quarta-feira, 28 de maio de 2025

Emigração e sentimentos sobre emigração

Emigrantes de culturas “opostas” repelem-se, e da mesma cultura repelem-se também, ou assim (me) parece.

Ultima-se a contagem dos votos dos emigrantes portugueses em países estrangeiros, pelo «círculo» da Europa e pelo «círculo» de fora da Europa. As preferências dos eleitores são pelo partido que se opõe ferozmente à imigração para o nosso país.

Há em mim dificuldade(s) de compreensão. Penso em tantos emigrantes portugueses, alguns da minha família, na miséria em que viviam e nos sacrifícios que passaram nos países que os acolheram. E lembro-me de quando Paris era a segunda cidade com mais portugueses.

Ei-los que partiam - novos e velhos - quando eu era menino. A maior parte deles estão hoje materialmente muito melhor. Incomparavelmente melhor. E o país muito beneficiou com as remessas que foram transferindo para cá ao longo de décadas.

À partida, pensava eu que toda a sua experiência os abriria à diversidade de culturas e lhes alargaria os motivos de solidariedade e de compaixão para todos os que esforçadamente procuram uma vida melhor. Aceito, porém, que os factores são seguramente muitos, razões haverá que não descortino, e que explicam o que, nesta matéria, me deixa perplexo.

No Domingo passado, à mesa do café, um amigo espantava-se com as minhas dificuldades de compreensão e explanava de forma meridiana:

- Se eu fosse emigrante, e estivesse mais ou menos bem, também não quereria que chegassem outros emigrantes que me disputassem o trabalho, o salário, as condições de habitação, de acesso à saúde e outras…

Dei-lhe razão, que remédio. E logo me lembrei da falta que fazem pessoas como o saudoso papa Francisco.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Quando vêm a nós, os nossos filhos.

De pequeninos, é um enlevo. Consome-se a gente para que nada lhes falte, sendo que é tão imprescindível o conforto financeiro e material quanto o sentimento de amor subjacente. E os requisitos materiais podem mesmo valer pouco, se não assentam na base de afecto necessária.

Andamos, então, num afã, entre cuidar, vigiar, proteger, levar e trazer, e raramente nos apercebemos de que o tempo voa, eles crescem e escapam à nossa alçada. Um dia, damos connosco surpresos e nostálgicos: eles são crescidos e esforçam-se por que o notemos…

Os nossos filhos não são nossos, são apenas nossos filhos.

Provavelmente foi assim também com os nossos pais relativamente a nós, em alturas correspondentes da nossa infância e juventude.

Mais tarde vieram os netos, que são como que filhos duas vezes. Se estão fisicamente próximos é um privilégio extraordinário. Se estão longe há uma falta que dói e persiste. Compensa-se como se pode, mas pode-se pouco e pode-se mal.

Aguardamos pelo dia de amanhã, em que chegará o nosso mais velho, para curta visita, num vir e voltar necessário, em que viaja sozinho.

Enche-se-nos o peito, não completamente. Para esvaziar-se dois dias depois. Estes dois dias vão parecer-nos tão curtos quanto vão ser longos para os nossos netos pequeninos, que, ao mesmo tempo, vão sentir a falta do pai, lá do outro lado do mar.

[Meus filhos e netos emigrantes, do meu país bonito, mas pobre! Como eu desejo que vos tratem bem, lá onde viveis, tão abrigados como no abrigo do meu peito.]

E porque proximamente não podeis vir, queridos netos, não pode demorar muito que eu e a avó vos vamos abraçar, a essa terra distante e estrangeira e estranha para nós.

Ao vosso pai, a esse aproveitamos para o sufocar de carinho este fim-de-semana.

Como ele vos dirá.

José Batista d’Ascenção

domingo, 18 de maio de 2025

Qual é a data das próximas legislativas?

Devido à incompetência, hipocrisia e ganância dos líderes partidários e dos seus séquitos fomos forçados inutilmente a (estas) eleições. Os dois principais partidos andaram mal. E os restantes também não estiveram bem.

Como vai correr agora?

