sexta-feira, 24 de maio de 2019

Gritarias

Fonte da imagem: aqui.
Os portugueses, como outros povos do sul da Europa, não são propriamente amantes do silêncio. A sonoridade e exuberância das manifestações pessoais e sociais tem variações de norte a sul e do interior (leste) até às ilhas (mais ocidentais), mas, por comparação com os povos da Europa setentrional, o «retrato» aplica-se na generalidade.
Não se pode saber com precisão se tal característica tem alguma relação com o dito: «casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão» ou se no adágio podemos (devíamos?) substituir «pão» por «educação». E admitindo as duas opções, também não saberíamos determinar o peso de cada um dos respectivos conceitos na «definição» do nosso modo de ser.
Um outro ditado, porventura menos conhecido, que ouvi a antigos, afirma(va): «casa que não é ralhada não é bem governada». Nos dias que correm, em muitas casas de família, normalmente pouco numerosas, os «ralhos» cedo deram lugar ao silêncio nas relações afectivas, mortas pela usura do tempo, pelo efeito de angústias e problemas ou, quiçá, pela abundância de solicitações. E também aqui não se sabe o que é pior: se a manifestação incontida dos instintos e a exaltação, se a corrosão silenciosa, sobretudo quando as consequências atingem crianças e jovens. Mas, o ditado em si talvez fundamente a ideia arreigada, e muito praticada, de que falar alto é ter razão ou, pelo menos, faz calar as vozes (e anula os sentimentos) discordantes – método mau, de efeito ilusório.
Seja como for, o facto é que somos (inconsequentemente?) barulhentos:
- na propaganda dos políticos;
- nas guerras do «pontapé na bola»;
- nas «praxes» dos estudantes do ensino dito superior;
- nas manifestações de grupos profissionais, sejam professores, enfermeiros ou outros (quem sabe se confiantes num outro dito pouco elegante: «quem não chora/grita não mama»);
- nas festas (que servem para esse fim), mas também no dia-a-dia das pessoas, em casa e nas ruas, nos cafés, nos mercados, etc;
- nos recreios e nos corredores das escolas, e muito especialmente nas salas (que deviam ser) de aulas;
- e... nas redes sociais, com som ou sem ele, porque há muitas formas de gritar.
Assim mesmo, viva a liberdade de ser livre. Temo-la e usamo-la. Ao menos isso.
Convinha era não abusar.

José Batista d’Ascenção

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