quarta-feira, 18 de julho de 2018

«Estuário», romance de Lídia Jorge

Terminei a leitura do romance mais recente de Lídia Jorge. É um livro muito bom do qual tenho dificuldade em falar. Mas o mais recôndito da alma humana, no que tem de diverso e universal e de bom e de belo é muito bem dissecado, exposto e questionado. O que, naturalmente, inclui as características dos portugueses e de outros povos, que se ali se manifestam, pelo menos aos meus olhos, de forma viva, esclarecida e precisa. De leitura muito fácil, começa-se e apetece não parar mais até ao fim. As relações entre as pessoas, o amor, o ódio, a generosidade ou os interesses materiais perpassam em toda a obra e são matéria tratada com maestria, ao nível próximo, entre familiares e entre jovens conhecidos ou que se conhecem ou entre os cidadãos e o Estado, com a burocracia pelo meio, e entre países: «os países associam-se como os lobos, em alcateias, e atacam no escuro da noite os mais fracos» (pág. 142).
Entre as âncoras literárias e humanísticas muito caras à autora, várias vezes referidas e habilmente imersas na trama, estão «o poema mais belo da Língua Portuguesa» - a Ode Marítima de Álvaro de Campos, e a Ilíada de Homero, «o livro dos livros, aquele a que todos procuramos acrescentar uma linha, sem nunca o conseguirmos» (epílogo, pág.285). A referência funda e sentida à Ilíada já estava explícita no romance anterior «Os Memoráveis»: «a partir de certa idade todo o homem que se preze tem uma Ilíada para contar» (edição de 2014, pág. 15).
De Lídia Jorge li (apenas) meia dúzia de obras, mas aprecio-a sobremaneira. Tanto que se eu fosse dono de um prémio nobel há muito teria corrido ao seu encontro para lho entregar. Outro que tivesse concedia-o a Mia Couto. Isto assumindo que há vários autores portugueses que conheço mal, como deve acontecer com algumas das pessoas que estão envolvidas na atribuição dos prémios e até com escritores que muito gostariam de receber esses prémios. Donde, a minha opinião (confissão), vista em contexto, não dever constituir um crime de «lesa-pátria». E se fosse, uma condenação que aceitaria de bom grado era darem-me os seus livros para ler.
Grato a Lídia Jorge, pelas palavras, pelas ideias, pelos livros, pela cidadania.

José Batista d’Ascenção

Sem comentários :

Enviar um comentário