Originários das juventudes partidárias, os chefes dos dois maiores partidos não se honram como políticos que coloquem os interesses do país à frente dos seus. Nem aquelas organizações de juventude são escolas de sólida formação cívica, mais parecendo núcleos de ambiciosos que cilindram tudo - e uns aos outros -, seja qual for o preço que o país e os cidadãos tenham de pagar.

São muitos os políticos que confundem os objectivos nobres da política com os proventos dos seus negócios e carreiras, nacionais (caso da multi, hiper e precocemente reformada Assunção Esteves) ou internacionais (como Durão Barroso e vários outros).

Porém, não faltam pessoas competentes, alheias ao vício da ganância, disponíveis para o bem público. Se me pedissem para dar exemplo de uma cidadã íntegra da área do PSD, capaz de exercer nobremente qualquer cargo público, e que se afastou, por não abdicar dos seus princípios, indicaria a bracarense Cristina Fontes, que é «uma senhora», como se diz na (sua) cidade. E conheço muitas outras pessoas, da mesma área partidária, com idêntica rectidão.

No PS o problema é similar. Personalidades da envergadura de Francisco Assis ou Sérgio Sousa Pinto nunca foram chamados à governação nem são (muito) considerados na definição das linhas políticas. Dois meros exemplos.

Em consequência, para evitar o colapso dos dois partidos mais representativos – por enquanto - do nosso sistema político, gostaria que os líderes actuais se afastassem ou fossem afastados num prazo não muito dilatado. E que se abrisse a representação parlamentar a candidatos não necessariamente indicados pelas lideranças e estruturas partidárias.

De contrário, cada vez mais o povo di(ta)rá: «Chega».

Só não sei se já é tarde de mais.

José Batista d’Ascenção

O Mundo. O Mundo.

Uma bola, connosco em cima. Tendemos a pensar que somos os donos dela, repartimo-la em fracções com proprietários definidos. Podem ser leiras, ou bouças, ou courelas, ou herdades, ou quintas, ou montes, ou países, ou grandes regiões (o Alasca, a Gronelândia…).

Somos uma espécie biológica possessiva, a única que acumula coisas em grande escala e toma a posse de bens convencionais (dinheiro…), materiais ou recursos como factores de estatuto, poder e domínio sobre os semelhantes. Não se trata apenas de machos em competição pelas fêmeas (nem o inverso…), mas da subjugação de camadas sociais ou de populações inteiras…

A humanidade sempre foi assim. Está-lhe na natureza.

Se a cada um fosse dada a possibilidade de viajar para o espaço e de observar a Terra a partir da escotilha de uma qualquer nave espacial em trânsito no cosmos, quem sabe se os cosmonautas não sentiriam intensamente a fragilidade e pequenez de todos nós, enquanto terráqueos.

E se se imaginasse alguma colisão planetária ou – quem sabe? – algum engenho bélico de civilizações extraterrestres – se as houvesse – mais se acentuaria a condição precária dos humanos encarcerados na «gaiola» terrestre e o ridículo infantilóide de qualquer (aspirante a) «super-homem».

Quem somos nós e para que servimos, afinal?

As melhores e mais belas respostas encontrei-as nos evangelhos e na encíclica «Laudato Si», do Papa Francisco.

Mas, de que tem valido tudo isso?

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Dia de reflexão eleitoral

Almejo por ele. O que vi e ouvi nesta campanha eleitoral foi decepcionante e enjoativo. Venha o silêncio. Pena que seja só um dia antes do dia das eleições.

Esclarecimentos úteis, não dei por eles. Abordagem dos problemas que provavelmente nos vão cair em cima proximamente, também não.

E de infantilidades e ridicularias faceiras estou farto. O povo, na parte que se manifesta, parece alinhar. A outra parte, mais ou menos abúlica e macambúzia, faz-me igualmente pena.

Domingo à noite, como nos sentiremos?

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Os políticos que temos

Não tenho dedicado uma atenção minuciosa à campanha eleitoral, que decorre desde as últimas eleições. Por culpa minha, reconheço, mas também pela impressão que me fica sempre que tento perceber as mensagens dos políticos, com destaque para os líderes partidários, já que os subalternos não adiantam mais.

