quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Bom-senso e razoabilidade

É muito comum, a (des)propósito das mais variadas situações ou matérias, ver referida a conveniência de se ter (ou de se ter tido) bom-senso. Porém, o (nebuloso) conceito de bom-senso tem pelo menos dois problemas associados:
- ninguém sabe concretamente em que consiste;
- e (praticamente) todos pensam que têm muito, especialmente aqueles a quem mais falta, por razões compreensíveis…
Falta bom-senso a um povo que elege repetidamente políticos medíocres ou corruptos? Ou que ano após anos vê gastarem-se avultados recursos no combate a incêndios florestais em vez de exigir que se invista na sua prevenção? Ou na produção tanta e tal de normativos legais (propositadamente?) mal escritos, confusos e contraditórios, que nem os magistrados os conseguem deslindar e cumprir coerentemente, quanto mais os leigos?
Um professor (do ensino secundário) daqueles que sempre teve gosto em ensinar e que optou por se aposentar quando começou a sentir que o “sistema” não estava interessado nos seus serviços, fazendo habitualmente parte do secretariado de exames, dizia com graça que a norma que os regula, e que é tão extensa, e tão ridiculamente pormenorizada, só pode ter sido feita por pessoas que, enquanto estudantes, devem ter sido horríveis batoteiros - tal a minúcia com que o documento procura prevenir as mais imaginosas infracções susceptíveis de serem cometidas pelos alunos que se apresentam aos exames…
Grande parte dos regulamentos de muitas instituições, em particular das escolas, pecam por defeitos parecidos.
Em tais casos, estamos em presença de bom-senso ou da falta dele?
Não seria mais adequado fazer maior apelo à razoabilidade, conferindo a cada cidadão a autonomia e a liberdade de agir conforme a razão e segundo padrões eticamente aceitáveis, acrescidas da responsabilidade de justificar racionalmente os actos que pratica ou que de si dependam, em vez de o tornar um autómato cumpridor de regras, que falhará com mais probabilidade, desde logo porque age não pela sua cabeça mas por emaranhados de normas que atestam, no fundo, a sua irresponsabilidade?
Sem dispensar e preparação e o cuidado que em tudo são convenientes, a vida seria mais simples e mais compensadora e dificilmente se obteriam piores resultados.

José Batista d’Ascenção

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