quarta-feira, 7 de junho de 2023

Agricultura «biológica» - a mistificação começa no nome (*)

O Professor Miguel Mota (1922-2020), insigne (e entre nós quase desconhecido) cientista, nos seus escritos, esclareceu meridianamente a inadequação do qualificativo «biológica(o)» aposto a qualquer tipo de agricultura ou produto obtido da prática agrícola.

Por mais químicos (de síntese industrial) que se usem, cereais, legumes, frutos, forragens para animais ou outros produtos agrícolas não deixam de ser o resultado do desenvolvimento de seres vivos, logo, biológicos. E as espécies agrícolas, sejam as seleccionadas ao longo de milénios ou as obtidas por transgenia, na actualidade, não são menos biológicas por isso.

O mesmo se aplica a animais, como se aplicaria a micróbios com metabolismo, bactérias, por exemplo (o caso dos vírus biológicos é mais problemático…).

Pensemos no caso das pessoas: poucas haverá que nunca tenham tomado quaisquer medicamentos, mas isso não altera em nenhuma delas a sua condição intrinsecamente biológica.

Por outro lado, a prática da agricultura, como a da jardinagem ou a da gestão florestal exigem de quem as tem ao seu cuidado enormes esforços e despesas “contra”… a Natureza. Se isto choca pense-se na rapidez com que certas espécies selvagens (ervas daninhas ou infestantes e espécies invasoras) muito rapidamente eliminariam as variedades cultivares de que nos nutrimos ou com que alimentamos os animais domésticos, que embelezam os espaços de jardim ou de que extraímos madeira, resina, cortiça, etc., se faltasse a acção permanente de hortelãos, jardineiros, couteiros, engenheiros agrícolas ou florestais e outros.

É assim. E, por extensão exemplificativa, passa-se o mesmo com a acção protectora das vacinas e dos antibióticos na prevenção ou no combate de infecções letais em animais e em seres humanos. 

Esclarecer isto não significa qualquer desvalorização da Natureza, muito menos a apologia das acções que a poluem e destroem. Antes pelo contrário.

Por isso, uma boa designação para qualificar uma agricultura amiga do ambiente seria, por exemplo, «agricultura ecológica».

Porque é de ecologia que se trata, antes que a degradação da Natureza trate de nós.

José Batista d’Ascenção

(*) Adenda: recomenda-se a leitura do artigo «Comer biológico “é uma decisão, não uma recomendação de saúde”», in: caderno P2 do jornal «Público» de 04 de Junho de 2023, p. 4-9.

2 comentários :

  1. Parabéns Zé. A manipulação das palavras é muito mais perigosa do que a dos seres vivos. Muito obrigado.

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    1. Eu é que agradeço (não tenho a certeza sobre quem fez este comentário, por isso, em vez de um beijinho, deixo um abraço).

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