Decepcionam-me os “candidados” a primeiro-ministro, o incumbente e o aspirante a estrear-se na função. Em termos éticos não compreendo nem aceito o papel de Montenegro. Isto de ser chefe do governo ao mesmo tempo que se tem uma empresa privada, sem funcionários, com sede na própria casa, deixa-me sem confiança. O que isto significa explicou-o muito bem Pacheco Pereira um dia destes num artigo do jornal «Público». Já Nuno Santos esbraceja na sua impulsividade com a energia de um náufrago. Creio que não vai longe, porque não convence senão os convencidos.

Há dias, o PSD reuniu à mesma mesa os seus líderes vivos, com excepção de Marcelo Rebelo de Sousa e de Pinto Balsemão, creio. Fez-me impressão: Santana Lopes (que abandonou o partido) ao lado de Durão Barroso, que lhe chamou mistura de «Zandinga» e mais qualquer coisa, e de Cavaco Silva, que lhe chamou «má moeda» e o teve como ajudante de ministro no governo para o manter calado. Santana indicara estar «escrito nos astros» que se bateria contra Durão Barroso e acusou Cavaco de lhe «dar chapadas» quando o seu (dele) governo estava na «incubadora». Cavaco ao lado de Fernando Nogueira, que “defenestrou” quando ele lhe sucedeu. Passos destoando de Montenegro, que se fez desentendido. E todos eles à mesa com Rui Rio, a quem boicotaram todo o tempo, até ser deposto da liderança. Podia tratar-se de pluralidade democrática, mas nunca teve a dignidade requerida pelo conceito.

No PS, António José Seguro, que nunca comungou das trafulhices de Sócrates, passou de alguma forma a proscrito. Já Augusto Santos Silva, uma sumidade cínica, navegou até ao cargo de segunda figura do estado, “incólume” à prática política de Sócrates e inflando o indescritível Ventura. Aquela mancha do partido (mais) lutador pela liberdade ainda permanece a meus olhos.

Dos pequenos partidos com assento parlamentar, vejo os seus líderes ou a defender ideias que não são novas ou a tentar lutar por conseguir ou manter um lugar de deputado.

Da extremíssima direita, prefiro não falar, por incompatibilidade. E aos outros não lhes presto atenção.

Mas irei às urnas, isso vou.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Donos do mundo

Epílogo do livro «Humano, Demasiado Humano», de Neil D. Lawrence (p. 481-492)

Há empresas de tecnologia que implantam sistemas de software que não podem ser controlados pelos seus criadores. O software é frequentemente dividido e construído por diferentes equipas, o que tem o infeliz efeito colateral de ninguém entender como funciona todo o sistema, dado que a complexidade do todo pode tornar-se excessiva para a compreensão de qualquer indivíduo. Quando corre mal, os efeitos podem ser devastadores.

Assistiu-se a um fenómeno deste tipo quando os sistemas do Facebook foram manipulados para espalhar desinformação nas eleições dos EUA em 2016. O próprio Facebook exigiu uma investigação de dez meses para entender até que ponto os seus sistemas tinham sido manipulados por uma instalação de trolls russa.

Em 2019, Mark Zucherberg escreveu um artigo no The Washington Post em que pedia a regulamentação das redes sociais. As instituições e os indivíduos em quem confiamos foram debilitados pelos aprendizes de feiticeiro modernos. O computador é uma infra-estrutura de informação dos nossos dias, desenvolvida por um novo tipo de escribas – os engenheiros de software das grandes empresas de tecnologia. Porém, “libertam” uma tecnologia que não conseguem controlar.

Esta é uma situação desesperada e está a piorar. Com o surgimento do ChatGPT, em 2022, substituiu-se o grande homem pelo grande computador.

A moderna infra-estrutura da informação pode propagar-se vertiginosamente: há mais de uma década, a OMS e a ONU estimaram que em todo o mundo havia mais pessoas com acesso a telemóveis do que a instalações sanitárias.

A grande falácia da “inteligência artificial” reside em considerar que a tecnologia de automação se adaptará a nós, em vez de nós nos adaptarmos a ela, porém, essas ferramentas não são implantadas para capacitar o indivíduo, mas para capacitar corporações.

A ameaça que enfrentamos hoje é uma forma de totalitarismo da informação que advém da oligarquia digital.

Devemos tentar reequilibrar o poder das guildas de software para as pessoas e as instituições de sociedades abertas.

José Batista d’Ascenção