domingo, 6 de janeiro de 2019

Marcelo Rebelo de Sousa – o «Presidente-Povo», com algumas falhas

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Raramente terei ouvido uma comunicação de um político que me agradasse tanto como a que o Presidente da República dirigiu aos portugueses no dia um deste mês de Janeiro. Uma mensagem curta, clara, incisiva e dirigida a todos e a todos contemplando, num exercício de sabedoria, proximidade, envolvência e autenticidade como tanto precisamos.
Inteligência fulgurante e profunda identificação com o povo que representa fazem do Presidente de Portugal uma figura extraordinariamente querida dos cidadãos nacionais. Essa circunstância tinha boas condições para se impor por contraste com a secura fria, calculista, fechada e preconceituosa do anterior inquilino de Belém que, em boa hora, terminou a função.
Marcelo Rebelo de Sousa, se não alterar muito o modo como desempenha o cargo, deixará profundas saudades quando for a sua vez de sair. Se não se modificar muito, e tiver vida e saúde, como todos lhe desejam, não (me) parece crível que não se candidate e cumpra um segundo mandato. Ele será o que tem menos dúvidas disso. E merece, porque, para lá das qualidades pessoais, tem sabido exercer a função com o devido respeito pela constituição e pelas leis e pelos outros órgãos de soberania e, principalmente, pelos portugueses e por Portugal, que engrandece e com que, humana e politicamente, sai engrandecido.
Mas não há bela sem senão. O Presidente emite opiniões sobre tudo, a todo o tempo, o que revela a sua capacidade de atenção mas também uma omnipresença que nem sempre ilumina ou resolve. Assim mesmo, prefiro-a a uma qualquer clausura de «auto-importância» com que se «protegesse». Antes um Presidente nosso e connosco do que um presidente de si e consigo. A transparência democrática, lídima de franqueza, lisura, honestidade e acutilância é um bem inestimável.
Mas há também ambivalência em Marcelo R. de Sousa. Se a sua autenticidade não oferece dúvidas, ela mesma encerra um artificialismo que eu creio que resulta das múltiplas perspectivas que, com incrível rapidez, divisa em cada situação. Sabedor do que quer, toca os cordelinhos da acção política com agilidade assombrosa. É um emotivo racional com cálculo e um impulsivo distribuidor de afectos, tanto como noutros tempos não resistia ao divertimento de entalar políticos que o temiam, mais que o respeitavam, quando lhes expunha ou sobre eles revelava fraquezas ou falhas com cinismo fleumático demolidor. Isso foi sobretudo nos longos anos como comentador das televisões, exercício em que já antes fora exímio como articulista de jornal. Enquanto estrela televisiva, o seu objectivo terá sido desde longe a presidência da república. Por um lado, tinha consciência de que a sua inteligência não cativava simpatias num partido como o seu, que canibaliza líderes discretos ou mina os que tentem limitar as redes de interesses instalados. Por isso correu em pista alternativa, tornou-se conhecido de toda a gente e lidou bem com o facto de ter tempo de suceder ao segundo mandato de Cavaco Silva que, paciente e de olho no objectivo, esperara também ele pelo término da segunda presidência de Jorge Sampaio. Pelo meio não se comprometeu com causas e lutas sociais profundas: repare-se no elogio que, depois de presidente, dirigiu aos professores, chamando-lhes «os melhores do mundo», por comparação com a atitude do tipo bóia perante as incompetências arrojadas de uma ministra da educação de José Sócrates, muito apreciada por Cavaco Silva. O ensino não melhorou (em minha opinião) e as cicatrizes nas escolas ainda se mantêm, desde esse tempo.
Outra falha que lhe atribuo, face a uma inteligência como a sua, é não ter tomado a iniciativa de dar um pontapé no chamado «acordo ortográfico» que a contemporização do bondoso Jorge Sampaio tornou possível. Para lá da confusão interna, com as coisas como estão, aumentaram as diferenças na ortografia entre os países de língua portuguesa.
Mas, a meus olhos, o pormenor mais elucidativo deste «lado B» do hiperactivo Marcelo R. de Sousa, revelou-o o próprio quando afirmou, já depois da última eleição do Secretário-Geral das Nações Unidas, que Guterres é «o melhor de nós todos» e que, por isso, não se teria candidatado à presidência da república se ele o tivesse feito. Lembro-me de, nesse momento, o pensamento se me ter tornado audível por articulação involuntária da palavra «pantomineiro!»
Atenção, porém, como não há pessoas perfeitas - e se houvesse eu teria medo delas -, reafirmo que aprecio o actual Presidente da República e lhe desejo longa vida.

José Batista d’Ascenção

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