segunda-feira, 31 de agosto de 2020

O resineiro – profissão que os jovens quase não conhecem e os que a conhecem não a desejam

Em homenagem a resineiros como o Ti Zé Mendes, já falecido, e o filho, Carlos Mendes, o Eugénio Ladeira, o João Martins e o Joaquim Bernardo, que muitas vezes vi a caminho dos pinhais, quando passavam pela casinha dos meus pais.

Há cinquenta anos, Portugal tinha a maior mancha contínua de pinhal bravo (Pinus pinaster Aiton) da Europa, parte dela ocupando vasta superfície na região do interior centro, a norte do Tejo, conhecida por zona do pinhal. Os incêndios não eram uma praga, cortava-se madeira verde quando os pinheiros tinham o tamanho suficiente (e ficavam bastante grandes, geralmente maiores do que agora) e quando a grossura o aconselhava (medida pelo perímetro do tronco à altura do peito, que podia ser de 80 cm) explorava-se a resina. A obtenção de lenha e pinhas era constante e contribuía para a limpeza da floresta. O resineiro era também um vigilante.
A exploração da resina fazia-se nos meses de Março a Outubro-Novembro. Feito o alisamento da casca na zona onde se iam fazer as incisões periódicas, que se chamava descarrasque (com uma ferramenta manual chamada descarrascadeira), colocavam-se as bicas (lâminas metálicas para conduzir para os recipientes a resina que escorria), espetava-se a uma altura conveniente a estaca de madeira e mais tarde o prego de suporte dos “púcaros” ou tijelas, primeiro de barro (vermelho), e depois feitos (inevitavelmente) de plástico (de cor preta), com abas para adaptar à bica, normalmente encurvada em arco (também há bicas direitas). Outros recipientes de utilização possível são sacos de plástico com a boca agrafada à base da “ferida”, mas esta opção não é usada preferencialmente na maior parte dos pinhais actuais. Afixados os recipientes podia fazer-se a primeira incisão. Com a enxó, aplicada lateralmente, cortava-se a porção de casca (11-12 cm de largo por 3-4-5 cm de altura), e com um pulverizador de mais de meio litro e ponta longa, no tecido vivo acabado de expor, o resineiro seringava uma porção de ácido (ácido sulfúrico diluído, a 50%). Mais tarde, o uso de ácido líquido foi substituído pela aplicação de uma pasta acídica, de efeito mais longo. O ácido necrosava o tecido vegetal e impedia a obstrução dos tubos resiníferos, para que a resina fluísse facilmente. Feita esta operação, em cada um de quantos pinheiros houvesse nas propriedades exploradas pelo resineiro, esperava-se pelo encher dos “púcaros”.
Então fazia-se a colha da resina, dos púcaros para uma lata cilíndrica, de talvez 10-12 litros, afunilada para o topo, com uma abertura de 10 ou 12 cm de diâmetro. Este serviço, em que se usava uma espátula, era feito também por mulheres. Um trabalho difícil, fisicamente esforçado, pegajoso e sujo. Calcorreavam-se as courelas e ia-se a cada pinheiro esvaziar o respectivo púcaro. Sem luvas, as mãos enegrecidas e pegajosas, a pobre roupa enodoada da resina. Cheia a lata, que devia pesar vários quilos (1 litro de resina pesa cerca de 1,2 kg), era preciso ir despejá-la ao barril (antigamente de madeira, mais tarde um bidão metálico) colocado em terreno (mais) assente, no viso das lombas, onde pudesse chegar o meio de transporte: antigamente carros de bois e depois camionetas de carga.
Feita a colha, o resineiro renovava a ferida de cada pinheiro, com nova incisão, por cima da anterior. Os púcaros ficavam a encher e o processo repetia-se até ao fim da campanha. Cada pinheiro produz cerca de 2,5 kg de resina por ano.
Depois da última colha, havia ainda mais uma operação – a raspa. Como o nome indica, esta operação consistia em raspar a resina que ficava aderente ao lenho exposto das “sangrias”. Depois da raspa e do último transporte da resina colhida, nos barris ou bidões, o trabalho do ano no pinhal era encerrado com a remoção das bicas, dos recipientes e dos pregos, de todos os pinheiros. Este material era utilizado na campanha do ano seguinte. Um conjunto elucidativo de como se faz a resinagem pode ser visto aqui.
A resina seguia para as fábricas, onde sofria os tratamentos que permitiam obter os seus derivados: águarrás (essência de terebentina) e colofónia, também chamada pez. Aditivados, os produtos da resina são utilizados na produção de colas, tintas, vernizes, borrachas (de pneus e outras), adesivos, cosméticos, etc.
Os resineiros tradicionais que eu conheci trabalhavam muito, até ganhavam mais do que noutros serviços, mas, que eu saiba, nenhum enriqueceu na actividade.

José Batista d’Ascenção

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