segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Glúten, sensibilidade, ignorância e negócio

Do livro: «Alimentação, Mitos e Factos», de Isabel do Carmo. Editora «Oficina do Livro». 1ª Edição, 2020. (páginas 79-86).

A doença celíaca é causada por anticorpos contra o glúten,
contido em cereais como o trigo. Fonte da imagem: aqui.
A verdadeira intolerância ao glúten, chamada doença celíaca, «é uma doença inflamatória do intestino delgado causada por uma reacção imunológica ao glúten [o organismo produz anticorpos contra as proteínas contidas no glúten]. […] Os grãos de cereais que contêm estas proteínas são o trigo, o centeio e a cevada» […], logo também contêm glúten «todas as substâncias produzidas a partir da fermentação da cevada, como o malte e a cerveja […].
A prevalência da doença celíaca na população em geral é muito variável, podendo ir de 0,1 a 1%.[…]
Os sintomas clássicos são diarreia, fezes contendo gordura e magreza persistente. Por vezes há anemia por falta de ferro, alterações do esmalte dos dentes e artrite. Algumas pessoas têm análises positivas e não têm nenhum sintoma. Outras têm sintomas ligeiros. Se estas pessoas também tiverem alterações da mucosa [“superfície”] intestinal, apesar de não terem sintomas, considera-se «doença celíaca silenciosa» e aconselha-se a alimentação sem glúten […].
Para este regime alimentar [sem glúten] ser rigoroso não deve incluir trigo, centeio e cevada e tudo o que seja feito com estas farinhas, como pão e massas, mas também molhos, condimentos, carne processada, substitutos vegetarianos da carne, cervejas, vinagres de malte, que podem conter glúten, apesar de não estar discriminado.»
Não confundir: «A alergia a cereais [como outras alergias] não é a mesma coisa que a doença celíaca embora também seja desencadeada por anticorpos.
[…] Várias celebridades, como actores ou desportistas, mostraram publicamente que não comem produtos com glúten.
Daqui aos […] 100 milhões de norte-americanos que não comem glúten e aos seus imitadores europeus foi um ápice. Entretanto comem soja e seus derivados… a grande produção agrícola norte-americana.»
Tornou-se moda.
O que se passa é que «há uma grande variedade de sintomas gastrointestinais que são atribuídos ao glúten e que são de outra origem. Podem desde logo ser atribuídos à má alimentação, rica em gordura, molhos, bebidas alcoólicas, doces e pobre em vegetais e fruta.
[…] O refluxo gastroesofágico do adulto [por exemplo] é muito comum», mas a causa não é o glúten. Nem dessa nem de muitas outras perturbações da fisiologia dos intestinos. Também «não deve ser feita qualquer confusão com duas doenças muito sérias – a colite ulcerosa e a doença de Crohn.» 
[…] «A alegada sensibilidade ao glúten é talvez a moda alimentar com mais repercussão, rivalizando com a intolerância à lactose e por vezes acumulando. […] Aquilo que era um pequeno nicho de mercado, difícil de encontrar para os portadores da doença celíaca, tornou-se um grande alvo comercial. A maior parte destes consumidores não tem intolerância ao glúten» […].
Por outro lado, estudos científicos mostraram «que as pessoas que ingeriam maior quantidade de alimentos com glúten tinham menor probabilidade de risco cardiovascular.» Acresce que a investigação revelou que «o pão sem glúten tinha em média mais do dobro da gordura e três vezes menos proteína. O mesmo se passava com as bolachas. As massas tinham metade da proteína. De facto, para obter o mesmo volume os fabricantes confeccionam aqueles produtos com farinha de milho e batata, juntando mais gordura para melhorar o gosto. Por outro lado, com a farinha de trigo a ser substituída por milho e batata no pão, bolachas e cereais de pequeno-almoço estamos também a retirar vitaminas e sais minerais em que o trigo é rico e o milho e a batata são pobres. A broa de milho é muito saborosa mas não substitui o pão de trigo ou de mistura.»

Nota: A composição deste texto foi feita com citações do livro referido. A sequência escolhida não corresponde à ordem em que os excertos citados aparecem no original.

José Batista d’Ascenção

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