quarta-feira, 30 de abril de 2025

Se eu escrevesse bem

Os meus (até para mim) imprevisíveis rabiscos (e que são, realmente, meus) não têm leitores (os raros que lêem o pouco que anoto não são meus leitores, nem eu tenho produção para ter leitores, são pessoas minhas amigas ou amigas da minha liberdade de opinião). O mundo não perde nada por isso, sei-o desde sempre. Então por que rascunho uma ou outra nota e a deixo à mostra? Não sei.

Uma ou outra vez, por condescendência, amigos gabam-me a escrita. Fazem-no porque são meus amigos e são complacentes. Na profissão, alguns, interesseiramente, acharam-me jeitoso para redigir actas. Nunca os censurei, mas opus-me, quanto pude. Outros preferiam que não fosse secretário porque entendiam que a redacção não devia ser tão próxima do real, de que pretendiam relatos mais eufemísticos, por assim dizer. 

Para mim, escrever bem exige três condições:

i) ter talento e perspicácia para abordar assuntos que despertem interesse;

ii) escrever com elegância e clareza, fazendo uso das regras necessárias;

iii) ter leitores que entendam e tirem algum gosto ou benefício da leitura.

Se assim não for não há boa escrita. E qualquer tipo de escrita que não seja lida não serve para nada – não tem possibilidade de ser boa.

Fica a confissão do que humildemente penso, por querer que assim seja e apenas isso. O facto não justifica a impertinência de expor os alinhavos das minhas parcas e humildes notas aos olhos de terceiros, mas, em si, é quanto me basta.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 25 de abril de 2025

25 de Abril. Sempre.

Damos mais valor à saúde quando ficamos doentes. Valorizamos profundamente a liberdade quando a perdemos.

Antes do 25 de Abril de 1974, no tempo dos mais velhos de nós, não havia liberdade, nem de acções nem, sequer, de pensamento.

As mulheres eram ainda mais limitadas, como se fossem seres humanos inferiores.

Os mais jovens não sabem nem têm presentes essas realidades, e, por isso, funcionam como se a liberdade fosse um bem definitivo, pelo qual não é preciso zelar.

Nós, os mais velhos, que somos seus pais e avós, e, na escola, nós, os que somos seus professores, não temos sido eficazes a demonstrar-lhes o valor fundamental de sermos livres, nem a incutir-lhes e a exigir-lhes a responsabilidade de cuidarem escrupulosamente desse bem inestimável que é a liberdade.

Os (nossos) políticos, grande parte deles, também não têm estado à altura, por falta de competência, e, sobretudo, pelo que são enquanto cidadãos e pelos (maus) exemplos que dão.

Infelizmente, em pano de fundo, o (nosso) sistema de justiça (com minúscula) deixa muito a desejar, o que levanta sérias questões de confiança dos cidadãos.

Até por isso, o 25 de Abril não perdeu valor nem simbolismo. Deu-nos a oportunidade - essa tivemo-la e têmo-la. O que fizemos depois e fazemos agora é da nossa responsabilidade e não dos que levaram a cabo o acto inicial libertador. E só a nós responsabiliza.

Obrigado, sempre, aos heróis do 25 de Abril.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Francisco partiu

Faltam-me as palavras, ficaram-me aqui.

Silêncio. 
Quem virá a seguir?

José Batista d'Ascenção

A inteligência artificial, as redes sociais e o ser humano

A máquina não nos compreende por aquilo que pensamos que somos, mas sim pela acção revelada pelos nossos dados [os sítios que visitamos, os «gostos», os comentários e outras interacções]. Chama-nos através dos nossos sistemas reflexos. Consegue fazer isso porque usa as técnicas dos inquéritos estatísticos para gerar novos algoritmos de aprendizagem que aprendem a manipular-nos. Há um sistema que ajuíza antecipadamente o que queremos e restringe a nossa visão do mundo. Esse sistema entende-nos de forma muito completa porque lhe expomos os nossos pensamentos e caprichos mais íntimos. Os nossos dados pessoais são uma projecção de nós mesmos, e andamos a permitir que eles sejam manipulados sem o nosso controlo. São manipulados por entidades que também têm acesso aos dados de outras pessoas numa escala global. Ao permitirmos essa colecta generalizada abdicamos da liberdade pessoal.

