sexta-feira, 17 de agosto de 2018

O tempo parado e o tempo que voa e o que só se adquire com o tempo vivido

Imagem da Wikipedia
Momentaneamente, quando as ocupações são gratas e/ou as companhias são agradáveis, o tempo escapa-se, fugindo velozmente sem darmos por isso (e contrariamente à nossa vontade): é assim numa festa ou encontro maravilhoso ou em situações em que estamos no centro das atenções e essas atenções nos fazem sentir particularmente confortáveis. Já o tempo que antecede esses momentos pode ser de espera angustiante, um arrastar lento de calendários e relógios, como acontece com crianças e jovens em ânsias, expectativas ou sonhos encantados.
Também no decurso da idade de cada um, a velocidade do tempo é (subjectivamente) muito desigual: na pré-adolescência parece que nunca mais chega o tempo de ser adulto, alcançando um estatuto de emancipação e de independência «universalmente» reconhecido; mas, passada a meia-idade (mais precoce ou mais tardiamente sentida), muitas pessoas, talvez mais as mulheres, começam a ter problemas em revelar os anos que têm, esforçam-se por parecerem mais novas (o que em muito casos conseguem admiravelmente) e sentem satisfação com sentenças vulgares, do tipo - «ninguém te daria mais de X anos», em que X tem um valor significativamente inferior à sua idade real.
Se me aventurasse por campos que não são os dos meus conhecimentos mais profundos, resumiria tudo numa frase banal, do tipo: «o tempo cronológico não é igual ao tempo psicológico», e ilustrava-a com uma situação intuitiva: suponhamos um rapaz que esperou dez minutos pela sua amada, que não teve culpa da demora, na rua, numa noite particularmente fria e chuvosa, e que passou depois duas horas com ela, em ambiente agradável para ambos, tendo recebido os carinhos mais apetecidos. Este rapaz, provavelmente, sentiu os tempos de espera e de convívio com uma duração bem diferente da medida pelos relógios…
É difícil dar uma definição indiscutível de tempo. Sem trazer ao caso os movimentos de rotação e de translação da Terra e a inclinação do seu eixo, responsáveis pela sucessão dos dias e das noites, pelas estações do ano e pela desigualdade da duração dos dias ao longo do ano, quedemo-nos apenas pela mera passagem do tempo durante a nossa vida, e pela insatisfação que, passada a infância, é comum cada qual sentir com a idade que tem: ou porque se é (muito) jovem e se anseia pelo tempo (promissor) que há-de vir ou porque se sente preocupação e angústia com o escoar do tempo que resta viver. Contudo, o que devia ser exaltante é a energia de quem é novo e a possibilidade de aprender cada vez mais e a vontade de realizar sonhos (possíveis ou impossíveis) e a busca e as diligências, enfim, a luta, para que tal se concretize. Mas não é nem devia ser menos compensador e gratificante olhar para trás (e à volta e para a frente e ao perto e ao longe) e analisar o percurso realizado ou (ainda) a realizar, com a sabedoria e a serenidade para compreender (e relativizar) fracassos e comprazer-se com os sucessos, que sempre os há, sem esquecer o testemunho do tempo vivido a prestar aos mais novos, em transmissão pessoal de afecto, de conhecimento e de cultura, de suave proximidade e de exemplo, tão necessários a todos os que quotidianamente buscam a beleza, a bondade e a generosidade e o proveito dos caminhos (sempre imponderáveis) da vida. E pessoas há que o sabem fazer e fazem muito bem. Em seu benefício e dos demais, como convém. Ora, isso só é possível a quem viveu muito (e bem, às vezes, e menos bem, outras vezes) e durante muito tempo, porque experiência e «têmpera» adquirem-se no tempo e com tempo.
Não tentei ignorar, por cobardia, a via dolorosa daqueles em quem o tempo impregnou marcas insuportáveis ou os que parecem ter nascido só para sofrer e o modo como, uns e outros, sentem a passagem do tempo: admito que se sintam escravos do sofrimento, a que se conform(ar)am ou com que se revoltam, desconhecendo se, por haver intervalos com fugacidades agradáveis ou menos dolorosas, isso os prende energicamente à vida. Nem ignoro aqueles que, por inferno continuado ou em picos de desespero, põem fim à existência, deixando um escuro na sua passagem pelo tempo e na nossa compreensão dos dramas do seu viver.
Atrás dos tempos tempos vêm, uns diluindo ou apagando os sinais dos outros. A finalidade dos tempos, da nossa passagem pelo tempo ou da passagem do tempo por nós não é racionalmente clara. Assim mesmo, cabe-nos viver no nosso tempo o melhor que soubermos e nos for possível.
E o nosso tempo é ontem (obrigado, pais e avós), hoje (olá, familiares da minha geração e amigos) e amanhã (felicidades, meus filhos netos).

José Batista d’Ascenção

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