sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Luz boa de Lisboa (I)

Para matar saudades do neto [a quem dedico o texto, mas sem referências pessoais, que guardo no peito, ponto assente], lá fomos, eu e a avó, de novo, a caminho da capital. Lisboa é uma cidade muito bonita. E devia ser um local maravilhoso para se nascer e crescer. E fica muito bem como capital de um país, que é o nosso. E que não podia ser noutro sítio, porque é ali que está bem e que fica bem e em que nos podemos sentir muito bem [tendo lá netos ou não].
Aproveitámos então para ver ou rever alguns locais ou monumentos imperdíveis, de manhã deixando a criança com os pais na quietude de casa e, desejavelmente, na paz do sono e de tarde passeando juntos com ela dormindo ou acordada no seu confortável carrinho. E o petiz, como se adivinhasse, correspondeu na perfeição, em todo o tempo, em todos os sítios, nos percursos, à hora das refeições... [Ah, não ia falar dele, voltemos à cidade e aos monumentos.]
Pois deu-nos para começar pelos Jerónimos. Longa fila, a maioria das pessoas estrangeiras, uma hora e vinte de espera, mas a meteorologia colaborou, não havia calor, foi possível conversar e medir bem com os olhos a amplidão, a beleza e o enquadramento da praça, fazendo previsões sobre o tempo que demoraria a chegar à bilheteira. Entrados, as palavras tornam-se supérfluas. A beleza não cabe nos olhos: o rendilhado da pedra, a harmonia e simetria das formas e dos espaços, o ambiente sereno e acolhedor dos claustros e do interior, apesar de tantos visitantes. As salas e dependências com muito interesse. O coro alto, o cadeiral, o Cristo (em madeira polícroma, de 1550) impressionante (em tamanho e qualidade, «hiper-real»). A balaustrada e a vista magnificente para a igreja. A própria igreja, a altura, a beleza e a leveza das colunas, dos tectos e dos vitrais. As dimensões, a qualidade estética e escultórica dos túmulos de Camões e de Vasco da Gama. Tudo por dez euros, barato para quem pode pagar. Pouco acessível para o cidadão português comum. Por essa razão, seria útil que cada português pudesse uma vez na vida visitar gratuitamente o Mosteiro dos Jerónimos. Havia de ser um investimento, mais que uma despesa: do Estado nos cidadãos portugueses e de cada um deles em si mesmo, ou seja, um investimento na cidadania. Pela igreja, de visita livre, acede-se à sacristia, mais um «belo espaço arquitectónico», mediante pagamento de um euro e meio, que reverte para a paróquia. Se me coubesse fazer alguma recomendação a quem visite o Mosteiro dos Jerónimos, deixaria apenas uma sugestão: não ter pressa.
Toda a zona de Belém é de uma lindeza difícil de descrever: a dimensão rasa do espaço exterior, a vegetação - que bem que ficam ali as oliveiras e os pinheiros mansos! - os monumentos envolventes, a esplêndida toalha azul do rio, a elegante e belíssima ponte 25 Abril e as vistas da outra margem, tudo tem um encanto desmedido, para olhos capazes de apreciar. Almoçámos ali mesmo sobre o rio, ao lado do padrão dos descobrimentos. Não foi barato (para a nossa carteira), mas soube bem e permitiu poupar tempo. Tempo a que roubámos alguns minutos para admirar a monumental rosa-dos-ventos e o mapa-mundo em chão de mármore à «popa» do dito padrão. Ideologias e «patrioteirismo» à parte, há ali matéria para interessantes lições de história, de geografia e de geologia, para miúdos e graúdos de qualquer idade, proveniência ou nacionalidade. A que muitas pessoas se prestavam, aparentemente sem se incomodaram umas às outras, o que foi bom de ver.
Por sugestão da nora, que me adivinhou o desejo, subimos pelo «passadiço» sobre o MAAT, a pé, até ao Palácio Nacional da Ajuda. Um bom exercício físico, depois do passeiozinho à beira-rio, a levar-nos até zonas pobres, onde a necessidade leva ao cultivo de hortas em espaço que bem merecia melhor sensibilidade e tratamento pela autarquia, permitindo precisamente o seu uso para esse fim pelas pessoas que já se dedicam à actividade. Seria mais útil, mais aprazível, mais higiénico e mais digno. Para todos. Entretanto, o mais pequenino dormia tranquilamente, embalado pelas oscilações do percurso. E dessa forma nos recolhemos à sereníssima visita ao grandioso e esplendidamente recheado palácio. Esta visita está tão estupendamente bem estudada, organizada e disposta que não são precisos quaisquer «audioguias»: em cada sala, encartes plastificados, disponíveis em suportes apropriados, de tamanho superior ao A4, mais do que um em cada uma de várias línguas, com informação global resumida na face e especificações no verso, permitem a cada pessoa inteirar-se facilmente do que vê. E é só desfrutar: a variedade e curiosidade das salas, o mobiliário, os lustres, as cerâmicas, as esculturas…, tudo criteriosamente disposto. São muitas as curiosidades/preciosidades, como a sala oriental ou a sala de mármore, de paredes e tectos e motivos tudo trabalhado naquela rocha, assim como tampos de móveis, em outras salas e corredores, de brechas tão belas e tão diversas que é agradavelmente pedagógico associá-las a variedades do mesmo tipo de rochas sedimentares detríticas, que se formaram a partir de calhaus diversos compactados e cimentados em camadas ao longo do tempo geológico. Por esta razão, para além da história, da sociologia, da cultura ou da política, aquele magnífico espaço alberga muitos outros ensinamentos, como são os de geologia. Esta visita pode demorar o tempo que se quiser. Fica (apenas) por dois euros e meio, quem sabe se por os turistas ainda não terem «descoberto» este palácio…
(continua)

José Batista d’Ascenção

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