sábado, 7 de agosto de 2021

A solidão no Portugal profundo

De retorno, por uns dias, à terra e à casa onde nasci, pude voltar aos sabores e cheiros da infância. Não às cores. Não ao verde da paisagem, que o negro ainda (a)tinge com dureza. A juventude é pouca e a que existe é-me desconhecida, embora simpaticamente receptiva às minhas humildes e tímidas indagações. Raparigas e rapazes impressionam(-me) pelo tamanho físico. Abençoada alimentação e vivências, que os fizeram crescer bem acima da estatura dos meninos e meninas da idade deles no meu tempo, já lá vão umas décadas.
Mas são os idosos que me tocam até à emoção (que disfarço como posso). Corrijo: idosas, e muitas, felizmente. Mas os anos sobrepesam demasiado, cada vez mais. Já volto a elas. Antes, uma referência a eles, os homens, que já eram (quase) velhos quando eu era rapaz (ou eu assim os via). Os trabalhos, na agricultura, na madeira, na resina, na construção ou na abertura de poços (para captação de água), em surriba, a roçar mato ou cortar lenha eram duros e desgastantes. Mas não foi isso que os fez morrer antes delas. Suponho que terá sido, principalmente, o consumo de álcool (com que fugiam às dores da existência, afundando-se noutras mais violentas ainda, arrastando consigo os mais próximos, mulher e filhos, normalmente). Na minha pobre família foram vários os casos… Muitos daqueles homens, alguns em acúmulo, agravavam a saúde com o vício do fumo, “queimando” os pulmões e parte do dinheiro que fazia falta para necessidades básicas, quais fossem as de alimentar a família. Depois havia ainda os acidentes muito frequentes, quer porque a segurança no trabalho era um conceito ausente, quer porque a sobriedade desejável nem sempre era um facto, mesmo quando os perigos do ofício o exigiam.
Portanto, os homens morriam mais cedo. E para muitas mulheres, pese embora os choros e lamentações fúnebres e o luto perdurável (a condição de viúva envolvia o negro definitivo da roupagem), a morte do «seu homem», apesar da dificuldade de conseguir sustento, significava o alívio de uma vida de martírio, mais ou menos prolongado.
A maioria destas velhinhas anda agora pelos noventa anos e algumas já os ultrapassaram. Doces e ternurentas, algumas, e não tanto outras. Uma delas, com o olhar longínquo, queixava-se da solidão, acusando: «estas serras esmagam o peito da gente». Quase todas prodigalizam abraços e palavras profundamente reconfortantes (esquecendo-se facilmente dos procedimentos preventivos da pandemia…). Algumas fazem-no como se se estivessem a despedir. Mas nem elas nem eu o referimos. Não podem imaginar como lhes aprecio e agradeço a bondade do gesto!
Em sua homenagem escrevi estas palavras.

José Batista d’Ascenção

Sem comentários :

Enviar um comentário