quinta-feira, 13 de junho de 2019

O amor que não temos pela língua portuguesa

Os portugueses em geral não consideram a sua língua um bem maior (o mais precioso dos instrumentos) do seu património sociocultural. O mal afecta quase todos, dos populares a alguns eruditos. Veja-se a facilidade com que as autoridades políticas interferem nas regras da ortografia: no século XX fizeram-no legalmente várias vezes: na reforma de 1911 (pelos vistos necessária…), alterada por portaria em 1920; surgiu polémica no Brasil; primeiro acordo ortográfico entre Portugal e Brasil em 1931; dúvidas na academia das ciências em Lisboa; alterações em Portugal, em 1940, com base nos trabalhos anteriores (de 1911, 1920 e 1931); discrepâncias também no Brasil; convenção em Lisboa em Dezembro de 1943 a confirmar o acordo de 1931; novo acordo em 1945, que o Brasil não aplicou; mais mexidas em Portugal em 1973; e «Novo Acordo Ortográfico» em 1990, ratificado na Assembleia da República em 2008 (dados colhidos no «Ciberdúvidas»). Com uma tal frequência, a próxima mexida não deve tardar e não será para melhor (que, em meu entender, seria voltar ao que estava antes da última alteração). Parece que um dos motivos fortes dos entusiastas que se lançaram no «Acordo Ortográfico de 1990» seria o esforço de uniformização da língua entre os países de expressão portuguesa, especialmente entre Portugal e o Brasil. Ora, no que respeita ao português de Portugal e ao português do Brasil, segundo «Maria Regina Rocha, havia 2691 palavras que se escreviam de forma diferente e que se mantêm diferentes (…), havia 569 palavras diferentes que se tornaram iguais (…) e havia 1235 palavras iguais que se tornam diferentes. Está a ler bem: com o Acordo Ortográfico, aumenta o número de palavras que se escrevem de forma diferente!» (1). E agora, para além de países como Angola e Moçambique, que não ratificaram o dito «acordo», é também o Brasil que pondera revogá-lo… Que se ganhou com isto?
Outra tendência nossa, que vejo como um complexo cultural, é a opção por palavras e expressões estrangeiras, sobretudo da língua inglesa, como se não houvesse termos equivalentes (e melhores) em português. A imagem, que copiei da página do «facebook» do Professor João Alveirinho Dias, é elucidativa. Mas, atenção, também há quem se esforce no sentido de aportuguesar os estrangeirismos que usamos de modo corriqueiro, não sei eu com que grau de sucesso. É o caso da escritora Luísa Costa Gomes, na (sua) obra «Olhos Verdes». Na edição que tenho entre mãos, da colecção «Mil Folhas» do jornal «Público», de 2002, tomei nota dos aportuguesamentos, por vezes curiosos, feitos pela autora. Seguem alguns exemplos: butique (p. 132); clouseape (p. 109); cofiteible (p. 92); crol [natação] (p. 103); disaine (p. 13, 45, 74, 76, 127); flache (p. 87,129); frilance (p. 72); kê-ó (p. 126); leiaute (p. 109, 119); luque (p. 71); marquetingue (p. 76, 88, 89, 99, 120); obi (pp 82); ol [de entrada] (p. 83, 133); paiete (p. 185); pedigri (p. 27); quiqueboxingue (p. 110); stendebai (p. 61); teicofe (p. 44); toquechô (p. 187); tualete (p. 114, 132); zepar (p. 188); zepingue (p. 110, 111).
E, francamente, gostei. Para além dela, serei o único?

José Batista d’Ascenção

(1) In: «Por Amor à Língua». Manuel Monteiro. Ed. Objectiva. Lisboa. 2018. Páginas 151 e 163.

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