domingo, 2 de abril de 2017

Futebóis

Confesso: satura-me o ambiente que se cria antes dos jogos sonantes, com rádios e televisões a meter
Imagem obtida aqui.
o assunto até no que deviam ser os blocos noticiosos; e irritam-me os sábios que “projectam” os jogos antes de acontecerem, os relatadores espalhafatosos que atropelam a gramática, a objectividade e o raciocínio enquanto duram e os “filósofos” que falam exaustivamente a posteriori, para análises transcendentes que, admito, possam agradar aos da sua cor e desagradar aos restantes. Naturalmente que isto tem remédio: basta não ver nem ouvir; mas não é remédio bom nem confortável, uma vez que não anula a perturbação dos poucos programas bons das televisões (alteração de horários, suspensões...) e obriga a procurar estações de rádio menos militantemente “emotivas”.
Reconheço, no entanto, que quem gosta de futebol tem todo o direito a vivê-lo antes, durante e após cada jogo, o que quer dizer sempre, se bem que haja quem talvez não o aprecie muito, em si mesmo, e goste igualmente de ver a populaça distraída (ou revoltada) com o pontapé na bola, a fim de que aceite melhor a carga de injustiças e misérias da vida (e da política, para ser mais explícito). Já o mesmo não aplico a essa coisa das “claques”, que exigem três polícias por cada alienado (cálculo meu) para evitar que as trupes desfaçam tudo por onde passam, até ou principalmente a integridade das pessoas. Também não tenho nenhuma complacência com as dívidas e transferências de dinheiro que alguém há-de pagar nem com as despesas monstruosas dos estádios que alguns municípios cobrem, a meu ver, indecentemente.
Há, porém, uma matéria que me impressiona seriamente. Como toda a gente, tenho na família e entre os amigos, pessoas a quem muito quero e estimo, grandes apaixonados por clubes diversos, designadamente os três chamados grandes. O mesmo verifico, obviamente, entre os colegas de profissão, mais no sector masculino. Ora, são inúmeras essas pessoas, de qualquer dos clubes, que são honestíssimas, bons cidadãos e bons profissionais, rigorosos, de trato e correcção exemplares. Pois oiço estas pessoas falarem umas com as outras ou em alturas diferentes sobre os casos dos jogos, com visões por vezes completamente antagónicas em muitos aspectos que, aparentemente, deviam ser objectivos. Elementarmente, concluo que, sendo as situações (incidências dos jogos, como agora se diz) as mesmas, o sentido das análises depende mais da perspectiva de quem analisa do que da objectividade dos casos analisados.
Nessas alturas vem-me à mente o dito de alguém (Eduardo Prado Coelho?) que, referindo-se ao íntimo de cada pessoa, afirmava qualquer coisa como: há em cada um de nós o “ser humano” e o “manuel germano”. E então, cheio de perplexidade, interrogo-me sobre o digladiar (ou a convivência?) entre aquelas duas dimensões e o que faz uma delas predominar sobre a outra. Normalmente opto pelo silêncio e retiro-me na primeira oportunidade, até para não dar azo a que também em mim possa extravasar o “manuel germano”.
No entanto, à mesa do café, com amigos, cujas preferências clubísticas conheço tão bem como o seu sentido de humor, diverte-me imenso ouvi-los discorrer e discordar sobre os motivos da bola. E chego a meter a colherada, embora sem qualquer propriedade, por falta de competência, magnanimamente considerada. Disso gosto sinceramente, mais que dos jogos, que raramente vejo. 

José Batista d’Ascenção

Corrigenda: a frase “convém não confundir género humano com Manuel Germano” é de Mário de Carvalho e terá um sentido algo diverso. O seu a seu dono.

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