Estamos a ser usados como fonte de dinheiro. Não há nenhuma grande conspiração, o que acontece é a consequência natural da tentativa daqueles que controlam os nossos dados os explorarem para seu benefício financeiro. É uma propriedade emergente da oligarquia digital.

O sistema criado não é regulamentado, não entende o contexto social, não tem uma noção de objectivos humanos elevados, não tem empatia. São-lhe atribuídos objectivos específicos e ele visa cumpri-los com a sua melhor capacidade, independentemente dos efeitos negativos. Devido a isso foi manipulado para debilitar a democracia e destruir a coesão social.

Com esta primeira vaga de inteligência artificial (IA), uma grande parte da sociedade passou a estar sujeita aos caprichos de poucos.

O que preocupa é que, apelando aos nossos eus reflexos e não aos nossos eus reflexivos, o sistema suscita uma regressão ao estado em que domina o eu reflexo, que se assemelha ao chimpanzé.

As nossas interacções podem ser controladas por inteligências de máquina que não têm nenhuma participação na sociedade, ou podemos optar por exercer e capacitar a nossa própria tomada de decisão. Se não interviermos, estamos a optar por dar poder à máquina. Precisamos de construir sistemas que nos respeitem como indivíduos, que retenham o controlo das informações pessoais nas mãos daqueles que as geram.

O nosso fascínio com a IA é a projecção de um fascínio connosco próprios. O narcisismo tecnológico pode ser nocivo, mas se pudermos passar do nosso narcisismo para a introspecção, isso será benéfico.

in: «Humano, demasiado humano». Lawrence, Neil D. Gradiva. Lisboa, 2025. (p 320-324 – composição de excertos).

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Holanda em flor

«The most beatiful spring garden in the world», o jardim de Keukenhof, em Lisse, na Holanda. Rezam os panfletos e não é exagero. Um espaço maravilhoso, 32 ha de árvores, “ruas” pedonais, trilhos florestais, alamedas, lagos e muitos, muitos espaços ajardinados, canteiros com perfil irregular ou geometricamente organizados.

Entre as flores predominam as tulipas, originalmente trazidas da Turquia, e “trabalhadas” artificialmente para produzir mais de 800 variedades, na forma, no tamanho e na cor (do vermelho flamejante a todas as outras do espectro). Também os narcisos, tantos e variados, alguns deles oriundos de Portugal, onde pouco os vemos, nos jardins e na Natureza (onde abundavam há algumas décadas). Encantei-me com o Narcissus fernandesii, var. cordubensis, nome (científico) que homenageia o botânico Abílio Fernandes (1906-1994), Professor do Instituto Botânico da Universidade de Coimbra. O ano passado, por esta altura, tinha visto e fotografado o Narcissus jonquilla var. henriquesii no Jardim Botânico de Nova Iorque, e sentira o mesmo contentamento. No Jardim Botânico da Universidade de Coimbra nunca vi nem um nem outro. Outras flores, muito usadas em Keukenhof são os jacintos, das mais diversas cores, as muscari (Muscari armeniacum), as anémonas e outras…

Um mar de cores, às vezes em sectores bem definidos e contrastantes outras vezes em misturas coloridas de várias espécies.

Nos lagos não vi peixes (nem um…), mas abundavam patos. No “andar” arbóreo, muitas aves, algumas de belo canto, adoçavam a “paisagem” sonora, tanto quanto a estimulava uma enorme caixa de música, na margem de um lago circular, que levava muitos visitantes à dança instintiva.

Visitantes que seriam aos milhares, de todas as geografias (mais do que ali, nem em Amsterdão). Portugueses, também ouvi alguns – e duas senhoras trocaram comigo breves ideias sobre botânica. Mas os espaços, hiperfrequentados, estavam cuidados na perfeição. Nem um papel ou recipiente ou detrito a conspurcar o chão, que me pareceu tão limpo quanto o da minha casa. Nas estufas (deslumbrantes) e nos espaços interiores a mesma coisa.

Uma beleza.

Foi aos 11 de Abril de 2025.

