quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

O micróbio que nos dá o pão, o vinho e a cerveja

Imagem ao microscópio da levedura Saccharomyces cerevisiae. Fonte: Wikipédia
O ser humano depende dos outros seres vivos, por razões alimentares, ambientais, de saúde, de vestuário, habitacionais e outras. O mundo vivo inclui as plantas e os animais, mas também os fungos (como os cogumelos e os bolores) e as bactérias. Partículas biológicas muito curiosas, e cuja função geral na Natureza ainda não percebemos completamente, são os vírus, agentes que infectam de modo específico as células de animais ou de plantas ou de fungos ou de bactérias. Há vírus temíveis pelas doenças ou prejuízos (na agricultura, na pecuária, na silvicultura) que (nos) podem causar. Veja-se o cuidado/receio geral com a contenção do «corona vírus» que, por estes dias, faz a abertura dos noticiários de todas as horas.
A pequena levedura designada Saccharomyces cerevisiae é um fungo unicelular que constitui (na quase totalidade) o fermento comercial de padeiro (tal como o fermento que é guardado em casa, mas este tende a contaminar-se progressiva e abundantemente com bactérias diversas ou outros fungos, razão por que o sabor do pão caseiro, de sucessivas fornadas, pode tornar-se cada vez menos agradável…). Este micróbio é o (principal) agente responsável pelo levedar do pão, que consiste basicamente no seguinte: ao misturar-se o fermento com a farinha humedecida, os hidratos de carbono complexos (amido) são hidrolisados por acção de catalisadores biológicos (enzimas, neste caso as amilases) existentes na farinha, formando-se açúcares como a maltose, a qual é degradada por enzimas da levedura em moléculas simples (monossacarídeos), no caso a «glucose». A glucose é o «combustível» de que a levedura se alimenta e que lhe permite multiplicar-se exponencialmente. O processo metabólico completo chama-se fermentação alcoólica, porque termina na formação de etanol (álcool etílico), ao mesmo tempo que se liberta dióxido de carbono. O objectivo é a obtenção de energia, transferida da glucose consumida para transportadores universais de energia nas células, que são moléculas de uma substância chamada adenosina trifosfato (ATP). Dispondo de ATP e de matérias-primas, em condições fisiológicas e na ausência de tóxicos, quaisquer células realizam todas as suas funções metabólicas. Em termos químicos, a equação resumo é a seguinte:
C6H12O6 (glucose) → 2 C2H5OH (etanol) + 2 CO2 (dióxido de carbono) + 2 ATP (energia útil)
E o que se ganha com a massa levedada? Esta enche-se de bolhas de ar (CO2) que conferem o aspecto vacuolar e macio ao miolo do pão, dando-lhe volume (o pão não levedado – pão ázimo – fica compacto). As próprias leveduras, mortas pela cozedura, contribuem para o paladar do pão fermentado. O álcool (que ferve a cerca de 78 ºC) é evaporado pelo calor do forno, pelo que o pão cozido não sabe nem cheira a álcool, nem, muito menos, embebeda.
O processo fermentativo de que resulta a produção de vinho e de cerveja é o mesmo e é realizado pelo mesmo micróbio, ou outros semelhantes, embora com possível uso de estirpes seleccionadas artificialmente. O objectivo é que é diferente.
Na fermentação vínica, o CO2 liberta-se espontaneamente (podendo acumular-se em adegas pouco arejadas com grande volume de mosto em fermentação intensa, e constituir perigo sério de intoxicação), enquanto o álcool vai aumentando a sua concentração no líquido. O teor alcoólico final depende da quantidade de açúcar inicial (acrescentando açúcar ao mosto em fermentação aumenta-se a graduação do vinho…). Quando os níveis de álcool são suficientemente elevados, a sua toxicidade mata as leveduras, a fermentação pára, aquelas caem por acção da gravidade no fundo das cubas e o vinho fica límpido.
A produção moderna de cerveja assenta no mesmo processo fermentativo a partir de malte (obtido de grãos de cevada, mas o trigo, o milho, o arroz ou outros cereais serviriam igualmente), sobretudo por acção de estirpes seleccionadas de Saccharomyces cerevisiae.
Na produção de vinho caseiro, bastam as leveduras associadas naturalmente à «pele» dos bagos de uva, as quais entram em contacto com o sumo doce quando os cachos são esmagados.
O gás da cerveja e dos vinhos gaseificados é CO2 dissolvido sob pressão nos respectivos líquidos, seja o que foi retido durante a sua libertação na fermentação, em tanques fechados,  ou o que é acrescentado depois.
O uso de leveduras como a Sacchaaromyces cerevisiae para os fins descritos tem milhares de anos (há mais de 5000 anos já se fabricava vinho no Egipto e na Suméria), muito, muito antes, portanto, de ser conhecida a sua existência.

José Batista d’Ascenção

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