domingo, 25 de agosto de 2024

Higiene alimentar – falhas ou nem por isso?

Em pequenas e grandes superfícies, a venda de produtos alimentares está sujeita a regras que, em geral, preservam a sua boa qualidade.

Porém, num ou noutro caso, nos supermercados que frequento (na região do Minho), tenho motivos de reparo. Por concisão, detenho-me no modo como se expõe à venda o «fiel amigo».

Hoje, voltou a acontecer-me. Enquanto aguardava a minha vez, um senhor revolveu bacalhaus atrás de bacalhaus, que olhava de um lado e do outro, de permeio coçou as narinas, e continuou o “exame”, até virar costas e desandar, sem ser atendido. Também em mim se revolvia qualquer coisa, desagradavelmente, mas nada disse. Quando chegou a minha vez, indiquei um bacalhau branco e seco, do lado oposto àquele em que o cliente desistente remexera, a funcionária cortou-o, ensacou-o e entregou-mo, e fui à minha vida.

Por alturas do Natal é pior. Certa vez, era uma senhora, de largura avantajada e unhas grandes e pretas, que se aplicava em virar e revirar bacalhaus, levando um ou outro exemplar ao nariz, que cheirava ruidosamente, com as ventas peludas, até que se decidiu. Dessa vez não resisti, dei meia volta, em silêncio, e sujeitei-me corajosamente às recriminações caseiras, por não ter comprado bacalhau.

São hábitos, pouco desejáveis, em minha opinião. Reconheço que, no caso em apreço, não há notícia de grandes epidemias que dele tenham resultado. As bactérias que nos habitam são muitas e variadas e mais ou menos as mesmas, e talvez resida aí a inocuidade do procedimento. Assim mesmo, julgo de todo aconselhável que os estabelecimentos resguardem o bacalhau das mexidas dos clientes, que devem escolher os peixes que pretendem sem lhes tocar directamente. A salga protege os alimentos da decomposição pela desidratação (por osmose) dos micróbios contaminantes, mas não elimina nenhum deles. O que significa que aquele hábito, tão arreigado, pode ser factor de propagação de doenças, pelo que devia ser objecto da atenção da ASAE.

Mas, não devia haver necessidade.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Tributo aos enfermeiros portugueses (texto também publicado no jornal «Público», de hoje)

Em 2009 fui sujeito a duas grandes intervenções cirúrgicas “clássicas”, na Primavera e no Verão. Pude então experimentar a excelência dos enfermeiros e da enfermagem em Portugal.

Na realidade, comprovei o que já sabia. A formação de qualidade superior e a boa aceitação de enfermeiros portugueses em países como a Inglaterra, e os “feitos” que ali conseguiram posteriormente, não foram surpresa para mim.

Vem isto a propósito do estado de caos e incompetência política a que o país chegou, no campo da obstetrícia.

Sugiro que se proceda às alterações estatutárias da classe e à legislação correlativa para que os enfermeiros possam realizar partos comuns. Não era nenhum retrocesso médico e todos ganharíamos.

E também não era nenhum desprestígio para os médicos obstetras.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 20 de agosto de 2024

O abandalhamento da língua portuguesa

Terminei o livro «Por amor à língua e à literatura», de Manuel Monteiro.

Nem eu sabia quantos erros cometo no uso da riquíssima e belíssima língua que é a nossa.

O autor é de um rigor extraordinário, detecta incorrecções da escrita e elucida as falhas com clareza, elegância, humor e beleza. Aprende-se muito.

O capítulo mais extenso é sobre o Acordo Ortográfico [AO]. É verdade que o AO «deixou a língua portuguesa em cacos», tem contribuído para alterações da pronúncia (vê-se e ouve-se nas notícias) e «é uma máquina de fomentar erros» (basta ler o Diário da República).

Dicionários, prontuários, em papel ou digitais, e suportes informáticos como a Infopédia, o Ciberdúvidas ou o Portal da Língua Portuguesa não se entendem entre si nem em si mesmos sobre a ortografia de muitas palavras (que mudam frequentemente). Como aceitar o registo formal de «interrutor» ou «suntuoso»? Ou que as regras de hifenização sejam um caos, em que, frequentemente, apesar de seguirem o AO, os instrumentos da língua se contradizem uns aos outros e infringem as normas do dito? Fica tristemente claro que a sujeição da escrita à pronúncia é «uma aberração linguística», quer porque ninguém sabe o que é a «pronúncia culta», quer porque a pronúncia é variável de região para região, até num país pequeno, como Portugal.

