quinta-feira, 26 de julho de 2018

Desporto inumano

Nairo Quintana (imagem da Wikipedia)
Grande apreciador que sou das imagens da Volta à França, muito belas e impressivas, em percursos criteriosamente escolhidos (um cartaz promocional extraordinário da França e do ciclismo), cada vez me motivam menos os momentos de chegada, particularmente quando, ao fim de três ou quatro horas em cima de uma bicicleta, é preciso recorrer a um dispositivo de “fotofinish” para perceber quem ganhou, ou quando me detenho nos mistos de alegria e desfalecimento por exaustão dos vencedores após cortarem a linha de chegada.
Para quem gosta da competição, nos limites do que pode a força humana, ontem cumpriu-se uma etapa empolgante: nos Pirenéus, a cerca de dez quilómetros do fim, a uma altitude próxima de dois mil metros (imaginemos o cimo da Serra da Estrela) ainda faltava subir outros mil metros (mais «meia Serra de Estrela»), num percurso espectacular de uma estrada, qual fita preta, aos esses por uma encosta íngreme, a trepar num piso com cerca de 9% de inclinação média. O colombiano Nairo Quintana fez o brilharete que a sua equipa ainda não tinha conseguido, ao vencer a (17ª) etapa isolado, e Christopher Froome terá interrompido (ou concluído) o seu «reinado» pessoal no «Tour».
Provavelmente haverá estudos reveladores da duração média de vida dos «atletas» que se sujeitam a esforços tão tremendos, assim como de possíveis mazelas e deformidades com que ficarão para o resto da vida. Naturalmente, a prática de qualquer modalidade depende da vontade de quem a pratica, mas a divulgação (e desmistificação) das consequências, especialmente durante a formação de crianças e jovens, é um dever com plena justificação. Será importante distinguir o desporto e a actividade física enquanto factores de desenvolvimento harmonioso do corpo e de promoção da saúde e o risco associado à competição extrema, cujos resultados, atingidos ou a atingir, não podem deixar de estar no estreio intervalo de valores que podemos considerar como limite das capacidades do ser humano.
Não se trata de acabar com a competição desportiva. Ambição e competição são intrínsecas à condição humana. E depois há o negócio. Sempre o negócio.
Mas, sobre a matéria, convém que se estude (cada vez mais) e se esclareça e se publique e divulgue, para que colhamos ou disfrutemos do bom e do belo, mas sem ocultar os lados maus, desde a «dopagem», que é impossível de eliminar, aos meros efeitos negativos do uso e abuso das possibilidades físicas (e mentais, com certeza) do corpo.
Parece-me.

José Batista d’Ascenção

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