terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Micróbios e alimentação: a fermentação lática e a produção de iogurte

Lactobacillus bulgaricus, uma das bactérias envolvidas na
produção de iogurte. Fonte da imagem: aqui.
O leite é um alimento rico em nutrientes variados. Todos os animais pertencentes à classe dos Mamíferos, que inclui o ser humano, se alimentam de leite nos primeiros tempos de vida. Ao longo da História, a humanidade foi aprendendo a produzir outros alimentos derivados do leite, casos do queijo, nas suas muitas variedades, da manteiga, do requeijão, do iogurte e do almece. Na produção de alguns dos derivados do leite intervêm microrganismos, como em certas variedades de queijo, por exemplo, e no iogurte.
A produção do iogurte envolve bactérias produtoras de ácido lático, de que são exemplo algumas do género Lactobacillus e outras do género Streptococcus. Estas bactérias usam como fonte de energia o açúcar característico do leite - a lactose. A lactose é constituída por dois açúcares mais simples (monossacarídeos) unidos entre si: uma glucose e uma galactose. Por essa razão, dizemos que a lactose é um dissacarídeo. Outros dissacarídeos muito conhecidos são a sacarose (o açúcar vulgar), formada por glucose mais frutose, e a maltose, formada por glucose mais glucose. Os monossacarídeos glucose, galactose e frutose diferem entre si, mas têm a mesma constituição química (C6H12O6). De entre eles, a glucose é o mais abundante e é o “combustível” usado pela generalidade das células vivas. A “maquinaria” celular pode interconvertê-los ou aos seus derivados, em vias metabólicas dependentes da presença de catalisadores biológicos específicos (enzimas), consoante o metabolismo de cada célula.
Quando o leite se encontra em ambiente morno, a temperaturas da ordem de 35 - 40 ºC, por exemplo, pode ser contaminado por bactérias láticas, de forma deliberada, pela simples junção de um iogurte, que é, para o efeito, uma cultura das ditas bactérias, ou de modo ocasional ou acidental, pelas mesmas bactérias, que sempre existem no ambiente. Perante tamanha fartura de alimento, os micróbios multiplicam-se, libertando os resíduos do seu metabolismo, ou seja: há consumo de glucose, para obtenção de energia útil (acumulada em moléculas de adenosina trifosfato – ATP), com formação de um produto de excreção que, neste caso, é o ácido lático. Este processo chama-se fermentação lática, e pode resumir-se de modo simples, numa equação geral:
Glucose (C6H12O6) → 2 Acido lático (2 C3H6O3) + Energia útil (2 ATP)
Quanto mais as bactérias metabolizam (consumindo glucose) mais se reproduzem e mais ácido lático é libertado (o que torna o leite azedo). Dizemos então que o seu pH baixou (pH é a sigla de uma escala numérica entre 0 e 14, em que os valores abaixo de 7 - o valor neutro, correspondente ao pH da água pura – traduzem o grau de acidez de meios aquosos tanto mais ácidos quanto mais baixo for o valor numérico, e os valores acima de 7 são relativos a meios aquosos progressivamente mais básicos ou alcalinos).
O leite é um alimento rico em proteínas. À principal proteína do leite chama-se caseína. As proteínas são longas cadeias de aminoácidos com uma ordem determinada a que se podem ligar outras substâncias. Cada proteína apresenta uma estrutura espacial característica à escala ultramicroscópica. Mas essa estrutura, com as suas propriedades físicas e químicas, só é estável em determinados intervalos de pH. Quando o pH varia, há interacções ou ligações químicas que se alteram e modificações na distribuição de cargas, o que, no caso da caseína, leva à sua precipitação, tendo como resultado a coagulação do leite. Tradicionalmente, o que era um líquido adquire o aspecto de um sólido mole, com sabor menos doce e azedo. Se a fermentação desdobrou toda a lactose nos correspondentes monossacarídeos, o iogurte obtido torna-se um bom alimento para intolerantes à lactose, ao contrário do leite onde está presente. O iogurte é um alimento rico, porque, à parte a degradação do açúcar, que pode ser acrescentado depois, mantém todos os componentes do leite. Se a fermentação lática, acima esquematizada, for a única ocorrida não há produção de gás, que o iogurte não tem. A acidez é um factor de conservação do iogurte, porquanto a baixa do pH inibe o crescimento de muitos outros micróbios competidores das bactérias láticas. E como estas bactérias são ingeridas com o alimento, podem ainda contribuir para facilitar o trânsito intestinal em algumas pessoas com prisão de ventre. Isto implica também alguma prudência no consumo excessivo de iogurte, para prevenir o efeito contrário.
A libertação de ácido lático não tem lugar apenas pela via fermentativa indicada, ocorrendo em estirpes de muitos géneros de bactérias. As bactérias láticas têm muita importância na produção e conservação de grande variedade de alimentos e bebidas, desde peixe fermentado, à sopa, que pode azedar, ou à qualidade do vinho.

José Batista d’Ascenção

Sem comentários :

Enviar um comentário