O objectivo de uniformização da língua na comunidade de países de língua portuguesa é um embuste. E, neste campo, o AO foca-se apenas em Portugal e no Brasil, o que é desrespeitoso para os restantes. Segundo a investigação de «Maria Regina Rocha, havia 2691 palavras que se escreviam de modo diferente e que se mantêm diferentes, 569 palavras diferentes que se tornam iguais e 1235 palavras iguais que se tornam diferentes.» Ou seja: o AO teve um efeito contrário ao seu propósito.

O AO é «uma obra de mutilação das raízes latinas, da etimologia e da lógica da língua», diz o autor, e eu não duvido. E o problema maior é que o AO não é susceptível de qualquer «polimento possível que retoque o que não tem ponta por onde se lhe pegue.», refere também.

Donde, lamento os políticos que temos e decepciona-me a adesão conformista dos professores de Português do meu país a uma matéria que está longe de lhes facilitar a tarefa.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Belezas do Portugal «interior»

A Mafalda e a Lurdes no «vértice» entre Tejo e Zêzere,
 na antiga «Punhete», que hoje se chama «Constância»

Em Portugal Continental tudo o que está a mais de 30-40 km da costa é «interior», não obstante nenhum lugar do Continente distar mais de 200 km do mar, em linha recta.

Pois o nosso «interior» oferece maravilhas (paisagísticas, florísticas, culinárias, de monumentos históricos e naturais, etc.), que é uma pena que muitos portugueses, mesmo os do interior, desconheçam, exceptuando as dos sítios onde nasceram, sendo que, nestes casos, não raro, são os próprios que as desvalorizam, como que fartos das misérias pessoais a que as associam desde o berço. Uma tristeza, que talvez se atenue com o passar das gerações.

Desta vez, a minha (pequena) «tribo» familiar passou uns dias no centro do rectângulo, para nos regalarmos com jóias diversas, não muito distantes umas das outras, e em que os pequeninos (com pouco mais de três anos), que sempre nos acompanharam, deram mostras de grande resistência e entusiasmo (talvez por não estarem viciados em monitores e televisão). Seguem alguns exemplos.

A visita, de várias horas, ao museu ferroviário do Entroncamento. Pena que não faça parte da rede nacional de museus, com acesso gratuito um dia por semana (boa medida, a tomada recentemente pelo governo, nesta matéria). Entrada: 6,00 €. Da mesma qualidade só o que vi, há uns anos, em Utreque. Até deu para almoçarmos numa carruagem provida de ar condicionado (o almoço levámo-lo nós). Os meninos gostaram muito.

O castelo de Almourol. Uma preciosidade num enquadramento belíssimo. O bilhete é para o acesso de barco: 4,00 €. Os pequeninos também subiram às ameias e ao topo da torre, apenas pela mão, sem colo, na ida e na vinda.

Parque ambiental de Santa Margarida (Constância). Muito bom, para fruição e como estação de educação ambiental. Os mais pequenos gostaram de ver os peixes, a rã que o avô capturou para verem de perto e sentirem o viscoso da pele, as libelinhas azuis, vermelhas e cinza, os gafanhotos, que também apanhámos para visão mais pormenorizada, os aromas a sálvia, alecrim, murta, louro, limonete, erva príncipe e outros das plantas do respectivo talhão, as bolotas, algumas com os seus “chapéus”, e as castanhas da Índia com que enchemos os bolsos. E ainda houve uns figos pretos apanhados na figueira. Bem merecemos o lanche em sombra frondosa, como se a temperatura do ar ao sol não estivesse nos 36ºC ou próximo disso.

O passeio por Constância. Observada dos miradouros fronteiros, na margem direita do Zêzere, a vila é uma beleza. A Mafalda, a nora e mãe dos meninos, queria muito ir ali, à terra do seu trisavô, Adriano Burguete, médico constancience, que foi presidente da câmara e que teve importância na defesa da tradição local que refere que Camões viveu naquela vila durante algum tempo, em cumprimento de pena, numa casa à beira-Tejo sobre cujas ruínas veio a ser edificada, mais tarde, a casa-memória de Camões.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Tempo de férias do meu núcleo familiar

