segunda-feira, 22 de junho de 2020

História antiga, acerca de como o bem existe e os humanos são como são

"Ponte do diabo" sobre o Rabagão (Gerês)
Imagem obtida da "Google" (aqui)
Há muito tempo, quando eu era menino, ouvia contar que, antigamente, certo viandante tinha de atravessar uma ponte duplamente vigiada no percurso para o seu destino. Segundo rezava a história, no lado da ponte de que o indivíduo se ia aproximando encontrava-se Deus, dando as boas-vindas e abençoando os caminheiros. No lado oposto, o diabo (ab)usava (d)as suas artimanhas para fazer perder as almas de quem passava.
Cheio de cautela, o caminhante aproximou-se da ponte e de Deus, compôs o seu melhor ar de simpatia, enquanto proclamava alto: «Deus é bom». Saudado com felicitações e recebida a bênção pelo todo-poderoso prosseguiu até ao meio da ponte, altura em que, temeroso das falcatruas do diabo, mudou a lengalenga passando a dizer a meia voz: «E o diabo também». Cozido com o parapeito, em que apoiava a mão desse lado, avançava prudentemente, repetindo o dito que julgara conveniente.
Traiçoeiro como só ele sabe ser, o diabo, por malas-artes, arranjou maneira de precipitar o homem da ponte abaixo. Caído de grande altura, o corpo da vítima despedaçou-se nas fragas e foi arrastado pela correnteza das águas.
O final da história variava com os contadores: diziam uns que, mercê de comportamento cordato e prudente, e depois de castigo mortal violento pelo seu procedimento hipócrita, a alma do passante foi acolhida no paraíso; já outros salientavam que a alma se salvara sim, mas porque muito maior do que a cobardia do homem fora a infinita misericórdia de Deus. Havia ainda quem dissesse que, afinal, nem chegara a haver morte, porque anjos etéreos teriam aparado o corpo na queda, transportando-o transido de susto mas salvo para o olimpo.
Fosse como tivesse sido é lá que o peregrino se encontra, feliz, imbuído dos poderes de inspirador e protector das pontes entre os corações ou entre as almas dos humanos. Diz-se também que cada um pode (mais) facilmente encontrá-lo dentro de si, se fizer uma busca silenciosa às profundezas da (própria) consciência. 


José Batista d’Ascenção

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