quarta-feira, 25 de julho de 2018

Beber vinho maduro «choco» como se fora «néctar dos deuses»

Não sou uma voz autorizada em matéria de apreciação de vinhos, quaisquer que sejam. Mas refiro-os nas minhas aulas quando tenho que tratar da fermentação alcoólica (do vinho, da cerveja, do pão…), vejo-os à mesa e bebo-os muito moderadamente, de quando em vez, às refeições do almoço ou do jantar. Por estas razões, não me coíbo de emitir opinião sobre a matéria, acerca da qual tenho visto e lido coisas diversas que me parece que colidem com o que é objectivo e histórica e cientificamente confirmado, mas também com o saber difuso do povo que, nalguns casos, encerra funda sabedoria.
Algo que me impressiona à mesa minhota, região do país onde se come tão bem como em qualquer das outras, é o hábito muito divulgado de que o vinho maduro não se põe no frio e deve ser consumido à temperatura ambiente.
Ora, os excelentes vinhos maduros alentejanos, por exemplo, trazem vulgarmente no rótulo a indicação de que devem ser bebidos a uma temperatura de 16-18ºC, eventualmente 20. E quem os consumir nessa gama de temperaturas pode, realmente, apreciar-lhes melhor as qualidades, que me parecem extraordinárias. De onde virá, então, aquele hábito tão divulgado e praticado no Minho?
O Minho, sobretudo o Alto Minho, é a região do continente onde chove mais e, no Inverno, as temperaturas, durante muitos dias, podem andar abaixo dos 10º C. E a essa temperatura ou menos, o vinho maduro não sabe tão bem porque a agitação térmica das suas partículas é menor e as nossas papilas gustativas não captam todas as particularidades dos seus sabores (não sei se terá vindo daí a ideia de imergir as garrafas de vinho em água quente, como algumas pessoas fazem). Já na Primavera e no Outono, a amenidade das temperaturas pode não afectar grandemente a expressão das qualidades do vinho maduro. Sobram os dias muito quentes dos meses de Verão e aí admito que, para quem não quer o tinto maduro no frigorífico, vingue o hábito e … o preconceito. Porém, os Verões parecem aquecer cada vez mais desmesuradamente e trazer para a mesa vinho tinto maduro a 26 ou 28 graus (ou mais) é tão desagradável como beber cerveja morna, pelo que algo se ganharia em (tentar) reverter o hábito.
Tradicionalmente, no nosso meio rural, o vinho era feito e guardado nas adegas caseiras à medida que ia sendo consumido. Como as casas eram de pedra, com paredes de 70 ou mais centímetros de espessura e as adegas ficavam nos fundos, na parte térrea, e como a protecção contra o vento mais frio desaconselhava janelas viradas a norte, as adegas eram amenas no Inverno e agradavelmente frescas no Verão. As suas temperaturas bem podiam andar pelos 16-18-20 graus centígrados, genericamente recomendados para saborear vinhos maduros tintos.
Mais tarde, já depois dos anos 60 e 70 do século passado, os frigoríficos começaram a chegar à generalidade das casas de família. E foi então que eu pude comprovar que, por exemplo, os trabalhadores do campo, no interior da Beira Baixa, quando lhes levavam «uma pinga» (delicadeza de que fui encarregado algumas vezes…), não queriam o vinho no frigorífico. Segundo o que afirmavam, o «fresco do frigorífico» não era «saudável» como o «fresco natural» e o vinho não (lhes) sabia bem. Eles preferiam que o garrafão de vidro, com empalhamento vegetal, primeiro, e mais tarde substituído por revestimento plástico, ficasse rolhado e semi-imerso em água de poço ou mina ou ribeira que passasse perto, se a propriedade distasse da adega. E se não gostavam do vinho saído do frigorífico, também não o queriam «choco» (creio que com o sentido de morno), como lhe chamavam. Percebe-se porquê: aquelas águas não andariam longe dos tais 16-18 graus de temperatura, contrariamente às temperaturas dos frigoríficos que eram bastante mais baixas, sendo que essas temperaturas como as mais altas, dos dias quentes, tornavam os vinhos tintos maduros menos apetecíveis.
Outra ideia bastante discutível é a de que os vinhos bons têm que ser necessariamente caros. Acontece que o fabrico do vinho tem milénios. Havendo bons solos, bom sol, boas castas, conhecimento mínimo e vontade de aprender, bom vasilhame e boas condições de conservação, os vinhos não podem deixar de ser bons (digo eu, convictamente). Se, porém, alguém se vai dedicar à produção de vinho, e tem que investir em aquisição ou melhoramento de terrenos, materiais e equipamento e eventual publicidade, se não produz em larga escala, e se não pode esperar muito tempo pelo retorno do investimento, tem que vender o vinho ao preço dos diamantes. Lamento, por eles. Por isso tentei, caseiramente, recomendar uma técnica para adquirir vinhos bons: ir comprando os vinhos de rótulos variados com preço aceitável, saboreá-los sem preconceitos, tomar registo dos melhores e fazer as devidas opções.
Outro assunto sobre o qual se deveria reflectir seriamente respeita à graduação dos vinhos que andam no mercado. Não se trata de graus centígrados, mas de «grau alcoólico». E aí, ver vinhos verdes com 13% de álcool e maduros com 15% parece-me que são excessos de teor alcoólico que não trazem mais saúde, nem mais prazer, nem mais… sobriedade. E era evitável.

José Batista d’Ascenção

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