sábado, 29 de dezembro de 2018

Livros que devíamos ler, enquanto é tempo

«Fascismo, um alerta», de Madeleine Albright (Clube do Autor)

De leitura e compreensão fáceis, a mensagem deste livro parece-me urgente. A autora, com uma extraordinária experiência de vida e de acção política, imensa cultura e profundo e amplo conhecimento, nalguns casos pessoal, dos líderes do mundo desde há cem anos, analisa os perigos políticos da actualidade, abanando-nos para a possibilidade de se resvalar em grande escala para horrores que lembram o que aconteceu no século XX, com líderes como Mussolini, Hitler, Franco, Estaline e outros, e que continuam ou ressurgem no presente, sob outras cambiantes, às mãos de Putin, Duterte ou Kim Jong-un  - «verdadeiro fascista» (pg. 297) -, para referir apenas alguns dos muitos exemplos analisados por Madeleine Albright. 
Um dos motivos fortes da escrita do livro resultou da eleição de Trump: «Se pensarmos no fascismo como uma ferida do passado que estava quase cicatrizada, colocar Trump na Casa Branca foi como arrancar o penso e remexer na crosta.» (pg. 21)
A autora caracteriza o fascismo e o modo como os líderes fascistas tom(ar)am o poder, até pela via democrática (Hitler foi eleito), para depois o ampliarem sem medida, por todas as formas, incluindo a violência fria e cruel, sem contemplações nem escrúpulos nem remorsos.
Donald Trump: um perigo para a democracia
Para Madeleine Albright, o chamado populismo é quase inevitável em democracia e, em si, não reside mal de maior. A democracia é que carece de ser acarinhada e valorizada sem interrupções pelas sociedades onde existe e que são aquelas onde se atingiram melhores níveis de vida e de realização humana em liberdade.
Curiosamente, na actualidade, a circulação fácil da informação, muita dela falsa, mas baseada no conhecimento do que os indivíduos com sentimentos de injustiça e de revolta querem ouvir, devido à imensa recolha de dados pessoais por via digital, colocam em xeque os dirigentes democráticos que não conseguem «refutar histórias que parecem saídas do nada e foram inventadas unicamente para acabar com eles» (pg. 146). «Estamos acomodados. Mesmo os demasiado preguiçosos para ir votar sentem que é seu direito inato atacar por todos os lados os representantes eleitos.» (pg. 147)
Segundo M. Albright, «os déspotas raramente revelam as suas intenções e (…) os dirigentes que começam bem com frequência se vão tornando tanto mais autoritários quanto mais tempo permanecem no Poder» (pg. 151), situação agravada pelo facto de as medidas antidemocráticas serem «muitas vezes bem recebidas pelas pessoas, sobretudo quando se destinam a favorece-las.» (ibidem), razões por que não devemos abrandar a vigilância.
A União Europeia está hoje sujeita a nacionalismos extremistas. Foi o medo de que o fascismo voltasse «ao continente onde nasceu que estimulou o esforço de integração europeia, mas as origens desse sentimento têm mais de setenta anos, e as ansiedades, tal como os seres humanos, acabam por mostras a idade.» (pg. 217) O problema dos migrantes e refugiados agravam o problema. M. Albright conhece-o desde há muito: «Eu sou uma refugiada, mas uma refugiada com sorte. (…) não respeito os políticos que [servindo-se do tema] tentam ganhar votos lançando o ódio.» (pg. 225)
Contrariamente à prática de Trump, que considera o mundo «uma arena onde as nações, os agentes não governamentais e os empresários se confrontam e competem para obter vantagens» (pg. 263), M. Albright contrapõe que, «embora seja certo dizer que o mundo não é exatamente a Rua Sésamo, é um lugar onde todos os países têm de viver. Reduzir a nossa existência a uma luta competitiva para obter vantagens entre mais de duzentas nações não é lucidez, é miopia.» (ibidem)
Uma súmula do livro mais precisa do que o texto acima encontra-se na badana da capa. Assim mesmo não quis deixar de o escrever.

José Batista d’Ascenção

PS: O chamado «novo acordo ortográfico» leva ao uso de expressões como «violência setária» (pg. 131) e «luta setária» (pg. 138) o que me fez acudir à ideia conflitos com… setas. Também a frase: «Isto para o processo de aprendizagem e cria uma audiência» (...),  (pg. 285) me obrigou imediatamente a voltar atrás, para relê-la. Quando é que o dito acordo será revisto, pelo menos?

2 comentários :

  1. Se o tradutor escreve "setária", incorre num erro ortográfico. E disso o AO não tem culpa nenhuma. Pelo pouco que sei da coisa, só caem as consoantes surdas, as que não se lêem nem se dizem. Esta é sonora, lê-se e diz-se. Portanto, não tem nada que cair, como, por exemplo, não cai em facto ou em pacto ou em corrupto.

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  2. Tal qual como dizes, meu amigo. Porém, não fora o AO e este e outros erros provavelmente não estariam a ser cometidos. A meu ver, o AO é fonte de erros devido a insuficiências intrínsecas e estimula confusões que, de outro modo, dificilmente existiriam.

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