sexta-feira, 21 de julho de 2017

Sobre o tempo (em) que vivemos

Hoje há em muitas pessoas, eventualmente a maioria, um sentimento de decepção e frustração, em termos de realização pessoal e de perspectivas de vida. Crianças e jovens estão na escola, uma parte deles aplica-se, e muito bem, mas é um problema a integração de todos no que se chama o “mercado de trabalho”. As pessoas da meia-idade que têm emprego vivem na preocupação de não conseguirem acompanhar as mudanças que a todo o momento lhes são exigidas e temem perdê-lo. E os que já se aposentaram acodem a filhos e netos, acompanhando, prestando apoio e, tantas vezes, compartindo despesas monetárias. Há, entre os portugueses, uma grande insegurança, que até as crianças - que entre nós são poucas - sentem, mesmo que não verbalizem… E pelo mundo, onde a ganância financeira, o mercado de armas e a guerra, o fanatismo religioso e a acção de ditadores dizimam populações indefesas e originam hordas de migrantes, os problemas, sendo outros, não são menores.
Voltando ao nosso país. No tempo dos nossos pais e avós, Portugal era melhor?
No século XX, antes do 25 de Abril de 1974, Portugal tinha uma taxa de analfabetismo escandalosa (70%, em 1930) (1) em comparação com os países do norte da Europa. A mortalidade infantil era também vergonhosamente alta, quando comparada com a daqueles países (77,5‰ em 1960 contra 2‰ em 2016) (2). As habitações eram, a maior parte delas, no campo ou na cidade, miseráveis: nem água canalizada, nem quarto de banho, nem saneamento básico. A electricidade só no último quartel do século passado chegou a muitas casas! Antes disso, na capital, os bairros de lata eram o espelho da miséria económica, social e humana do país. De norte a sul, as pessoas pobres, que eram a maioria, andavam descalças, andrajosamente vestidas e inçadas de parasitas, sobretudo piolhos. A alimentação destas pessoas era muito má e houve alturas, muitas, em que não havia que comer e se passava (e se morria de) fome. Não havia acompanhamento das grávidas e os partos ocorriam em casa, com a ajuda de uma curiosa. Nos alvores da democracia, as pessoas do meio rural ainda não tinham assistência médica. Das crianças que iam à escola, no interior, algumas percorriam dois, três ou mais quilómetros a pé, descalças, por veredas de montanha, nalguns casos “aquecidas” por um cálice de aguardente dado pelos adultos; findo o dia de escola, faziam a caminhada inversa, com recomendações de pressa, para ajudarem em casa ou na lavoura. Para fugirem à miséria, em três décadas, na segunda metade do século XX, “um milhão e oitocentos mil portugueses tinham deixado o país” (3). Socialmente, era comum as pessoas com morada próxima, sobretudo nas localidades da província, conhecerem e discutirem a vida umas das outras, o que, descontando a contrariedade a que todas estavam sujeitas, também proporcionava apoio e conforto. Só a partir da década de 1980 todos os portugueses ficaram abrangidos pela Segurança Social (3). As notícias difundiam-se lentamente e de modo distorcido ou manipulado, a vida corria em ambiente social restrito, tantas vezes constrangedor e não necessariamente protector.
Hoje, temos um sistema de saúde que, com falhas e dificuldades conseguiu feitos notáveis, como uma taxa de mortalidade infantil das mais baixas do mundo. A escola, a braços com as carências sócio-económicos de grande parte da população e afogada nos problemas psico-afectivo e culturais dos alunos da era das redes sociais, tenta manter-se à tona e cumprir o seu papel. Crianças e jovens desconhecem a dureza da vida de pais e avós e, sujeitas à publicidade e às ondas comportamentais que se propagam via “gadgets” tecnológicos, parecem não se dar conta dos sacrifícios dos progenitores para que “nada” lhes falte.
O desporto, a política, a moda, as novelas, os concursos televisivos, os jogos digitais, etc., criam, estimulam e divulgam fenómenos de comportamento que obnubilam as consciências e modelam vontades no sentido do que é gostoso, imediato, acessível e sem esforço… do próprio.
Só e solto cada um de nós, facilmente se senta ao teclado, digita uns caracteres, faz a sua “justiça” e condena o mundo. E assim cada um se vai expondo irrevogavelmente, com nome próprio ou fictício, à mercê de cada um dos outros julgadores. E todos ficamos mais sós e mais frágeis e mais prisioneiros.
Para não alongar e adensar este texto, ficam de fora questões do ambiente natural e as armadilhas que, pelas nossas mãos, vamos montando, as quais deflagram já de forma inclemente, de que são exemplo os incêndios…
Mas não são piores estes tempos do que outros tempos do passado, são, isso sim, diferentes e mais exigentes, particularmente na educação das crianças. Temos, talvez, que parar um pouco, para não nos perdermos. Mas não podemos parar, de todo, para não ficarmos perdidos.
Por falta de alternativa, creio em amanhã.

José Batista d’Ascenção

(1) Maria Filomena Mónica. Os Pobres. A esfera dos livros. 2016 (pg. 136)
(2) Pordata: http://www.pordata.pt/Municipios/Taxa+de+mortalidade+infantil-371
(3) António Barreto, segundo Maria Filomena Mónica. Os Pobres. A esfera dos livros. 2016 (pg. 148)
(4) Maria Filomena Mónica. Os Pobres. A esfera dos livros. 2016 (pg. 151)

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