domingo, 30 de outubro de 2016

Livros que (nos) enriquecem

“Teofrasto, História das Plantas”, tradução portuguesa, de Maria de Fátima Sousa Silva e Jorge Paiva, publicado pela Imprensa da Universidade de Coimbra 

Teofrasto, (c. 371-286 a.C.), filósofo da Grécia Antiga, discípulo de Aristóteles, ensaiou uma primeira classificação das plantas em quatro grandes grupos: árvores, arbustos, subarbustos e ervas, em que “o grau de sistematização conseguido é modesto” (pág. 22), mas o interesse é grande, seja pela visão dos assuntos e pela sua análise (1), seja por aquilo em que o pensamento ou ação de Teofrasto se tornaram precursores (2), seja ainda pelas curiosidades (3), que são imensas. Para quem é professor de ciências do ensino não superior, o rigor da escrita de Fátima Silva, numa tradução espelhada, nada nebulosa, aliado à vastidão, incisão e precisão do conhecimento botânico de Jorge Paiva tornam fluida, agradável e proveitosa a leitura, a que acrescem as 2125 anotações em que são apresentados os nomes científicos dos seres vivos referidos (e não só das plantas), usando criteriosamente o seu nome científico, segundo as regras de nomenclatura, em latim, e em que nos são dadas especificações de cultura e de pensamento (4), assim como se indicam e esclarecem as localizações geográficas e se fornecem explicações ou enquadramentos dos mais diversos conceitos ou assuntos referidos no texto. Dito de outra forma: o tratado (composto pelos livros de I a IX) é bom para qualquer pessoa.
Aos tradutores: parabéns e obrigado.

1) Exemplos da capacidade de observação e análise de Teofrasto:

- “chamar raiz a tudo o que está debaixo da terra é um erro”, pág. 75; … “é pela função natural e não pela localização que a distinção tem que se fazer”, pág. 76;
- …"as mesmas árvores, se crescerem apertadas, são altas e delgadas, se tiverem mais espaço, são mais grossas e baixas”, págs. 81 (ideia repetida na pág. 168);
- “é nas zonas quentes e situadas a sul que as plantas aromáticas se dão”, pág. 184.

2) Algumas ideias ou acções precursoras de Teofrasto:

- trabalho de caracterização, sistematização e classificação das plantas;
- foi “o verdadeiro criador da Botânica”; 
- deu “um primeiro passo na direcção do conceito de ecossistema” nota 860, pág. 162;
- “sendo ele talvez o promotor de um primeiro jardim botânico”, pág. 29.

3) Exemplos de curiosidades interessantes relatadas por Teofrasto (ver nota no fim do texto):

- a chamedriz “é muito eficaz para proteger a roupa contra a traça, pág. 39; “o pólio [Teucrium polium L.] é muito eficaz para proteger a roupa da traça”, pág. 87; 
- “é com o sumagre que os curtidores tingem os couros claros”, pág. 161; 
- “o limão chamado «maçã» da Média ou da Pérsia [Citrus medica L.], a que chamamos «cidreira» e ao fruto «cidra», é útil quando se ingere um veneno letal e produz também um bom hálito, porque produz um aroma agradável”, págs. 177-178; 
- “há uma vegetação abundante e bonita que cresce junto ao litoral, sobre as pedras [é o líquene Lecanora tinctoria, (DC). Czerwiak, nota 1068] com que os Cretenses tingem não só os cintos, como também as lãs e as roupas, pág. 187; 
- “…efeito da couve sobre o vinho, para anular os efeitos da embriaguez”, pág. 214;
- Asplenium trichomanes L. e Asplenium adiantum-nigrum L., são referidas por Teofrasto como duas espécies de adianto, “ambas úteis contra a queda do cabelo, se moídas em azeite … há quem pense que a primeira é boa no tratamento da retenção de urinas», pág. 286;
- “dizem que o trigo e a cevada se transformam em joio, sobretudo o trigo … e ainda o linho, que também, ao que dizem, se transforma em joio”, pág. 304;
- …”no caso da peónia … se se for visto a cortar a raiz fica-se com as nádegas descaídas”, pág. 331 )

4) Exemplos de algumas especificações dos tradutores:

- “a videira, que o cultivo reduziu à dimensão de um arbusto tinha no seu estado selvagem, o porte de uma liana, até 35 metros, nota 48, pág. 65; 
- “o termo ricinus aplicado à planta resulta do facto de a semente ter a forma de uma «carraça», designada por ricinus em latim, nota 267, pág. 85;
- “os antigos serviam-se do rizoma de Narcissus tazetta L. para aromatizar o vinho ou o azeite, este último era usado na higiene pessoal”, nota 404, pág. 95;
- “os vinhos podiam ser aromatizados com pétalas de rosa, mirto, anis, timo e mel”, nota 951, pág. 175; 
- “há mais de 2000 anos, as favas deviam ser ainda de pequeno tamanho, […] pois a faveira ainda não estava tão selecionada como actualmente, de modo a produzir apenas favas de grandes dimensões”, nota 774, pág. 151;

Nota adicional: O livro IX, páginas 317 e seguintes, inclui referências a plantas com capacidades afrodosíacas ou com influência na reprodução. Não se deu nenhum exemplo para não retirar a curiosidade aos interessados e para não estender demasiado este texto.

José Batista d’Ascenção

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