domingo, 21 de agosto de 2016

Cidade onde dá gosto viver – Leiden, na Holanda

Há espaços que se nos tornam muito agradáveis e onde gostaríamos de viver, mesmo que neles só tenhamos estado alguns dias. Leiden, uma cidade holandesa, possui uma harmonia, uma suavidade, um colorido e uma ambiência maravilhosamente cativantes. Está-se bem lá. E as pessoas de lá parecem sentir-se muito bem na sua cidade, consigo, com os outros, com os animais, que não fogem das pessoas, sejam cães, gatos, gralhas, corvos, pombas, patos ou gaivotas, e com as plantas, trate-se das flores de cores vivas e contrastantes que enfeitam jardins, frentes das casas e margens dos canais, ou das árvores que crescem nos parques, nas praças ou nas ruas, sem aquelas podas “decepantes” tão comuns no nosso país. Vários aspectos merecem destaque, sempre pela positiva.

As pessoas
Muitos bebés e crianças pequenas, de casais jovens, por vezes com três e quatro, muitas crianças de mais idade, jovens e adultos, estatura tendencialmente alta (são vulgares os homens com mais de dois metros – a Holanda tem os seres humanos mais altos do mundo), a maioria dos indivíduos bastante magros e elegantes, gente enérgica, activa, conversadora, tranquila e bem disposta: jovens raparigas deslocando-se de bicicleta, frequentemente aos pares, conversam e riem natural e descontraidamente, durante o percurso, o mesmo fazendo casais ou famílias mais alargadas ou grupos de amigos. Nas instituições, os funcionários são de uma atenção irrepreensível, sendo comum, após o atendimento formal, a amabilidade e a graça de nos desejarem um dia bom e divertido.

As casas
A harmonia das construções, o respeito e gosto pela tradição e pela arquitectura local, os poemas de autores famosos, em várias línguas, em letras garrafais, de alto a baixo, nas paredes mais expostas. Nos pisos do fundo, em certas ruas, é vulgar as janelas não possuírem persianas nem cortinas, e as pessoas, à noite, comem, trabalham ou vêm TV indiferentes a quem passa na rua, assim como quem passa na rua não dirige o olhar para quem está no interior das casas. As frentes, com boas janelas, com caixilhos de madeira, muito bem tratadas e as entradas com flores e plantas aromáticas, são um agrado e um convite a apreciar.

                                                      
Casa com poema de Fernando Pessoa

O colorido
Muita cor viva e contrastante, mas harmoniosa, nas floreiras das ruas, defronte das casas, das lojas, restaurantes, etc. A cor do pavimento, de tijolo vermelho escuro, ou de asfalto de igual cor, em algumas ruas, combina com as paredes das casas em que é usado o mesmo tijolo. No mercado, feito ao longo de muitas ruas, com os canais a meio, as cores contrastantes de flores, frutos, até de doces, azeitonas e queijos, ou mesmo de peixe, fazem lembrar as do mercado do Funchal, só que em grande extensão, pelas vias onde circulam imensas pessoas, cujo efeito, não só não incomoda como é surpreendentemente agradável.

Os aromas
O uso de plantas aromáticas, com destaque para a lavanda e o alecrim, que decoram a entrada de casas, esplanadas, lojas e restaurantes, dão uma ambiência e fragrâncias que dispõem bem.

Os sabores
Excepto o travo amargo das laranjas que provámos, de que, curiosamente, se faz um sumo natural tão bom como o nosso do Algarve, as provas de queijos, azeitonas (de imensas variedades) e compotas, que são grátis em cada tenda da especialidade, no mercado, são deliciosas. Os queijos merecem destaque, tal a quantidade, a variedade e a qualidade. Certos modos de confecionar o peixe, com os molhos que o acompanham, tornam-no saboroso. E as bolachas, bolos e doces do pequeno almoço comem-se bem. Os restaurantes caros, fora do alcance da nossa bolsa, escapam à possibilidade de análise.

Personalidades
Entre as mundialmente conhecidas, basta referir que Leiden é a terra de Rembrandt, filho de um moleiro, e a terra onde Descartes viveu (na bem conservada casa com o número 21 numa das margens do canal Rapenburg). Há muitas outras personalidades famosas para as gentes locais, que as não deixam cair no esquecimento, porque as respeitam e as tomam como referência. Os monumentos, os museus e os espaços públicos demonstram-no elucidativamente.

A Universidade
O antigo (a universidade possui mais de quatrocentos edifícios espalhados pela cidade) e o moderno (estruturas com muitos pisos, outras rasas, com laboratórios, auditórios, refeitórios, espaços para aparcamento de bicicletas e largos espaços envolventes), a pujança da investigação, no passado e actualmente, sempre com os vultos da ciência muito presentes: lá constam, em paredes destinadas para o efeito, as assinaturas de Einstein, Röntgen, Max Plank, Becquerel, Schrödinger, Pascal, N. Bohr, entre milhares de outras… O “Hortus botanicus” – um jardim botânico extraordinário, com colecções de plantas carnívoras muito completas, em estufas enormes, dimensionadas em altura, por falta de espaço horizontal, com exemplos de todo o mundo, fetos de imensas variedades, tantas, tantas que são um deslumbramento, canteiros com todas as Ordens de plantas com flor, cada uma representada por diversos exemplares de várias das suas Famílias, cientificamente designadas e sistematizadas com recurso às modernas técnicas de análise de DNA. Como deve ser produtiva uma aula com alunos do ensino secundário naquele espaço! Mas não se pense que o “Hortus botanicus” está apenas reservado a estudantes e investigadores, nada disso, as suas grandes árvores, as flores, a relva, os circuitos, os lagos, o canal que o bordeja do lado oeste, as aves e os peixes que o habitam são para usofruto de quantos, crianças e adultos, de todas as idades, o escolhem para estudo, deleite, passeio ou descanso.


