nada devia. Um senhor cigano dirigira-me imerecida boa acção. Fiquei a saber que se chamava Sebastião. Noutra altura, naquele café e na mesma mesa, alguém me tocou no braço e perguntou delicadamente se o fumo de cigarro me incomodava. Era o Sr Sebastião. Naquele tempo fumava-se em qualquer sítio e quem estivesse mal que se mudasse. Ora, eu, que já então era um “activista” escolar anti-tabaco, compus o melhor sorriso e disse ao Sr Sebastião que não me incomodava nada, que estivesse à vontade. E ele esteve: de cigarro na mão, ainda por acender, foi fumar para a rua.

Porém, nem tudo era tão harmonioso na relação – ou falta dela – entre ciganos e não ciganos. As acções podiam não ser harmónicas e pressentia-se que o sentir profundo de uns e outros carecia de confiança e placidez.

Mudei de morada, decorreram vinte e tal anos e nunca mais vi o Sr Sebastião.

A todos, não ciganos e ciganos, um Bom Natal.

José Batista d’Ascenção

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