sábado, 14 de agosto de 2021

Vacinas de RNA

O carácter revolucionário das vacinas de RNA reside no facto de proteínas estranhas, contra as quais certas células do sistema imunitário produzem anticorpos, serem sintetizadas pelas células do próprio organismo. Como é isto possível?

As proteínas, todas as proteínas, são sequências (rigorosamente definidas) de aminoácidos, ligados entre si (por ligações peptídicas), formando longas cadeias, ditas polipeptídicas ou simplesmente peptídicas. Associados à(s) cadeia(s) polipeptídica(s) (uma proteína pode ser constituída apenas por uma cadeia peptídica ou por duas, três, quatro ou mais…), muitas proteínas apresentam grupos químicos que não são de natureza peptídica (como é o caso da hemoglobina, a proteína dos glóbulos vermelhos do sangue, constituída por quatro polipeptídeos, cada um com um grupo que contém ferro, ao qual se liga o oxigénio que é transportado dos pulmões para os tecidos).

Qualquer proteína específica de um ser vivo apresenta sempre o mesmo número de aminoácidos e com a mesma sequência, excepto se houver mutação do código genético que define rigorosamente essa sequência, a qual determina uma estrutura tridimensional característica.

A codificação das proteínas está escrita (literalmente) numa molécula bioquímica de uma substância acídica que se chama ácido desoxirribonucleico (DNA na sigla inglesa ou ADN, em português).

O código genético (uma sequência linear de quatro grupos químicos que funcionam como quatro “letras” diferentes), contido no DNA, está normalmente protegido nas células, a fim de não ser corrompido por “acidentes” físico-químicos que, a qualquer momento, podem ocorrer, devido a radiações, venenos, etc. Por essa razão, as porções de DNA que codificam proteínas (genes) são transcritas para outro suporte – outra molécula linear, constituída igualmente por uma sequência de quatro “letras” (três delas comuns ao DNA) – e é este suporte, chamado RNA mensageiro (RNA ou ARN são siglas de “ácido ribonucleico”), que é traduzido em sequências específicas de aminoácidos, por organelos celulares chamados ribossomas, que executam a síntese proteica.

Esquema base da síntese proteica em bactérias
Ora, de modo simplificado, sempre que os organismos animais complexos têm (o primeiro) contacto com moléculas biológicas (por exemplo proteínas) reconhecidas como estranhas pelo seu sistema de defesa (constituindo o que chamamos antigénios), as células do sistema imunitário, após muitas horas, durante dias, produzem outras proteínas específicas, chamadas imunoglobulinas, de várias categorias, capazes de se ligar, por complementaridade, àquelas proteínas estranhas contra as quais foram “desenhadas”, formando complexos que lhes anulam a patogenicidade ou a dos micróbios em cuja superfície se apresentam. Além disso, depois do primeiro contacto, há células-memória que, em contactos posteriores, produzem rapidamente (em poucas horas) quantidades enormes de anticorpos, desencadeando o efeito de imunidade (dita humoral). As vacinas consistem basicamente em provocar artificialmente este mecanismo. O recurso às vacinas permitiu a erradicação de doenças infecciosas terríveis, como a varíola.

E quanto às vacinas de RNA?

Estas vacinas consistem em inocular nos organismos não as proteínas estranhas (antigénios), ou os micróbios que as contêm, mas o RNA mensageiro que codifica aquelas proteínas. As células do organismo a imunizar recebem o RNA mensageiro, este é traduzido nos seus ribossomas com produção das proteínas antigénicas, estranhas, portanto.

A partir daí, o processo é idêntico: porque são estranhas, o sistema de defesa elabora anticorpos contra elas e guardará em memória essa capacidade. Se tudo correr bem, a imunidade adquirida é assim conseguida.

José Batista d’Ascenção

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