Universidade de Leiden – um dos edifícios mais recentes.



Estufas do Hortus botanicus – Em primeiro plano três exemplares da planta Amorphophallus titanus, cuja inflorescência pode atingir mais de três metros e setenta e cinco quilos de peso.


Hortus botanicus – canteiro de plantas (cientificamente identificadas) pertencentes à Ordem das Saxifragales

Os moinhos (de vento)
Estruturas emblemáticas, os moinhos serviam para moer todo o tipo de grãos, canela, baunilha, etc., e para bombear a água a fim de secar as terras. A superfície dos “Paises Baixos” (Holanda é apenas o nome de uma das suas doze províncias) situa-se abaixo do nível do mar: o aeroporto de Amsterdão, por exemplo, está cerca de três metros abaixo do nível médio das águas do mar. Outros moinhos serviam para serrar madeira, alguma produzida localmente (como os carvalhos roble, por exemplo), outra importada de muitas e longínquas partes do mundo, via marítima. Grande parte destes moinhos foram conservados como museus, em que pode ser apreciada rigorosamente a maneira como funcionam, facto que, associado à beleza do movimento das “velas” e da paisagem, os torna uma importante atracção turística.


Os canais, as ruas, as pistas para bicicletas e os passeios
Os espaços mais abertos entre as casas têm os canais a meio. Nas margens, os locais de atracamento dos barcos, os espaços para aparcamento de carros e/ou bicicletas, a faixa para os carros, a pista para as bicicletas e, junto às paredes das casas, os passeios para os peões. A largura de cada um daqueles espaços não é grande, mas o desenho está tão bem conseguido e as pessoas usam-no tão bem que não presenciámos qualquer congestionamento, ou queda das muitíssimas bicicletas ou (algumas) lambretas, sequer acotovelamentos dos peões. Igualmente fácil é a deslocação das pessoas em cadeiras de rodas. Tudo muito funcional e bonito e agradavelmente decorado com flores. A atravessar os canais, pontes em arco, também elas festivamente decoradas com cores vistosas, agradavelmente impressivas. O canal com mais tradição é o canal de Rapenburg.


Canal Rapenburg

As bicicletas
Na Holanda diz-se que há mais bicicletas que pessoas e, a quem lá vai, é difícil supor o contrário. Como os terrenos são planos, o esforço é perfeitamente suportável e a velocidade de deslocação bastante considerável. Em muitas bicicletas, para além do condutor, pode viajar uma segunda pessoa adulta (às vezes com um cão que corre serenamente pela trela) ou uma criança, frequentemente um bebé, numa cadeirinha à frente, em certos casos provida de um mini para-brisas (só para a criança). Há também uns triciclos com uma espécie de caixote alongado bastante grande, à frente, onde é possível viajarem duas ou três crianças pequenas ou volumes consideráveis… Muito comum é uma caixa plástica (do mesmo formato exterior mas  um pouco mais pequena que uma grade de cervejas que não tivesse divisórias para as garrafas) à frende do guiador, onde, muitas vezes, viaja um cão, sentado, muito descontraído, como se estivesse no chão.
Este uso massivo da bicicleta tem importantes benefícios:
- permite a prática de exercício, sem perda de tempo, proporcionando boa forma física e elegância do corpo;
- Economiza gastos em combustíveis e em meios de transporte;
- Não polui o ambiente;
- É um factor da economia do país e dá emprego a muitas pessoas.

Os comboios
Os comboios são rápidos, suaves e bastante silenciosos, especialmente no seu interior, excepto nas estações de Amsterdão, onde viajam multidões. Não se vê um assento riscado ou rasgado ou sujidade no chão das carruagens. Viajar entre as cidades de Leiden, Amsterdão, Haia, Utreque ou Roterdão, só para dar alguns exemplos, é muito rápido e confortável. Curiosamente, em alguns comboios, há carruagens com a indicação de silêncio em todos os vidros de todas as janelas, onde os passageiros comodamente podem ler, trabalhar ou apreciar a paisagem e… o silêncio. Pode-se viver numa cidade e trabalhar noutra que o tempo gasto em viagens não será problemático. Outra curiosidade reside no facto de, nas maiores estações, haver sempre um espaço amplo, com um piano de cauda, devidamente afinado, para quem queira tocar e para quem queira ouvir (graciosamente, em qualquer das circunstâncias).

Ausência de pedintes, mendigos ou toxicodependentes
Impressão muito agradável nos ficou das várias cidades que percorremos em que não vimos pedintes, miseráveis, que envergonham as sociedades de muitos países, especialmente aqueles cujos governantes vivem com privilégios escandalosos em relação às pessoas comuns. O mesmo nos pareceu relativamente à exposição de toxicodependentes. Uma lição.

A relação com os estrangeiros
Muito cordial e simpaticamente, em Leiden, como tem toda a Holanda, parece haver lugar para todas as pessoas de todos os géneros de todas as culturas de todas as partes do mundo, sem que isso perturbe ou limite o gosto que os naturais da cidade manifestam pela sua própria cultura e modo de vida.

Adenda 1: Este texto pretende ser uma singela homenagem de apreço e gratidão à bonita e acolhedora cidade de Leiden, à sua universidade e às suas gentes.

Adenda 2: Usámos indevidamente o conceito Holanda, como significando a totalidade do país chamado Netherlands (Países Baixos), por ser a designação vulgar no nosso país.


Filipe Gama e José Batista

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