Por reserva, não trago a família para as redes sociais. Hoje quebro a regra, porque uma vez não são vezes. Enche-se-nos o peito quanto os netos, que estão longe, aproveitam todas as oportunidades para estarem ao pé dos avós. Mesmo quando é para caminhar um bocado, eles querem ir, e aguentam. Ou quando vamos a um museu e os levamos, não dizem que estão cansados, esperam ou marcham lentamente como nós, os adultos, resistem bem às horas e reparam em pormenores e “pormaiores” curiosos, com perguntas e comentários cheios de graça. Claro que não o fazemos todos os dias, nem de qualquer modo, porque são crianças pequenas…

A matriarca explica...
Com tal desvelo um dos netos mais novinhos, o Diogo, “tomava conta” do avô, que até uma vendedeira de frutas e doces, à porta do Convento de Cristo (Tomar), lhe ofereceu figos, numa doçura de gesto nada inferior à dos próprios frutos.
Bem mereceram os meninos – o Artur, o Diogo e o Gaspar - mais umas horas de diversão na Mata Nacional dos Sete Montes, esta tarde. E os mergulhos na piscina, após o regresso.
Parece(-me) que gostam cada vez mais do país deles, os meus netos, o que é bom. Quem sabe se um dia quererão voltar para a matriz original?

Por outro lado, estar com os meus filhos, emigrantes, e com as mulheres deles é muito reconfortante e confortável. Sim, porque o coração é afagado e sabe bem ser objecto de mimos que vão desde o alívio da função de condutor até aos gestos de carinho e de consideração pelos gostos ou preferências dos pais que se adentram na velhice.
Há sequências de dias assim.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

O espírito olímpico e a participação dos portugueses

Há dias li um texto muito interessante sobre os jogos olímpicos, do Dr Gentil Martins, em que ele refere a mudança radical que sofreram, desde o início do século passado, no que respeita às compensações materiais dos atletas, que antes não eram permitidas e que passaram a ser determinantes depois.

Outros aspectos que (me) levantam dúvidas relacionam-se com os aproveitamentos políticos que sempre tende a haver, às vezes chocantemente, como aconteceu na Alemanha nazi.

Porém, há dimensões mais profundas que se me impõem como de esclarecimento (muito) difícil, tais como:

- porque precisamos nós humanos de nos sentirmos melhores do que todos os outros, não só na nossa rua ou no nosso trabalho ou na nossa cidade, como no mundo inteiro? E como podemos ter a certeza de que, em qualquer capítulo, há alguém que é o melhor do mundo, para além do universo dos competidores envolvidos nas mesmas provas? Quantos seres humanos, que nunca sequer praticaram as diferentes modalidades seriam melhores, se o tivessem feito? E que interesse vital tem isso? A espécie humana não poderia evoluir bem sem desencadear entre os seus membros competições extremas, que nem sequer trazem mais saúde aos praticantes?;

- e que direito há de condicionar criancinhas a treinos intensivos para produzir atletas «perfeitos» na idade da adolescência, como se não houvesse outro mundo possível ou desejável para elas? Isso não configura trabalho infantil real, praticado por elites sociais favorecidas?

Como Portugal é um antigo e eterno país materialmente pobre, parte dos atletas dotados para alguma actividade desportiva vivem com limitações económicas, o que lhes acrescenta sacrifícios, às vezes descomunais, nas fases da sua preparação. Certo que as dificuldades podem ser factores adicionais para a têmpera de alguns (recordo Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro…), mas isso pode não ser suficiente. Daí que seja sempre com emoção que assisto a uma ou outra prova dos nossos e sofro com o sofrimento que revelam e as lágrimas de tantos, seja porque falharam seja porque conseguiram algum prémio, mesmo que não seja o primeiro. 

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Simone Biles! Simone Biles! Tu és deste mundo, Simone Biles?

A tua condição é mas não parece humana. O arrojo e a perfeição são contigo. Pareces desafiar a força da gravidade e dominas as leis do equilíbrio, da graça e da harmonia dos movimentos do corpo. As tuas capacidades estão além e acima das de todas as tuas colegas competidoras. Uma maravilha que as palavras não podem traduzir.

Fiquei preso à TV, hipnotizado com as tuas prestações.

E depois há o teu sorriso largo e o aplauso às concorrentes, quando fazem bem. Também nisso és grande.

E és maior ainda, pela coragem e humanidade com que mexeste nas dores, tuas e de todos os ginastas e atletas, para revelar males que é preciso debelar - isso foi há quatro anos.

E voltaste, ressuscitada, para mostrares que o mundo vale a pena.

Vale a pena, sim. Por ti e por nós.

Muito obrigado, Simone Biles.

José Batista d’Ascenção