José Batista d’Ascenção.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Páscoa Feliz

Como habitualmente, desde há longos anos nesta época, hoje tinha na caixa do correio sobrescrito aberto com afectuosa mensagem do pároco local. Começa assim:

«Há semelhança dos anos anteriores,»…

E há mesmo semelhança: o texto mantém-se quase sem alterações na redacção há anos sucessivos.

Que se há-de fazer?

Boa Páscoa.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 8 de abril de 2025

Quimismo e seres vivos

Algumas substâncias produzidas por seres vivos são eficazes em doses ínfimas. O nariz de um cão consegue detectar apenas algumas dezenas de moléculas individuais. As antenas das borboletas detectam algumas moléculas de feromonas (mais frequentemente) libertadas pelas fêmeas, o que permite aos machos localizá-las movimentando-se no sentido crescente do gradiente de concentração dessas moléculas. Em várias espécies de algas o multifideno serve de atractor sexual. Em Cutleria multifida os gâmetas masculinos podem nadar vinte horas até ao gâmeta feminino que emite aquele químico, bastando 1 a 10 moléculas individuais da feromona para desencadear o estímulo! Também muitas bactérias flageladas nadam para “subirem” ou “descerem” no gradiente de concentração das substâncias que as atraem ou repelem, respectivamente.

A molécula de maltol dá o aroma característico ao malte, ao caramelo e ao café. Toranjas, peras ou pepinos devem os respectivos aromas a substâncias químicas específicas.

A identificação e a síntese de moléculas activas pode ter grande repercussão. O odor a baunilha provém de uma substância química chamada vanilina. A sua síntese, em 1876, arruinou as culturas da ilha de Reunião.

O odor a terra molhada provém da geosmina, a qual é detectável em solução aquosa pelo nariz humano em concentrações de 21 em cada mil milhões de partes.

Nos humanos, desde sempre, o nariz serviu de detector hipersensível para imensas substâncias voláteis. Hoje também. A finura do odor dá o seu valor tanto à trufa como à quintessência. Pense-se no caso de enólogos e perfumistas, por exemplo.

Também ninguém menospreza a importância que os odores tiveram e têm na detecção da toxicidade.

Por estas e por outras deu-me para “meter o nariz” nestas matérias.

José Batista d’Ascenção

(*) Texto baseado na releitura do livro «A palavra das coisas» de Pierre Laszlo. Gradiva. 1ª edição, Lisboa, I995. (p. 155-157 e 228-230)

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Os (principais) líderes políticos que temos são como nós (genericamente) somos

Vulgares. Pouco competentes. Manhosos. Interessados muito mais nos seus objectivos pessoais do que nas metas que deviam ser as do país. Alheios às dificuldades e às preocupações dos portugueses, em nome dos quais (dizem que) fazem política.

E a líderes assim seguem-nos outros políticos (que também são) assim. Políticos que concordam com a afirmação de que as pessoas não estão bem, mas o país está. Se o diagnóstico fosse verdadeiro, os problemas resolviam-se tirando as pessoas do país. Ficava um país sem gente. E muita gente jovem, de valor, faz isso mesmo – vai-se embora. Ou, então, tais líderes fazem a política que trazem das «jotas», impulsivos e imaturos, indiferentes às consequências. Os extremos agradecem. E crescem.

É uma desilusão. O clima eleitoral é decepcionante. Não há esperança.

Aqui chegados, temos de falar dos cidadãos eleitores. Com quem se identificam eles? Porque elegem corruptos, alguns deles condenados pelos tribunais e outros ilesos, ainda que nada inocentes (perante factos inaceitáveis, de tipologia vária, sobejamente conhecidos)? Creio que é por serem medularmente iguais. A corrupção é aceitável, não faz mossa, e a maior (?) parte das pessoas praticava-a, se pudesse. E as crianças aprendem com os adultos: com o que eles praticam, muito mais do que com o que eles (lhes) dizem. O que se passa nas escolas, nas ruas e nos recintos desportivos é reflexo disso.

Em minha opinião não é elevadamente nobre, o povo. A pobreza não é certificado de honestidade, nem, muito menos, a riqueza o é.

Quem somos nós? Quais são os nossos valores? Que justiça exigimos? Que educação fazemos? Que exemplos damos?

Temos o que merecemos?

José Batista d’Ascenção