sábado, 25 de agosto de 2018

Sobre costumes brandos e subservientes, em palavras e actos - um pensamento cortante

Imagem obtida aqui.
Num país de «brandos» costumes, particularmente em relação a quem pode (e põe e dispõe) e não cumpre, mais valia falarmos de complacência ou conivência dos poucos a quem compete formal e legalmente decidir e agir e da indiferença e alheamento dos muitos que deviam ser escrupulosos na sua prática pessoal e na exigência do cumprimento de deveres e direitos cívicos próprios e alheios.
A «justiça» é provavelmente o sector cujo funcionamento mais directamente condiciona e revela um viver (as)social com questões permanentemente (e intencionalmente?) por resolver, incidindo em matéria jurídica social, financeira, comercial, industrial e ambiental e alastrando a certas decisões que passam por políticas, as quais, por essa via, escapam à criminologia, e progredindo pelas mais diversas áreas de que as do desporto ou a da «indústria» dos incêndios servem como exemplo. E veja-se como isso convive com certos procedimentos e formas de linguagem costumeira muito formais, em expressões como «meritíssimo juiz». Meritíssimo porquê? Não se trata de abandalhar uma função, nem, muito menos, de diminuir quem a desempenha. Mas meritíssimo vem de mérito, o qual, tantas vezes não se vislumbra na acção global ordinária e extraordinária da «justiça»… Idealmente, o termo devia corresponder ao rigor e valia das sentenças e não ao título ostentatório ou à forma de tratamento dirigida a quem é pago para atempada e com verdadeira justiça as produzir.
Imagem retirada daqui.
Na educação, pilar que devia ser da formação de crianças e jovens, a falta de rigor, de clareza e muitas vezes de simples aprumo e dignidade é confrangedora. Permanecer poucos minutos nos corredores das escolas, em tempo de intervalo de aulas, ou à entrada e saída dos estabelecimentos de ensino, em «hora de ponta», é revelador e dispensa a referência a pormenores. Quem duvidar que experimente. E não vale extrapolar daqui que «o mundo está perdido». Se estivesse, não estaria mais que em quaisquer outros momentos da História, e seria da responsabilidade daqueles a quem cabe educar e formar, o que inclui os que se queixam da falta de responsabilidade da juventude (imaginariamente) «perdida», mas que se esquecem de estender a razão dessa falha a… si próprios e aos que elegeram como seus representantes políticos. Passemos agora ao topo da escala académica e foquemo-nos momentaneamente numa forma de tratamento institucional como a de «magnífico reitor». Este tratamento teria cabimento, em certos casos, após o termo do desempenho da função ou, vá lá, durante o seu decurso. Mas aplicado à partida, ainda que simbolicamente? A forma «magnífico reitor» talvez tivesse justificação no caso de alguém que liderasse uma instituição que tivesse sido um farol para o conhecimento da humanidade em qualquer área do saber. Mas já soa a falso no caso de instituições, mesmo que centenárias, em que a «endogamia» e a preferência nas relações foram sempre mais fortes e impeditivas da emergência do talento que, em todos os tempos, não pode ter deixado de existir. Bem se sabe que alguns prémios Nobel podem estar «guardados» para quem os há-de receber, mas, as academias portuguesas, a começar pelas «velhinhas», tão cheias de formalismos e vestimentas e praxes (algumas ridículas e, nalguns casos, criminosas) não deviam estimular outros valores e almejar outros objectivos? Há dois anos estive numa universidade de uma pequena cidade holandesa (Leiden) e fiquei encantado ao ver uma parede repleta de assinaturas, onde «descobri» as de personalidades como Einstein, Lavoisier, Planck, Rutherford, Niels Bohr, Schrödinger, Becquerel, por entre muitas outras, e não pude deixar de pensar alto: - quantos destes homens visitaram alguma vez universidades portuguesas?, ao que alguém, ao meu lado, respondeu: - a quase totalidade deles, nunca!
Mas se «insuflamos» as palavras para corresponderem ao ego e à presunção das pessoas em posição de superioridade, pessoas há que usam até os termos que literalmente remetem para funções de serviço aos outros como poleiros para a sua fatuidade. É o caso do termo «ministro», que remete para aquele que serve e, de alguma forma, está em plano inferior a quem serve. Mas foi em Portugal que um político terá telefonado, muito vaidoso, ao seu progenitor, para entusiasmadamente lhe dar a notícia: - Pai, já sou ministro!
Compreende-se.
Temos assim um país em que as funções superiores são para as pessoas se sentirem superiores, o que elas fazem diligentemente, e não para servirem genuinamente a sociedade. Ou seja: a função é para as pessoas e não as pessoas para a função.
A multiplicação e a «exigência» do tratamento de «doutor» para quem tirou uma pobre e breve e algo exótica licenciatura numa qualquer (modesta) universidade (das muitas que há por aí) é outro exemplo elucidativo. Concordo com aqueles que, sem desleixar a deferência devida a quem a merece, propõem o abandono de tão enfatuados e vazios (e às vezes fraudulentos) tratamentos.
Por mim, até o formal «excelentíssimo senhor», embora abreviado, ainda habitual nos requerimentos mais diversos dispensava. Senhor ou senhora presidente ou director(a) é um modo de tratamento suficiente e adequadamente digno, bastando como fórmula de uso comum.
Termino com um esclarecimento: o que antes ficou escrito tem por base um desejo antigo de modificação do meu país: da presunção e da sobranceria e do respeito fingido na direcção da autenticidade e da simplicidade e do respeito exemplar e gratamente vivido. Sem dispensa da delicadeza e da sensibilidade, enfim, da boa educação.

José Batista d’Ascenção

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